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Depois do cancro da mama

Testemunhos de quem deu a volta por cima.

06 de dezembro de 2015 às 13:30

Depois do cancro da mama

Todos os anos 5600 portuguesas são diagnosticadas com cancro da mama. Dois terços sobrevive. Mas apesar deste ser um dos tipos de cancro com taxas mais altas de cura, as mazelas físicas e emocionais ficam para o resto da vida. Maria Luísa Espírito Santo tinha perdido a mãe para o cancro há três anos, quando ela própria, num exame de rotina, se confrontou com o diagnóstico: um tumor agressivo e em estado avançado, que já tinha atingido os gânglios linfáticos. Todos os anos fazia escrupulosamente o rastreio, mas o tumor desenvolveu-se de forma fulminante. "Vi pela cara do médico que algo estava mal. Depois ele pediu-me para fazer uma ressonância magnética. Nesse dia senti  medo, angústia e revolta. Só pensava: ‘mas porquê a mim, que tenho uma filha com cinco anos?"

Mas a filha foi a razão da guerra que declarou para vencer. "Tive um desgosto muito grande com a morte da minha mãe e não queria que ela passasse pelo mesmo".  Tentou minimizar o impacto da doença nas rotinas familiares: "Quando fui para Espanha fazer quimioterapia, ela e o pai passaram lá férias. Falei com ela sobre o que iria mudar em mim, por conselho do pediatra, mas evitei que sentisse o impacto negativo da doença. Ela chegou a brincar com a minha prótese mamária, como qualquer criança faria. Mas também foi ela que me fez chorar no dia em que a peruca caiu e ela descobriu que a mãe estava careca".

Do marido, Luísa bebeu o otimismo que era já característico do homem que escolheu para partilhar a vida. "Disse-lhe que tinha um cancro pelo telefone, estava ele em viagem. Esteve sempre ao meu lado durante os tratamentos. Agora diz-me que depois da reconstrução vou ficar ainda mais bonita. A nossa intimidade não foi afetada. O confronto com o espelho é muito pior: é inevitável não nos sentirmos tão atraentes como antes", relata. Mas só contou à família nuclear, à equipa e aos diretores da empresa onde trabalha, na área do marketing. "Fechei-me na minha concha. Não queria ouvir, ‘força, vais conseguir’ porque, afinal, o que sabiam essas pessoas se não estavam a passar por isso?"

Do marido, Luísa bebeu o otimismo que era já característico do homem que escolheu para partilhar a vida. "Disse-lhe que tinha um cancro pelo telefone, estava ele em viagem. Esteve sempre ao meu lado durante os tratamentos. Agora diz-me que depois da reconstrução vou ficar ainda mais bonita. A nossa intimidade não foi afetada. O confronto com o espelho é muito pior: é inevitável não nos sentirmos tão atraentes como antes", relata. Mas só contou à família nuclear, à equipa e aos diretores da empresa onde trabalha, na área do marketing. "Fechei-me na minha concha. Não queria ouvir, ‘força, vais conseguir’ porque, afinal, o que sabiam essas pessoas se não estavam a passar por isso?"

A sua opção pelo país vizinhou deveu-se à certeza de que por lá seria melhor acompanhada. "Quando me dirigi ao IPO, deparei-me logo com opiniões contrárias quanto ao tratamento a seguir. Procurei então uma terceira opinião, na Clínica da Universidade de Pamplona e aí encontrei uma equipa e uma estrutura que me dava mais certezas. Para o meu feitio, isso era essencial. Disseram-me logo que o meu cancro era curável. Era o que eu precisava de ouvir".

Fez um ano de quimioterapia e "felizmente, os efeitos secundários foram minimizados com medicação adequada". Ainda está a efetuar a hormonoterapia, que se prolongará por mais cinco anos. Mas desde 2014 já tudo mudou: "Nunca mais se encara um exame médico com a mesma naturalidade. É susto que fica para o resto da vida. Agora, valorizo mais a vida e a saúde. Já não adio os momentos de felicidade. O dinheiro ou o status não são o mais importante. Mas só sabemos isso quando estamos prestes a perder tudo o resto".

SÍMBOLO FEMININO

SÍMBOLO FEMININO

"Quando acordei da operação a primeira coisa que perguntei aos médicos foi: ‘eu ainda tenho a minha maminha?’. Não me responderam mas pegaram-me na minha mão e puseram-na em cima para eu ver que ainda a tinha. Ainda tinha a minha maminha", recorda Maria Adelaide Buco, 64 anos. A mama, considerada o símbolo maior da feminilidade – e também por isso tão dolorosa de ‘perder’ – ainda lá estava. "Uma parte, não toda". Sinal de que o cancro de Maria Adelaide "não estava tão avançado".

A partir do momento em que foi operada começou a acreditar que era possível vencer esta batalha que a apanhou de surpresa no ano de 2009. "Eu não tinha medo de morrer, tinha medo de deixar isto tudo", diz, um ano depois da ‘alta médica’ e seis depois de ter descoberto um nódulo suspeito numa mamografia. Tudo foi partilhado com Daniel, parceiro no amor e nos negócios, os três filhos, o enteado e os onze netos.

Os filhos chegaram-se mais, o marido está diferente, faz mais carinho, os amigos também. "Descobrem-se as coisas boas da vida. Porque o que é mau é mau mas com o mau vem o bom. Há casos de maridos que deixam as mulheres mas a nós fortaleceu-nos".

Maria Adelaide fez 35 sessões de radioterapia, "sempre" na companhia da filha. "Na primeira consulta que me fizeram não havia uma única coisa que pudesse antecipar isto. Tive filhos, dei de mamar, não fiz terapêutica de substituição na menopausa, não fumava, não bebia. Não tinha nada suspeito. Nem ninguém na família, fui a primeira pessoa", enumera a também voluntária do movimento ‘Vencer e Viver’, promovido pela Liga Portuguesa contra o Cancro. Adelaide sabe bem a importância do apoio numa altura tão delicada como esta.

"A quem passa por isto diria que não tenham medo, que passamos a ver a vida de outra maneira porque renascemos. Tanto que agora comemoro dois aniversários: o meu a 22 de agosto e o do meu renascimento a 22 de dezembro. O ano passado juntei a família, fomos ao restaurante, almoçámos e depois fiz um bolo com um emblema que diz ‘eu sou vencedora’".

Alda Frazão tem 70 anos e ainda se debate com as consequências de um tumor "pequeno mas muito profundo", detetado há oito anos. Teve de retirar também os gânglios linfáticos e faz regularmente tratamentos para prevenir o linfedema, que ocorre quando um fluído corporal, conhecido como linfa, se acumula nos tecidos moles, e que é uma das consequências mais vulgares da doença. No dia em que descobriu sentiu "muita raiva". Alda di-lo de punho cerrado, num tom que tem o efeito de um murro no estômago. O seu olhar é firme, a postura continua a ser de combate. Teve no filho, único, o seu maior apoio, mas também no companheiro. Os dois homens estiveram sempre a seu lado, durante o tratamento num hospital privado, pois o IPO não tinha uma resposta tão rápida quanto a urgência que Alda sentia para tirar aquilo do seu corpo.

Já lá vão oito anos.

Alda está oficialmente curada, mas há muitas coisas que não deve voltar a fazer. "Não posso ser picada para fazer análises, por exemplo, do lado que fui operada. Não posso apanhar calor. E não devia cair e partir o braço, como me aconteceu há uns meses, e que fez com que todo o trabalho para recuperar a mobilidade do braço e evitar o linfedema tenha sido desperdiçado", conta.  Também por isso, a ex-engenheira eletrotécnica é agora voluntária da APAMCM, onde vê chegar mulheres cada vez mais jovens com os mesmos problemas. E às vezes outros, que vêm por arrasto. "Há maridos que se afastam, há pessoas que se vão muito abaixo, mesmo depois do tratamento".

Alda está oficialmente curada, mas há muitas coisas que não deve voltar a fazer. "Não posso ser picada para fazer análises, por exemplo, do lado que fui operada. Não posso apanhar calor. E não devia cair e partir o braço, como me aconteceu há uns meses, e que fez com que todo o trabalho para recuperar a mobilidade do braço e evitar o linfedema tenha sido desperdiçado", conta.  Também por isso, a ex-engenheira eletrotécnica é agora voluntária da APAMCM, onde vê chegar mulheres cada vez mais jovens com os mesmos problemas. E às vezes outros, que vêm por arrasto. "Há maridos que se afastam, há pessoas que se vão muito abaixo, mesmo depois do tratamento".

Sylviane Rebaud tem 49 anos e aos 42 viu-se igualmente a braços com um diagnóstico aterrador. É filha de uma sobrevivente. A mãe, que já conta com 80 primaveras, sobreviveu a dois cancros ao longo da vida: "Foi assustador, por um lado, porque era um cancro bastante agressivo mas, por outro lado, não era defensivo e por isso a possibilidade de cura era grande. Depois do choque inicial encarei as coisas com bastante pragmatismo e determinação. A prioridade era conhecer as opções de tratamento e seguir em frente. Nunca achei que não ia sobreviver".

Mas nem por isso a luta foi menos dura: "A forma como nos vemos e a sexualidade mudam , mas sobretudo nos anos seguintes à cirurgia. Quando fiz a quimioterapia, praticamente não havia sexo. A hormonoterapia também provoca alterações com as quais nem sempre se lida facilmente. Mas como a minha companheira é uma mulher, foi muito compreensiva e solidária. Atravessámos isto juntas".

"A incidência do cancro da mama em Portugal é inferior à média europeia e apesar desta mesma incidência continuar a aumentar no nosso país, em contrapartida e felizmente, a mortalidade diminuiu devido à deteção precoce e ao facto de existirem já melhores armas de tratamento", faz questão de frisar Mafalda Pinto Coelho, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama (APAMCM), criada em 1999. Conta com 4000 associadas, quase todas mulheres que passaram pelo mesmo calvário. Apesar de o cancro aparecer cada vez mais cedo, "a maioria (cerca de 80%) ocorre em mulheres com idade superior a 50 anos", sendo por isso "razoável presumir que o tempo de vida prolongado seja suficiente para que uma série de eventos ocorra no organismo, entre eles as mutações genéticas".

Mas além das sequelas físicas, este é um dos tipos de cancro mais estigmatizados. "Traz sentimentos de limitação, inadequação, revolta, medo e perda de autoestima. Significa lidar com grandes mudanças, gerir consultas médicas, pensar como irá cuidar dos filhos, faltar ao emprego, sentir que se perde o controlo da própria vida e até pensar na morte. Para muitas mulheres o fim do tratamento é um misto de grande alegria, mas também de ansiedade. Às vezes necessitam de ajuda, mesmo depois do processo". No entanto, se o acompanhamento psicológico e o apoio familiar forem os adequados, este é um acontecimento que até pode ser transformado "em competências emocionais e psíquicas".

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