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Natal é onde um homem quiser

Fomos a Cabeça, no concelho de Seia, e a Óbidos, no distrito de Leiria, que reclamam ambas o estatuto de aldeias Natal

13 de dezembro de 2015 às 16:00

Há três anos, Cabeça, no concelho de Seia, era uma aldeia praticamente desconhecida e escondida na encosta poente da Serra da Estrela. Com uma população envelhecida, sem indústria e afastada das principais vias de acesso à Torre, a localidade, que faz parte da União de Freguesias de Vide e Cabeça, passava despercebida aos milhares que procuram a neve no ponto mais alto do País.

Mas, em 2013, pela mão de Gil Veloso e Alberto Silva, dois profissionais da área do design, a aldeia haveria de renascer no Natal. Os dois ecodesigners viram nas particularidades paisagísticas e urbanísticas de Cabeça a base perfeita para montar um gigantesco presépio vivo com materiais biológicos e típicos da região. O projeto chamava-se ‘Cabeça – Aldeia Natal’ e foi de imediato abraçado por todos os habitantes, que arregaçaram as mangas e se lançaram ao trabalho. "Já não havia nada a perder. A aldeia estava envelhecida e as pessoas ansiavam por qualquer coisa que lhe desse nova vida", diz Nuno Silva, sapador florestal de profissão que, este ano, na terceira edição do evento, coordena os trabalhos dos conterrâneos num projeto do Conselho Diretivo dos Baldios de Cabeça, com o apoio da ADIRAM – Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede de Aldeias de Montanha e do Município de Seia.

Todos os quase 200 habitantes de Cabeça participam na montagem do gigantesco presépio. O trabalho começa quase três meses antes, com a recolha de materiais nos campos agrícolas e nas florestas dos arredores. "É uma opção ecológica que só traz vantagens: conseguimos uma decoração muito própria com materiais 100 por cento biológicos, típicos da região e, ao fazer o desbaste e recolha de material nas matas, estamos a minimizar o risco de incêndios florestais", explica o coordenador.

Folhas de milho, ramos de videira, pinhas, caruma, canas e árvores de todos os tamanhos são transportadas para o pavilhão comunitário onde, todas as noites, homens e mulheres os transformam em estrelas, anjos, sinos, e outras figuras decorativas típicas da época que irão depois ornamentar as casas e ruas da aldeia. "Durante estes últimos dois meses, a rotina é chegar a casa depois do trabalho, comer qualquer coisinha e rumar ao pavilhão. Passamos lá duas ou três horas todas as noites a preparar os enfeites", afirma Fernanda Silva, de 57 anos, que na última semana, tal como a grande maioria dos seus vizinhos, dedicou a maior parte do tempo à preparação de ornamentos. "O resultado compensa todo o esforço porque, depois de estar tudo pronto, e durante um mês, sentimos que estamos a viver num presépio e é maravilhoso", assegura.

Fernanda Mendes, de 49 anos, não terá a experiência da amiga. Emigrante no Luxemburgo, veio à terra natal de propósito para dar o seu contributo à realização da festa, mesmo sabendo que teria de regressar antes das luzes do presépio se acenderem esta semana: "Tinha que vir e participar, ainda que, tal como aconteceu no ano passado, só a possa acompanhar à distância através das redes sociais e dos vídeos e fotos que os amigos enviam. A aldeia fica linda e, lá longe, vêm-me sempre as lágrimas aos olhos".

"Isto é que é o verdadeiro espírito de Natal. Isto é que é solidariedade, comunhão e partilha: Toda a comunidade unida e empenhada, a trabalhar de forma voluntária, com o objetivo de transformar Cabeça numa aldeia única em Portugal", diz entusiástico Luís Lages, militar da GNR que aproveita as folgas para "dar uma mão" aos conterrâneos. O trabalho é gratuito, mas acaba por trazer benefícios para todos, já que a outrora esquecida aldeia, diz António Dias, comerciante de 63 anos, "passou a ser um ponto de passagem obrigatório para milhares que visitam a Serra da Estrela e que deixam dinheiro na freguesia e no concelho". Mas mais importante que os benefícios económicos que o certame traz à freguesia, ressalva José Marques, de 59 anos, responsável pelo Centro de Apoio à Terceira Idade de Cabeça, "é o sentimento de comunidade e de empenho que este evento fomenta entre os habitantes, maioritariamente idosos". Outro aspeto positivo, sublinha, "é o facto de a aldeia celebrar um Natal tradicional". "Aqui não entra o Pai Natal. Apenas o Menino Jesus", diz com orgulho.

Tradição em Cabeça significa, acima de tudo, fazer as coisas em conjunto. Não admira, por isso, que até na Consoada a população arranje um momento para celebrar o nascimento de Cristo com os vizinhos. No dia 24 a seguir ao almoço, os habitantes reúnem-se no adro da igreja para preparar uma fogueira, que é acesa quando o relógio da torre marca as 18h30. Depois do convívio seguem para o jantar de Consoada em família. Os desejos à volta da mesa de cada casa são quase sempre os mesmos, revela em tom irónico José Marques: "Saúde para os amigos e familiares e mais sabedoria para os governantes do País."

E EM ÓBIDOS

Em Óbidos, a tradição leva muitas centenas à vila e sede de concelho do distrito de Leiria. Ali, entra-se num mundo de fantasia, dentro da muralha, por força do preço pago pelo bilhete. É talvez entre as duas aldeias natal a mais popular. "Dar alegria às crianças, fazer o mundo de fantasia delas ainda maior, que é isso que elas sentem nas nossas personagens", deixa satisfeito o ‘Diabrete Trapalhão’, uma das animadoras. Por detrás do vistoso fato e das coloridas pinturas na face que mascaram a personagem do circo – tema do Natal em Óbidos – está Filipa Giovanni, de 33 anos. Solteira, mora em Lisboa e é atriz. "São muitas horas de trabalho mas faço-o com gosto e dá-me uma grande emoção", conta Filipa, que vai passar a Consoada com os pais e depois regressa a Óbidos para continuar a animação no dia seguinte.

Márcio Antunes, de 32 anos, solteiro, é por estes dias "José, o homem-músculo, o mais forte do Mundo". Designer e animador, reside em Torres Vedras e diz que consegue conciliar as duas profissões. "Ambas dão-me bastante prazer e, neste caso, podemos por um pequeno momento fazer as pessoas mais felizes", refere. "Se não gostarmos do que estamos a fazer não iremos conseguir transmitir um sorriso", vinca.

Já Neuza Santos, de 26 anos, veste a pele de uma personagem das artes circenses. "Quando há oportunidade de fazer representação tento sempre agarrá-la, porque foi para isso que estudei. Tenho um curso do secundário de animação sociocultural mas às vezes tenho de trabalhar na restauração", conta.

Natural de Abrantes, solteira, confessa estar ela própria envolvida pela animação que cria. "Faço isto com muito gosto e nem podia ser o contrário. Se fosse só trabalho não tinha disponibilidade interior", assegura. Neuza gostava que, "além do típico desejo de paz, amor e saúde, as pessoas não fossem tão stressadas e abrissem mais os corações".

Tal como a maioria da cerca de dezena e meia de animadores – que ganha entre 800 e 1000 euros por este mês de trabalho – vai passar uma Consoada "diferente", no Óbidos Vila Natal.

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