Maria Emília viu o seu bebé fugir-lhe das mãos para uma mulher misteriosa no Hospital de Guimarães. Teve cinco dias de agonia sem saber do André. Mas ele apareceu, vivo, num altar.
O André Tiago tem hoje quatro anos e é mais um aluno brincalhão no infantário em Mondim de Basto. Ele não sabe, nem sonha, mas foi o último recém-nascido sequestrado numa maternidade portuguesa, antes do caso da bebé de Penafiel.
Tinha pouco mais do que 24 horas de vida quando uma misteriosa mulher de tez morena, rosto estreito e roupas da moda o levou ao colo pelos corredores do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, sem deixar pistas. “Ficámos de rastos. Ninguém pode perceber o que é ficar, de repente, sem a criança que mais desejávamos”, desabafa o pai, José Pinto, de 42 anos. Apesar dos quatro anos de distância, a voz ainda o atraiçoa ao recordar-se daquela semana de desespero.
No dia anterior ao rapto, a 16 de Julho de 2002, ele e a mulher, Maria Emília Pinto, eram um casal radiante, depois de superarem três traumáticos abortos e vários tratamentos de fertilidade. O recém-nascido, que seria baptizado de André Tiago, iria fazer companhia à irmã, Catarina, hoje com 10 anos. “Ela lembra-se de tudo, como nós. As imagens da televisão desta semana reavivaram-lhe a memória dos acontecimentos de há quatro anos”, conta o pedreiro da freguesia rural de Atei, perto de Guimarães.
A sua mulher, uma doméstica de 38 anos, prefere resguardar-se no silêncio, agastada pelo caso que fez manchetes nos jornais, em 2002. Mas na altura, ela contou à Domingo a sua ida e volta ao Inferno: “Quando eu estava a trocar a fralda ao André, uma mulher que nunca tinha visto perguntou-me se podia pegar nele. Disse-lhe que sim. Ela olhava para ele e só dizia: “Que lindo bebé!” Ainda conversámos cerca de vinte minutos, mas sem eu notar, foi caminhando até à porta do berçário e daí para o corredor.” Maria Emília ficou prostrada na sua cadeira de rodas, refém dos efeitos secundários da epidural, ainda com as fraldas nas mãos. “A custo, apercebi-me que o meu filho tinha sido levado dali para fora. Quando gritei por socorro já era tarde demais. Ele não ia voltar. ”
As enfermeiras e seguranças do hospital nada viram de estranho. A mulher poderia ter sido uma alucinação de Emília, não fosse o facto do berço de André estar vazio. “Nunca mais me esqueci da cara da raptora. Se um dia me cruzar com ela na rua, hei-de reconhecê-la”, garante.
Os dias que se seguiram foram pouco menos do que agonizantes. Maria Emília passou-os a chorar em ombros de amigos e vizinhos. Mas não havia palavras mágicas que a pudessem reconfortar. “Ela esteve sempre semi-inconsciente, numa grande depressão”, conta José Pinto, também ele obrigado a recorrer a acompanhamento psiquiátrico no hospital.
A CADA DIA QUE PASSAVA, os dois iam perdendo a esperança, embora não o confessassem em voz alta. Imaginavam o seu rebento nas mãos de pedófilos ou de casais desesperados por não poderem ter um filho. Quando cinco dias depois, num domingo, receberam um telefonema da Polícia Judiciária, um só pensamento assaltou José e Emília: “É para nos informarem que o André está morto.” A ideia ganhou forma quando os agentes lhes pediram para se dirigirem à esquadra. Iriam reconhecer as roupas do seu bebé. “Fui de cadeira de rodas, cabisbaixa, desesperada...”
Mas as notícias eram outras: os agentes haviam encontrado o André, vivo e embrulhado em cobertores, no Altar de Nossa Senhora da Penha. “Estava bem tratado. Só lhe tinham mudado a roupa.” Da raptora, nem sinais. Até hoje. Mas tinham o seu filho de volta. “Foi um milagre”, exultam. Hoje não guardam rancores: nem da presumível raptora, nem das falhas de segurança do hospital ou do Ministério Público, que arquivou o caso em 2004. “O facto de nos terem reavido o nosso filho, foi suficiente para sermos hoje muito felizes”, afirma José Dias. Talvez por isso, o pequeno André Tiago tenha mais razões para sorrir do que a maioria dos seus colegas no recreio do jardim infantil.
CRIMES NA MATERNIDADE
5 CASOS MAIS MEDIÁTICOS
- 2000: Bruna Alexandra raptada na MAC, em Lisboa. PJ encontra-a em casa da raptora.
- 1999: Mãe toxicodependente rapta a sua filha, no Hospital de São João, no Porto.
- 1991: Uma mulher de bata branca, rapta o pequeno Ruben Filipe, na sala de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
- 1984: Bebé sequestrada no Hospital Particular, em Lisboa. Esteve desaparecida durante dois anos.
- 1983: Falsa enfermeira na Magalhães Coutinho. Apanhada em Portimão com a criança.
RETRATO-ROBOT DE UMA RAPTORA DE BEBÉS FEITO PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA
QUEM É:
- Mulher de 40 anos;
- Classe média-baixa;
- Casada, muitas vezes em segundas núpcias, com um homem mais novo;
- Não confessa a ninguém a sua incapacidade para ter filhos;
- Acredita que um bebé é a tábua de salvação para uma relação em ruptura iminente;
- Sofre de grandes desequilíbrios psicológicos mas não pretende fazer mal à criança;
MODUS OPERANDI:
- Planeia o sequestro durante meses;
- Faz missões de reconhecimento à maternidade, em segredo;
- Em casa, usa a capacidade de representação, simulando a gravidez;
- Na altura do ‘parto’, corre para a maternidade, sozinha, e diz ao marido que prefere não ter visitas;
Na maternidade tem uma postura descontraída: usa uma bata branca para se passar por médica ou enfermeira;
- Assalta o berçário e regressa a casa como mãe;
-Se o sequestro não der certo, pode voltar a repetir o crime.
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