Há 80 anos, a ciência abriu a caixa de Pandora em Hiroshima. Hoje, a IA coloca-nos perante a mesma encruzilhada.
O sol iluminava o céu com um brilho digno de um dia limpo no Pacífico. O ponteiro do relógio acabava de marcar exatamente as 8 horas e 15 minutos da manhã de dia 6 de agosto de 1945, quando um Boeing B-29, apelidado de 'Enola Gay', abria a escotilha para alterar para sempre a história da humanidade. A uma altitude que se esperava ser suficiente para escapar à radiação, o bombardeiro larga uma sentença de morte que iria dizimar um povo. A bomba atómica, equivalente a 15 mil toneladas de TNT, que ficaria conhecida como 'Little Boy', explode a cerca de 500 metros de altitude, 45 segundos após ser lançada. Num instante, a paisagem tranquila de Hiroshima é abraçada por um clarão que estoura a uma temperatura que se estima ter excedido os 7000ºC no solo. Aquela que era uma cidade com 300 mil habitantes transforma-se num vazio raso, rendido aos escombros. Cerca de 70 mil pessoas morreram imediatamente e 100 mil nos meses que se seguiram, vítimas da radiação. À medida que o avião americano se afasta, crescia uma nuvem em forma de cogumelo, que é descrita como um “vislumbre do inferno”.
A cerca de 10 mil quilómetros deste portal, em Washington D.C., o Presidente Truman comunicava o que sucedia à nação, que apreendia a notícia em choque. A grande esperança era que o Japão se rendesse, de forma a pôr fim à guerra já perdida pela Alemanha Nazi. Em Tóquio, a informação chegava à medida que os nipónicos percebiam que estavam num beco, cuja única saída era a rendição. Porém, num frenesim de orgulho nacionalista, aumentava a especulação de que aquela era a única ogiva no arsenal americano, o que levou o conflito para o prolongamento. O que os generais japoneses não sabiam é que, durante o desenrolar do Projeto Manhattan, que cuidou de desenvolver o armamento atómico no estado americano do Novo México, abriram-se as portas para o fabrico de mais do que uma bomba.
Consequentemente, 3 dias depois, às 3:47 da manhã, levanta da base de Tinian, nas Ilhas Marianas do Norte, um segundo B-29 com a alcunha 'Bockscar'. Desta vez, ao chegar à cidade-alvo, Kokura, os pilotos americanos deparam-se com um nevoeiro espesso que não lhes permite ter visibilidade sobre o alvo. Rapidamente tomam a decisão de avançar para a segunda opção e atacar a cidade de Nagasaki, que, embora desconhecessem, estava com condições atmosféricas semelhantes.
Ao fazer a aproximação, já por volta das 11 da manhã, o avião larga a 'Fat Man', que explode a cerca de 500 metros de altitude com a força de 21 mil toneladas de TNT. O choque foi tão grande que até o 'Bockscar' sentiu a trepidação à medida que se afastava, enquanto as ondas arrasavam a cidade. Cerca de 40 mil pessoas morreram instantaneamente e 30 mil nos meses que se seguiram. Desta vez, a resposta não tardou e, nos dias que se seguiram, o governo nipónico, com o apoio do imperador, aceita oficialmente a Declaração de Potsdam com os termos de rendição impostos pelos Estados Unidos, Reino Unido e China.
Nos anos que se seguiram, o Japão esteve essencialmente sob controlo americano, através de Douglas MacArthur, Comandante Supremo das Forças Aliadas. Deu-se um processo de desmilitarização e reconstrução, num pós-Segunda Guerra Mundial completamente devastador. O exército passou a cingir-se muito ao poder defensivo, de forma a não existir hipótese de repetirem um ataque semelhante ao de Pearl Harbor.
Hoje, passados 80 anos, apesar dos japoneses e americanos serem aliados convictos, ainda se sentem as cicatrizes dos dois lados, daquela que foi uma das piores guerras do século XX. Os estadunidenses ainda recordam o ataque de que foram alvo, que foi a grande razão pela qual entraram na guerra. Os nipónicos, apesar de já não sentirem a radioatividade das bombas, ainda ressentem o elevado número de vítimas mortais. Não só em Hiroshima e Nagasaki, mas também em batalhas sangrentas como a de Okinawa, onde morreram cerca de 110 mil japoneses.
À semelhança do Japão, o mundo também mudou para sempre. O receio da utilização de armas nucleares e dos seus efeitos passou a servir como “ás de trunfo” nas negociações das superpotências. Porém, como bem afirmou o Presidente Obama, no seu discurso no Memorial da Paz em Hiroshima, “o progresso tecnológico sem um progresso equivalente nas instituições humanas pode condenar-nos. A revolução científica que levou à divisão do átomo exige, também ela, uma revolução moral.” Há 80 anos, a ciência abriu a caixa de Pandora em Hiroshima. Hoje, é com a revolução da inteligência artificial que nos colocamos perante a mesma encruzilhada, se a diplomacia não conseguir acompanhar.
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