Esteve uma semana incomunicável numa cela com três por quatro metros. Os Dias mais negros de uma vida atribulada
Ao fim de quase 50 recursos para contrariar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa - que determinou a prisão de Isaltino Morais em julho de 2010 - os agentes de investigação criminal da PSP de Oeiras dirigiram-se ao edifício da Câmara. Por ordem do Tribunal de Oeiras detiveram Isaltino e conduziram-no ao Estabelecimento Prisional anexo à PJ de Lisboa. Foi levado para Lisboa e encarcerado numa cela individual, com pouco mais do que a roupa que tinha no corpo.
Isaltino, de 63 anos, não podia ter tido mais azar com o calendário. Entrou na prisão - para cumprir uma pena de dois anos pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais - em plena greve dos guardas prisionais, o que impediu que, durante uma semana, tivesse visitas ou sequer telefonemas da família ou dos advogados.
Numa cela individual de três por quatro metros, com sanita, lavatório e espelho, Isaltino esteve fechado 22 horas por dia. Tal como os outros presos, só teve direito a uma hora de recreio de manhã e outra à tarde - metade do que acontece em períodos normais. Enclausurado numa ala para fumadores, as regras da prisão não permitem que fume os seus charutos. Só tem acesso a cigarros, vendidos no próprio estabelecimento, e fez as refeições na sua cela. Com a greve, pouco mais pôde receber do que os medicamentos com que trata uma doença cardíaca.
Tem sido noticiado que o autarca de Oeiras poderá ser transferido para outra prisão - aponta-se a da Carregueira, em Sintra -, mas a Domingo apurou que nenhuma ordem tinha chegado à prisão anexa à PJ até ao final desta semana. Os advogados insistem que a detenção de Isaltino Morais é ilegal, mas os apelos foram, para já, todos recusados.
Querido na aldeia
A 440 km da cela lisboeta, Isaltino Morais é um homem querido pelas gentes de São Salvador, a aldeia do concelho de Mirandela que o viu nascer. Maria do Céu Fraga, de 75 anos, lembra-se de um miúdo "muito educado e sempre divertido" que passava todos os dias à sua porta, a caminho da escola primária. A mãe, Vitória, tinha um filho mais velho, Luís Alves, do primeiro casamento. Depois de enviuvar, casou com Herculano e teve mais dois filhos: Floripes e Isaltino, o mais novo. Depois da morte de Herculano, Vitória levou os dois filhos mais novos para Bragança, onde os irmãos continuaram os estudos. "Ele voltava sempre à aldeia nas férias. Sempre foi um rapaz bonacheirão e bem-disposto", lembra Bernardete Fonseca, amiga dos tempos de adolescência. Em Mirandela, todos guardam boa imagem de Isaltino, que aparece todos os anos e faz questão de cumprimentar os que o viram crescer. "Não acredito que ele tenha roubado alguma coisa", diz Maria do Céu, espelhando o sentimento dos conterrâneos.
Lisboa no horizonte
Aos 18 anos, Isaltino ficou órfão. A morte da mãe obrigou-o a optar - ou ficava em Mirandela, a viver das propriedades que herdara, ou partia para outro lugar para refazer a vida. Escolheu a segunda hipótese. A herança dava-lhe um bom pé-de-meia (justificaria mais tarde ser esta a origem da sua fortuna) e partiu para Lisboa, onde se empregou numa fábrica de sapatos. Começou por ganhar 50 escudos (25 cêntimos) mensais, mas pouco depois entrou para o Instituto Nacional de Estatística, com um ordenado de dois contos e 100 escudos (10,5 euros). Isaltino teve de cumprir o serviço militar em Angola, mas no regresso recuperou o emprego no INE. Inscreveu-se como trabalhador-estudante na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde de cruzou com figuras como Santana Lopes, Durão Barroso ou Marcelo Rebelo de Sousa.
Isaltino Morais entrou na política a seguir à revolução de 1974, filiando-se no PPD/PSD por admirar Sá Carneiro. Formado como magistrado no Centro de Estudos Judiciários, foi procurador do Ministério Público em vários tribunais e esteve destacado em organismos do Estado. Muito ativo nas tarefas do partido, teria a sua primeira grande oportunidade em 1985, ao encabeçar a lista do PSD à Câmara de Oeiras. Em entrevista ao CM em 1991, Isaltino confessou que a vitória não era certa. "Tinha algumas dúvidas se ia vencer ou não, o que é natural pois não era conhecido." Apostou tudo na campanha: "Foi comigo que se fez a primeira campanha a sério para as autárquicas em Oeiras, tendo surgido os primeiros cartazes a cores. Mas paguei tudo do meu bolso."
O percurso de Isaltino Morais em Oeiras foi fulgurante. Em 16 anos, venceu cinco eleições e transformou o dormitório de Lisboa num dos concelhos mais dinâmicos do País. Atraiu empresas, promoveu investimentos e, o seu principal orgulho, criou o TagusPark, zona industrial que trouxe a Oeiras grandes empresas portuguesas e multinacionais. A extinção de vários bairros de lata é outro trunfo que Isaltino exibe. Casado, pai de dois filhos, Dora e Pedro, a vida corria-lhe bem. Chega a liderar a distrital de Lisboa do PSD, mas não resiste por muito tempo às guerrilhas internas do partido.
Um breve ministro
O trampolim para a política nacional chegou em 2002, pela mão de Durão Barroso. O antigo colega da faculdade de Direito convidou Isaltino Morais para assumir o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente. Isaltino trocou a Câmara de Oeiras pelo Terreiro do Paço, mas esteve pouco mais de um ano no Governo. Em abril de 2003, o jornal ‘O Independente' revelou que o autarca tinha três contas bancárias na Suíça e na Bélgica que nunca declarou ao Tribunal Constitucional nem às Finanças. Isaltino começa por se defender com um argumento desastrado. Disse que as contas eram do sobrinho, Leandro Alves, um taxista emigrado na Suíça, filho do irmão Luís. Admitirá logo de seguida que afinal o dinheiro - a acusação do Ministério Público indica que entre 1990 e 2002 movimentou um total de 1,15 milhões de euros - pertencia a si, ao sobrinho e à irmã, Floripes Almeida. O escândalo custou--lhe o lugar no Governo e deu novo fôlego ao inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que há muito investigava negócios do autarca com empresários.
Julgamento mediático
O processo judicial não atrapalhou a sua vida política. Saiu do PSD em rota de colisão com o então líder Marques Mendes e ganhou de novo a Câmara de Oeiras, como independente, em 2005. Divorciado, assumiu nova relação com Patrícia Camarinho, dirigente do PSD de Oeiras, de quem teve o terceiro filho, Afonso, hoje com 9 anos.
O julgamento do autarca - acusado com a irmã e vários empresários - só começou em março de 2009, no Tribunal de Sintra. Isaltino surpreendeu pelas declarações bombásticas. Admitiu que ficava com o dinheiro das campanhas eleitorais, defendeu a normalidade de o sobrinho taxista ser tão rico e desvalorizou a obrigação de apresentar ao Fisco os seus movimentos bancários na Suíça. Em agosto de 2009 foi condenado a sete anos de prisão e à perda de mandato por fraude fiscal, abuso de poder e corrupção passiva para ato ilícito e branqueamento de capitais. Os outros arguidos foram absolvidos.
Logo a seguir à sentença, Isaltino Morais ganhou outra vez a Câmara de Oeiras, reforçando até a sua votação. O Tribunal da Relação reduziu-lhe , em 2010, a pena para dois anos de prisão efetiva, mantendo apenas os crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Nos últimos três anos, Isaltino já meteu quase 50 recursos para evitar a prisão, que chegou a acontecer em setembro de 2011 - ocasião em que foi libertado ao fim de 24 horas, porque a sua defesa provou que havia recursos pendentes.
Agora, os seus advogados esperam que a Justiça volte a soltar Isaltino - alegam existirem prescrições e contradições que tornam a prisão ilegal. Dias antes de ser preso, Isaltino dizia-se tranquilo, à RTP: "Sou um otimista, senão já me tinha suicidado."
A mulher que derrubou Isaltino
Durante anos a fio, Paula Nunes foi chefe de gabinete de Isaltino Morais na Câmara de Oeiras. Acompanhou o autarca quando este ingressou no Governo, mas um dia fartou-se. Cansada dos boatos sobre uma relação amorosa com Isaltino - que diz terem sido criados por ele -, enviou para o jornal ‘O Independente' os documentos com os dados das contas secretas na Suíça.
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