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PAI, DEIXE-ME JOGAR À BOLA

O varão da família Resendes foi um bebé birrento para dormir, mas cresceu filho cumpridor – cujo único desvario era mesmo a bola. Por causa dela desistiu dos livros a meio do 7º ano de escolaridade e foi obrigado a andar a pintar paredes ao lado do pai.

30 de maio de 2004 às 00:00

Manuel Resendes criou os seus três filhos com o ofício de pintor. Não pintor das artes, embora o seu talento fosse reconhecido na freguesia de São Roque e arredores, mas da construção civil. Pedro Miguel, o mais velho de três irmãos, ajudava o pai por via de ter saltado da escola – não gostava de estudar. Mal podia seu pai imaginar que a única tentação do pirralho, a bola, haveria de fazer dele o ‘ai Jesus’ dos Açores e orgulho da Nação. E ver a alcunha de Pauleta, pela qual Manuel foi também conhecido quando jogava futebol, ser impressa em letra gorda nos jornais.

Embora o esforço fosse genuíno, Pedro Miguel dava mais para correr e rematar a bola do que para cobrir paredes com tinta. “Ele tinha de trabalhar, embora sem muito jeito”. E, lado a lado com Manuel Resendes, lá pinchava aquilo que o pai lhe pedia, embora a cabeça estivesse longe, num lance complicado, na vontade de rematar à baliza. “Uma vez ele estava comigo a trabalhar e pediu: ‘Oh, pai, quero ir treinar’. Eu disse-lhe: ‘Tens de trabalhar, porque o patrão está a pagar’. Mas ele não desistia e implorava: ‘Eh, meu pai, pela sua saúde, deixe-me ir!’”

Manuel cedeu ao pirralho, que implorava por alforria e prometeu-lhe que às 16h00 o soltaria das suas obrigações para ir à bola. “Dei-lhe as costas e quando voltei, já tinha ido embora, ‘não fosse o pai arrepender-se’, como me disse depois.”

Manuel Resendes só consegue recordar este percalço na vida do rapazinho, talvez porque a adoração que hoje lhe tem tolde a memória. O seu Pedro Miguel fez tudo como manda os preceitos da família e da Igreja, “do baptismo ao casamento”. Foi criado com filosofia eficaz: “A educação dos meus filhos foi simples. Perguntava-lhes: Quem manda da porta para dentro? Papá. Quando eu não estiver em casa? Mamã. Quando não estiver nem um, nem outro? O mais velho é que manda.” Ou seja, Pauleta, que na ausência dos pais olhava pelas irmãs, a Dina, que hoje tem 29 anos e é comerciante, e a Susana, de 21, que “estuda computadores”.

MAU PARA DORMIR, CALINAS NA ESCOLA

Nasceu num sábado de Abril, em casa na Canada do João Leitor, em São Roque, com 4.600 gramas, e a ajuda de uma parteira. Magda do Rosário lembra a felicidade de parir tranquilamente o primogénito da família, e com um sorriso os meses conturbados que se seguiram. “Era mauzinho para dormir. Estava sempre a chorar, até pensavam que era com dores mas não, era mesmo feitio. Um problema! Só dormia ao colo, comigo na cama.”

O bebé difícil começou a andar aos nove meses e nunca precisou de roquinha, carrinho ou 'peluche' para se entreter. Uma bola era o suficiente.

O casal Resende, que se casou em 1972, morava junto a uma escola primária e o miúdo, aos três anos, punha uma atenção nas aulas que nunca mais iria ter. “Estava sempre com o sentido na escola e quando ouvia o toque do recreio, pedia-me para ir jogar à bola com o Josezinho e o Paulinho que eram os primos.”

Quando a família se mudou para a Segunda Rua do Terreiro, o caso mudou de figura. A mãe não o deixava ir para a rua, por esta ser serventia de muitos carros. Pedro Miguel tinha de se contentar a dar uns toques no quintal das traseiras.

“Nunca achava graça a mais nada. Só à bola. Na primária, o que ele mais queria era que chegasse o recreio, para ir jogar. Era um aluno muito fraquinho, foi sempre.” Magda do Rosário lembra certa professora de Educação Física do ciclo, Ana Carvalho, que puxava pelo pequeno jogador e adorava quando ele marcava golos. O que não era raro.

Com tal predisposição para os livros, Pauleta deixou o 7º ano de escolaridade incompleto; já desde os nove anos jogava na Comunidade de São Pedro, e nada o fazia mais feliz. Quando abandona os estudos, entra a educação paterna em acção. “O pai disse-lhe: não queres estudar, vais trabalhar comigo.” E o rapazola lá ia para as pinturas, a sonhar com a bola. A primeira incursão no continente, no Benfica, aos 14 anos, correu-lhe mal. O cheiro da liberdade não era coisa que desejasse – preferia estar perto de casa. “Ele é certinho até demais. Certinho nas contas, nas horas e muito obediente. Quando ele sabia que ia chegar tarde de um treino, tinha de avisar se não ficava ainda mais preocupado do que nós.”

O Pedro Miguel, rapaz certinho, que sonhava com a bola e não tinha talento para os livros, transformou-se no Pauleta, o orgulho dos Resendes, de São Roque e dos Açores. “Aqui, todos falam bem dele. Quem não gosta de ouvir da boca dos outros dizer bem de um filho nosso?”, diz Magda que esteve na final da Taça de França, a ver o seu bebé no ParisSG.

Nome: Pedro Miguel Carreiro Resendes

Data de nascimento: 28/4/1973

Local de nascimento: Ponta Delgada

Posição: atacante

Clube actual: Paris-SG

Altura: 1,80 m

Peso: 78 quilos

Ídolo no futebol: Eusébio

Outras profissões: Ajudante do pai, que era pintor, e distribuidor de mercadorias.

Filhos: André, 7 anos, e Daniela, 3 anos.

“Era mauzinho para dormir. Estava sempre a chorar, até pensavam que era com dores, mas não, era mesmo feitio. Um problema! Só dormia ao colo, comigo na cama.”

DIÁLOGOS ENTRE PAI E FILHO

“Uma vez ele estava comigo a trabalhar e pediu: ‘Oh, pai, quero ir treinar’. Eu disse-lhe: ‘Tens de trabalhar, porque o patrão está a pagar’. Mas ele não desistia e implorava: ‘Eh, meu pai, pela sua saúde, deixe-me ir!’”

“A educação dos meus filhos foi simples. Perguntava-lhes: Quem manda da porta para dentro? Papá. Quando eu não estiver em casa? Mamã. Quando não estiver nem um, nem outro? O mais velho é que manda.” Ou seja, Pauleta.

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