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Otelo opõe-se a Vasco Gonçalves

As tropas revolucionárias de Otelo Saraiva de Carvalho não querem Vasco Gonçalves como primeiro-ministro.

07 de agosto de 2005 às 00:00

Em 3 de Agosto de 1975, o Forte de São Julião da Barra, na Linha de Cascais, foi o local escolhido para uma reunião importante – entre o Presidente da República, general Costa Gomes, o primeiro-ministro cessante, general Vasco Gonçalves e Teixeira Ribeiro, catedrátido da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor de finanças públicas, militante do MDP/CDE.

Vasco Gonçalves batia-se por formar novo Executivo, o V Governo Provisório desde a Revolução de 25 de Abril de 1974. Mas o Presidente da República, Costa Gomes, tentava demonstrar-lhe que chegara a hora de dar o lugar a outro. Teixeira Ribeiro, que apoiava as pretensões de Vasco Gonçalves, seria vice-primeiro-ministro.

A discussão entre os três homens foi interrompida pela chegada de Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, líder da ala militar revolucionária. Desembarcara em Lisboa, vindo de Cuba, no dia 30 de Julho. No aeroporto, entusiasmado com a lição que recebera de Fidel Castro, disse: “Fascistas para o Campo Pequeno” – frase com que deixou no ar a ameaça de fuzilamento dos que se opunham ao processo revolucionário.

Otelo não quis perder a reunião no Forte de São Julião da Barra, onde se discutia o próximo primeiro-ministro. Fez-se anunciar como um furacão. Virou-se determinado para Vasco Gonçalves – e disse-lhe que as tropas que comandava não o queriam como primeiro--ministro. As palavras de Otelo caíram como bombas. Costa Gomes, mestre em amainar até as mais explosivas fervuras, acabou ali a conversa. Marcou nova reunião para o dia seguinte, desta vez alargada à maioria dos oficiais da Região Militar de Lisboa. Objectivo: escolher um militar para primeiro-ministro. Juntaram-se duas centenas de oficiais. A larga maioria votou no sentido de ser Vasco Gonçalves o próximo chefe do Governo. Otelo Saraiva de Carvalho, que já manifestara o seu azedume por esta escolha, recusou o cargo de vice-primeiro-ministro.

O novo Governo, o V Provisório, acabou por tomar posse no dia 8 de Agosto. Mas o general Costa Gomes, avisadamente, não lhe augurou grande futuro. O Partido Socialista (PS) e Partido Popular Democrático (PSD) recusavam participar. A luta política estava ao rubro. O Governo não teria vida longa. Costa Gomes, no dia da tomada de posse dos novos ministros, avisou Vasco Gonçalves de que não se aguentaria durante muito tempo como primeiro-ministro – e ninguém imaginou na altura como estava certo.

O Movimento das Forças Armadas está mais dividido do que nunca. Os militares moderados com assento no Conselho da Revolução organizam-se sob a batuta de Melo Antunes, de longe o mais esclarecido politicamente – e, a 8 de Agosto, tornam público um documento com fortes e contundentes críticas à actuação do PCP e da ala revolucionária do MFA. Nasce assim o Grupo dos Nove, de que fazem parte Melo Antunes, Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vístor Crespo, Sousa e Castro, Costa Neves, Vítor Alves, Franco Charais e Pezarat Correia.

Os revolucionários acusaram-nos de traidores. O Conselho da Revolução expulsou-os e mandou-os apresentarem-se nas Armas a que pertenciam. Otelo Saraiva de Carvalho respondeu ao “Documento dos Nove” com um outro texto: “Documento de Autocrítica Revolucionária”, mais conhecido como “Documento COPCON”, em que defendia o poder popular de base e recolheu amplo apoio da extrema-esquerda militar que ocupava a 5.ª Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

O MFA passou a estar partido em três grupos: o Grupo dos Nove, estrategicamente próximo do Partido Socialista; o sector liderado por Vasco Gonçalves e apoiado pelo PCP; e um terceiro grupo, mais radical, encabeçado por Otelo Saraiva de Carvalho.

Na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, o então capitão-de-fragata Rosa Coutinho cumpria o serviço de rotina na sede do comando da NATO, em Oeiras. Nessa madrugada, o movimento dos capitães desencadeou o golpe – e Rosa Coutinho surgiu no dia seguinte na Junta de Salvação Nacional como representante da Armada. Aproximou--se do PCP. Fez parte do Conselho da Revolução - onde defendeu até ao fim as posições do partido com vista ao “caminho para o socialismo”. Rosa Coutinho foi ainda presidente da Junta Governativa de Angola: coube-lhe importante e controverso papel na descolonização. Foi promovido ao almirantado. Após o 25 de Novembro, terminado o processo revolucionário, Rosa Coutinho passou a dedicar-se aos negócios. Fundou uma empresa de ‘cooperação’ - que fornecia equipamentos e produtos alimentares a Angola e Moçambique.

REVOLUÇÃO DIA A DIA

Dia 7 de Agosto - Tornado público o ‘Documento dos Nove’

8 de Agosto - Toma posse o V Governo Provisório, presidido por vasco Gonçalves. Teixeira Ribeiro assume as funções de vice-primeiro-ministro; Nacionalização da CUF, Setenave, Sociedade Geral de Transportes.

9 de Agosto - Publicada no ‘Jornal Novo’ carta aberta de Mário Soares a Costa Gomes a exigir a demissão de Vasco Gonçalves.

10 de Agosto - Manifestação em Braga organizada pela Igreja; Assaltadas sedes do PCP em Monção, Porto e Trofa.

11 de Agosto - ‘Grupo dos Nove’ é suspenso do Conselho da Revolução; Assaltadas as sedes do PCP em Viseu, Vila Verde e Tondela; Publicada a Lei da Reforma Agrária de Oliveira Baptista.

13 de Agosto - É publicado o ‘Documento do COPCON’, como resposta ao ‘Documento dos Nove’.

O DOCUMENTO DOS NOVE

- “O País encontra-se profundamente abalado e defraudado relativamente às grandes esperanças que viu nascer com o MFA (...) alarga-se dia a dia o fosso aberto entre um grupo social estremamente minoritário, portador de um certo projecto revolucionário, e praticamente o resto do País, que reage violentamente às mudanças que uma certa vanguarda revolucionária pretende impor (...)”

- “(...) Os subscritores deste documento recusam quer o modelo de sociedade socialista tipo europeu oriental, quer o modelo de sociedade social-democrata em vigor em muitos países da Europa Ocidental (...) Lutam por um projecto político de esquerda (...) Recusam a teoria leninista de vanguarda revolucionária que impõe os seus dogmas políticos de forma sectária e violenta (...)”

- (...) Defendemos um modelo de socialismo inseparável da democracia política, construído em pluralismo político (...)”

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