Milhares de alunos do secundário festejam em Espanha a passagem à ‘vida adulta’. Ritual feito de amigos instantâneos, música e bebida.
Para alguns é a primeira vez que estão fora da alçada dos pais. Para outros, mais uma oportunidade de fazer uma viagem com os amigos. Ainda que dure apenas uma semana, as viagens de finalistas do secundário são – segundo o que os próprios protagonistas dizem – uma forma de se sentirem "totalmente responsáveis" por si próprios. Sem pais, sem professores e, no fundo, sem adultos por perto. Cada um deles tem a oportunidade de fazer o que quer, no caso em Lloret de Mar, localidade na província de Girona, na comunidade autónoma da Catalunha, em Espanha. Aí chegam anualmente, por altura das férias da Páscoa, milhares de estudantes portugueses e estrangeiros.
A viagem deste ano ficou marcada pela morte de Artur Pimentel, o aluno de 17 anos do Colégio de Lamego que caiu acidentalmente da varanda do 3º piso do hotel Esmeralda.
Há quem chame a Lloret "a Las Vegas portuguesa". A localidade da costa leste de Espanha enche-se ciclicamente, uma vez por ano, com turistas adolescentes. Vêm de vários países mas a maioria é de nacionalidade portuguesa, inglesa e italiana. Os habitantes locais já estão habituados às enchentes sazonais. Os comerciantes agradecem o pico do negócio, apesar de saberem que a euforia daqueles clientes se traduz também em estragos.
Todos os anos há registos de excessos nas unidades hoteleiras. Há também feridos entre os jovens hóspedes – por exemplo, por conta da brincadeira de saltar de varanda em varanda. Já a pensar nisso, cada hotel inclui no preço uma quantia destinada a cobrir danos materiais. Caso não aconteçam, é-lhes devolvido o dinheiro no final da estadia. Também há outra regra mas de tolerância: só é ordenada a mudança de hotel, ou mesmo a expulsão de Lloret de Mar, depois de repetidas confusões.
Foi o que aconteceu a cerca de 15 portugueses no hotel Flamingo, no dia da morte de Artur Pimentel, na quarta-feira, 31 de Março, quando aqueles hóspedes atiraram vários objectos e garrafas pelas janelas. "Uns mudaram de hotel, porque ainda não era o dia da saída deles. Outros foram logo embora", contou um funcionário do hotel Flamingo. Quatro destes jovens portugueses saíram de Lloret, os restantes foram distribuídos pelos outros hotéis. Foi o caso de João Barreira, aluno da Escola Secundária de Bragança: "Atirei balões de água pelas janelas mas os ingleses fazem muito pior. Arrancam extintores e tudo", defende-se. Argumento em vão – foi ‘convidado’ a passar para o hotel Esmeralda, que fica em frente do Flamingo, do outro lado da avenida principal.
João Barreira lembra que estava na mesma unidade hoteleira que o jovem de Lamego. "Mas não sei quem ele era", admite. Compreende-se. Na altura, havia cerca de oito mil finalistas portugueses, espalhados por 50 hotéis no centro de Lloret de Mar. Estes milhares de jovens estão unidos por um único objectivo:a diversão. Sinónimo de consumir álcool e sair à noite com os amigos. Mas há quem negue a existência de excessos.
"Lloret é visto como um destino completamente errado. É verdade que bebem e que alguns chegam um bocadinho aos limites, mas na Catalunha todas as pessoas têm que mostrar o bilhete de identidade quando compram bebidas", defende o responsável pela excursão, Miguel Nicolau. "São educados. Se dissermos ‘basta’ é ‘basta’ para eles. Não abusam do álcool. Não é como o inglês, que bebe, bebe e bebe", conta o proprietário de um bar. Segundo fontes hospitalares, 90% dos casos de atendimento são por doença, não por consumo excessivo de álcool.
DEZ ANOS LUSITANOS
Neste ano comemorou-se o 10º aniversário da presença portuguesa naquela localidade da Costa Brava espanhola. Depois de Benidorm, os destinos que estão na moda são Lloret, Salou e Ibiza.
A escolha prende-se com a existência de praias, a proximidade de outros locais de interesse e o clima, que é razoavelmente quente na época da Páscoa.
Diz quem sabe que Lloret de Mar tem algo mais: tem tudo concentrado na avenida principal e arredores (hotéis, restaurantes, comércio tradicional e espaços de diversão nocturna). Para ter tudo, basta andar a pé. Lloret é feita à escala dos adolescentes. Os jovens turistas não se cansam e ficam encantados com a ‘facilidade’ local. "É mais o ter liberdade a 100%. Todos nos sentimos reis e rainhas, adultos", dizem duas alunas da Secundária de Bragança.
A possibilidade de gerir o próprio dinheiro é passaporte para se sentirem mais crescidos, adultos. Ter dinheiro na mão, chegar a uma loja ou a um mercado e regatear preços, insufla-lhes essa crença. "Uma t-shirt que custa sete euros comprei-a por três. Tive que negociar com o vendedor. Gostei", conta, orgulhosa, uma das estudantes de Bragança. Questionada pelo preço total da viagem, enumera: "A viagem custa 300 euros, ir ao Port Aventura [parque temático] de Barcelona, 35 euros", lembra, satisfeita.
Não são as festas que ficam na memória destes viajantes. De acordo com a empresa organizadora Sporjovem, nas deslocações às escolas portuguesas para fazer a apresentação do ‘pacote’ para as viagens de finalistas, o que mais se ouve são as histórias deixadas por ex-finalistas sobre o tempo gasto no regatear de preços. "Do que eles falam é disso, até porque há muitos comerciantes de nacionalidade marroquina que também incitam o regatear", diz o organizador Miguel Nicolau.
Na intensa semana, outro atractivo é a possibilidade de fazer amizades. "Isto é muito lindo, espectacular. Todos os dias se conhecem pessoas novas", dizem as amigas Margarida, Rita e Inês, da Escola Secundária da Lixa, em Felgueiras. São abordadas por um grupo de portugueses. Rapazes, na sua maioria. "De onde são?", perguntam-lhes. Depois de feitas as apresentações e das eternas ‘bocas’ de charme, os dois grupos dispersam.
A noite continua a correr bem. Outras três portuguesas seguem juntas pela avenida principal de Lloret. Quando lhes é oferecido um chapéu feito em balões, outros se lhes juntam e, em uníssono, todos desatam a cantar os parabéns. Dizem que é a Sílvia que faz anos. Não se sabe ao certo. Nem tem importância. Ali é fácil dizer que se comemora qualquer coisa, é sempre uma oportunidade para conhecer outros. Com máquinas fotográficas e telemóveis, fotografam-se.
LAS VEGAS ADOLESCENTE
A noite e o dia em Lloret de Mar confundem-se – o número de traseuntes é semelhante. Nas ruas, as discotecas sucedem-se aos bares. Porta com porta.
A agência de viagens portuguesa faz acordos com os espaços de diversão nocturna e reserva noites com cartaz de actividades destinado especificamente aos lusos. Num destes espaços, a discoteca Colossos, estão o animador de rádio Fernando Alvim e o DJ Pete tha Zouk. Ambos passam uma semana em Lloret com os alunos. Seis estabelecimentos de diversão em Lloret que têm acordo com a Sporjovem. Mediante um pagamento entre 30 e 110 euros, os alunos podem frequentar livremente algumas discotecas. O consumo não está incluído, pormenor que não desanima os clientes portugueses. "Tenho um bilhete para a Revolution",diz, entusiasmado, João Barreira.
A Revolution é uma das maiores discotecas do sítio – esquece-se João de dizer. O brilho nos seus olhos faz adivinhar que antecipa que a noite vai continuar extraordinária. O carimbo que tem na mão prova que a sua viagem nocturna em Llotet há muito começou. Já esteve noutra discoteca. "Isto é como a Las Vegas portuguesa", exclama. Nenhum dos amigos o contraria.
SILÊNCIO SOBRE MORTE
No dia a seguir à morte de Artur Pimentel, os estudantes que ficaram em Lloret de Mar cumpriram um minuto de silêncio nas imediações do hotel Esmeralda. Ou, pelo menos, tentaram. "Nem aguentaram 15 segundos", revoltou-se João Barreira, aluno de Bragança e hóspede naquele hotel. "De repente ficou um ambiente muito pesado. Estávamos a ouvir música e tivemos que relembrar o que aconteceu", desculpou-se uma finalista, adiantando que o resto da noite continuou dentro da normalidade.
Só quando questionados pela revista Domingo sobre a queda fatal do aluno de Lamego é que alguns jovens descobriram o nome da vítima. Mas logo mudaram de assunto. Só voltaram a tocar no tema para explicar porque é que na avenida principal havia equipas de patrulha da polícia de Lloret de Mar. "A polícia está cá mais depois do Artur", explicou um grupo de estudantes, descartando a hipótese de tal presença se dever à necessidade de controlar os excessos dos finalistas.
NOTAS
10 MIL
foi o máximo de finalistas portugueses que rumaram a Lloret de Mar, disse a organização. Aconteceu em 2007.
90 POR CENTO
dos casos que foram ao hospital local neste ano deveram-se a doenças como gripe e não ao álcool
8 MIL
é a média de estudantes nacionais que fizeram a viagem neste ano. A maioria ficou sete dias. Os restantes, nove.
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