Há 50 anos, Maria do Céu foi madrinha de guerra de Fernando.
Esta é a história de um amor blindado. De um amor que começou por causa de uma guerra, mas que sobreviveu a ela e resistiu a mais de 50 anos de separação. É a história de Fernando e Céu. Entre 1964 e 1966, foram afilhado e madrinha de guerra. Hoje são marido e mulher, casados de fresco.
Conheceram-se há mais de meio século num baile, em Montemor-o-Velho. Ela tinha 12 anos, ele mais sete. Ele convidou-a para dançar. "Mas eu não sei dançar", disse-lhe Maria do Céu Cadima. "Não faz mal menina, eu ensino-a", respondeu Fernando Paredes. Tinha acabado de se apaixonar para sempre. "Simpatizei com ela desde a primeira hora", recorda hoje, aos 73 anos, com a aliança novinha em folha no anelar.
Fernando viveu toda a vida em Alfarelos, no concelho de Soure, Maria do Céu a cinco quilómetros de distância, em Montemor-o-Velho. Depois do primeiro baile, passaram a fazer par em todas as festas. Mas a guerra do Ultramar levou o jovem Fernando para Cabinda, Angola, onde foi soldado condutor na Companhia de Caçadores 720, Batalhão Panteras Negras.
AS CARTAS
"Escreveu-me a pedir para ser madrinha dele", conta Céu, que até há pouco tempo era uma mulher solteira. De uma das vezes, Fernando pediu-lhe uma fotografia e ia falando em namoro. "Mandei-lhe a fotografia mas nunca o aceitei para namorar."
Fernando está perdidamente apaixonado. Quando fala da ‘Céuzita’, a voz baixa- -lhe e fica melosa, doce, como que a fugir-lhe. Os olhos piscam muito, as mãos contorcem-se e as palavras são poucas para exprimir o amor que mal lhe cabe no peito. Guardou as cartas da sua "princesa" e, claro, a fotografia que viria a ser a responsável para que ela dissesse ‘sim’, a 7 de novembro, na Igreja de São Martinho, em Montemor-o-Velho.
Céu, independente e determinada, não estava para modas. "Tente esquecer-me que eu só o vejo como meu afilhado", escrevia-lhe. Chegou a propor-lhe outra madrinha. Mas Fernando não desistia.
O BAILE FALHADO
O ‘Coradinho’, como era conhecido no Ultramar, regressou em 1966. Foi visitar a madrinha e combinaram ir a um baile. "Aí eu falhei-lhe", confessa Fernando, que chegou no frio de dezembro e tinha como único meio de transporte uma bicicleta. "Vinha do clima de Angola e aqui estava frio, também a estrada estava submersa por causa da chuva e eu não fui." Cada um seguiu o seu caminho.
Entretanto, Céu soube que Fernando tinha casado com outra moça e mais tarde que fora pai. "Ficou triste?" A pergunta era inevitável, mas um comprido e redondo não ecoa na sala. Céu tem a voz forte, grave e uma dicção perfeita. "Canto no coro, leio na igreja", justifica. Dedicou 30 anos aos Bombeiros Voluntários de Montemor, onde foi maqueira. Criou uma prima como se fosse filha, cuidou da mãe e da igreja onde deu catequese durante mais de quatro décadas. É frontal. "Eu nunca tive ideias no Fernando. Nunca. Até porque eu tinha um gosto pelos moços mais altos", desafia.
Esta história podia acabar aqui. E para Céu acabava, mas Fernando, que entretanto foi trabalhar para a CP, onde subiu até ser maquinista, era um homem inquieto. "A ‘Céuzita’ nunca me saía da ideia." Durante estes cinquenta anos, sempre que tinha de ir a Montemor ao banco ou tratar de algum assunto, a visita à madrinha era obrigatória. Talvez tenha forçado alguma ida só para ver aqueles olhos grandes e o cabelo, como ele gosta do seu cabelo macio. Havia uma frase que sempre lhe dizia: "Céu, eu nunca te esqueci!"
Para Fernando, a palavra é de ouro e guarda-a com a honra. Por isso não avançou. "Nunca estraguei o lar. Levei sempre tudo muito a sério." A mulher adoeceu e morreu há cinco anos. Também Fernando ficou doente e foi para um lar, onde venceu um linfoma nos ossos. Céu estava agora mais distante. Mas ele pensava nela. O ex-ferroviário só tem a quarta classe, mas é um homem perspicaz. "Vai perguntar-me: se gostava assim tanto da Céu porque casou com outra pessoa?" O único argumento é sincero, foi o que a "providência quis".
OS BILHETES
"Começaram a chegar-me bilhetes que o Fernando deixava, com o número de telemóvel e o nome dele, nos sítios onde eu ia. Era para eu lhe telefonar, mas eu não estava interessada", abrevia Céu.
Era agosto de 2014 e Fernando via-se numa espiral de emoções. De tal maneira que se sentiu doente e não há pior doença que a do amor. Marcou uma consulta. "Estou-me a sentir muito apaixonado", disse à médica. "Não queria ser dominado por uma depressão", justifica agora.
No lar todos o incentivavam a ir ao encontro da sua princesa. E Fernando foi. Foi e levou a mais bela carta de amor. "Um dia saí de casa e vi-o do outro lado do passeio." O momento foi memorável para ambos. "‘Céuzita’, eu vinha para falar contigo." Ela acedeu. "Venho com ideia de namorar e casar, o assunto é sério", avisou ele. A resposta não tardou: "Não, não e não mesmo." Maria do Céu "já não pensava casar", mas aceitou reatar a amizade.
Com a cumplicidade de uma assistente social do lar, Fernando passou a visitar Céu. De uma das vezes levou a tal fotografia. "Guardou-a durante 50 anos", diz ela de olhos arregalados. "Quando a vi, pensei: afinal ele sempre gostou de mim, não me esqueceu." E apaixonou-se.
Passaram dois meses e Céu decidiu-se. "Fernando, a partir de hoje somos namorados." Ele quase explodiu de felicidade. "Estava ansioso por essa decisão." O compromisso foi selado depois com duas alianças de noivado.
O CASAMENTO
Agora, Céu sabia que era com Fernando que queria casar e até a data: 13 de maio de 2015. Assim foi. Casaram pelo civil e a 1 de agosto passaram a morar os dois em Alfarelos. O casamento pela igreja fez-se a 7 de novembro. "Foi um sonho que nunca pensei ter", conta Céu, que teve guarda de honra dos bombeiros voluntários. "Concretizei o sonho de casar com a mulher que eu sempre amei", diz ele. Os dois estão nas nuvens. Não desistiram, deram a volta à vida. "Já viu a ironia do destino que a manteve solteira e eu fiquei livre?", pergunta Fernando.
É esta a história de amor de Fernando e Céu. De um amor resistente, blindado.
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