A autora do clássico do erotismo foi um mistério durante 40 anos.
Em 1954, um escândalo abalou a França, já desmoralizada nesse ‘annus horribilis’ pela derrota de Dien Bien Phu no Vietname e pelo início da guerra da Argélia. Mas o escândalo de que aqui se trata foi a publicação do livro ‘História d’O’, uma narrativa das aventuras eróticas de um grupo de libertinos e das suas escravas sexuais num castelo dos arredores de Paris.
A ousadia do tema, inspirado no Marquês de Sade, e a libertinagem do estilo transformaram o livro num êxito de vendas, além de sentarem o editor Jean-Jacques Pauvert, mais uma vez, no banco dos réus. Quanto à autoria, faziam-se apostas para saber quem seria o verdadeiro rosto de Pauline Réage. Muitos especialistas diziam que para escrever com tanto atrevimento só podia ser um homem...
O mistério durou até 1994, quando uma velha senhora de 86 anos confessou à revista americana ‘The N ew Yorker’: "Eu sou Pauline Réage!" Tratava-se de Dominique Aury, pseudónimo (também) por que era a conhecida Anne Desclos (1907-1998), uma respeitadíssima mulher de letras francesa.
Jornalista, tradutora, poetisa, crítica literária, foi diretora de coleções numa das mais importantes editoras do Mundo, a Gallimard, e chefiou a redação da revista literária ‘Nouvelle Revue Française’, conhecida pelas iniciais ‘NRF’. Ironia da história: quando, na sequência do lançamento do filme, em 1975, uma onda moralista pediu o regresso à censura, a autora do livro-escândalo era conselheira do Ministério da Educação...
Do livro ‘História d’O’, tradução de Luísa Saraiva, Edições Asa
"Eis o discurso que pronunciaram em seguida a O:
‘Você está aqui ao serviço dos seus senhores. Durante o dia desempenhará a tarefa que lhe for designada, referente à arrumação da casa (...). Mas abandonará tudo o que estiver a fazer à primeira palavra de quem lho ordenar, porque o seu único e verdadeiro serviço é o de se entregar. As suas mãos não lhe pertencem, nem os seios, nem qualquer dos orifícios do seu corpo, que podemos apalpar e nos quais podemos penetrar à vontade.
Como um sinal, para que lhe esteja constantemente presente no espírito, ou tão presente quanto possível, que perdeu o direito de se esquivar, diante de nós nunca fechará completamente os lábios, nem cruzará as pernas, nem juntará os joelhos (como já viu que foi proibida de fazer desde a sua chegada), o que significará aos seus e aos nossos olhos que a sua boca, a sua vagina e o seu traseiro estão abertos para nós.
Na nossa frente jamais tocará nos seios: eles estão erguidos pelo espartilho para nos pertencerem. Durante o dia, ficará assim vestida, levantará a saia se receber ordem para isso, e será usada por quem quiser, de rosto descoberto – e como quiser – com exceção todavia do chicote.
Este só lhe será aplicado entre o pôr e o nascer do sol. Mas além da aplicação que será dada por quem o desejar, será punida à noite por quebrar as regras durante o dia: isto é, por não ter sido complacente, ou por erguer os olhos para aquele que lhe fala ou a possui. Você nunca deve olhar para qualquer de nós de frente.
No traje que usamos à noite, e que é este, se o nosso sexo está descoberto não é por comodidade, o que poderia ser de outra maneira, é por insolência, para que os seus olhos se fixem nele e não em outro lugar, para que você saiba que é ele o seu senhor, a quem os seus lábios são destinados, antes de mais nada.
Durante o dia, quando estivermos vestidos de maneira vulgar, e você como está, observará a mesma regra, só se incomodando, se for exigido, abrir a sua roupa, que você mesma fechará quando tivermos acabado de a possuir. Por outro lado, à noite só terá os lábios para nos homenagear, e as coxas abertas, porque terá as mãos amarradas atrás das costas, e estará nua como há pouco; os seus olhos só serão vendados para a maltratar, e (...) para a chicotear.
(...) Nas noites em que ninguém precisar de si, deve esperar que o criado encarregado dessa tarefa vá à solidão da sua cela aplicar-lhe o que deve receber e nós não temos vontade de lhe dar.
Por este meio, como pela corrente fixada ao anel do seu colar, que a manterá mais ou menos presa à cama diversas horas por dia, não se trata de a fazer sentir uma dor, gritar ou derramar lágrimas, mas sim fazê-la sentir, por esta dor, que está a ser constrangida, e ensinar-lhe que está inteiramente votada a alguma coisa que está fora da sua vontade.
Quando sair daqui usará um anel de ferro no anular, pelo qual será reconhecida: então já deverá saber que tem de obedecer àqueles que tiverem o mesmo sinal. Eles saberão ao vê-la que está constantemente nua por baixo da sua saia, por muito correto e banal que seja o seu traje, e que é para eles. Aqueles que a acharem indócil, trá-la-ão aqui. Agora vai ser conduzida à sua cela.’"
Crítica e editoraDominique Aury foi uma personalidade influente nas letras francesas: secretária-geral da prestigiada revista literária ‘NRF’ e diretora das edições Gallimard.
Legião de Honra
Escândalo na 1ª página
Banda desenhada
‘História d’O’: o filme
Série de televisão
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