175 anos depois, ‘A Ilha do Tesouro’ ou ‘Flecha Negra’ mostram o talento de Robert Louis Stevenson.
Para aquelas boas almas que têm filhos adolescentes e procuram livros para “jovens adultos” (‘young adults’, para quem prefere o português de hoje…), lembro-lhes que ‘A Ilha do Tesouro’ foi escrito por Robert Louis Stevenson (1850-1894) e levava como subtítulo “Uma história para meninos”. Hoje, o livro é leitura para adultos, e tenho dúvidas – porque os adolescentes andam ocupados a soletrar nos ecrãs. História de piratas e de sublevações, de assassínios e vinganças, reconstituição de episódios históricos, atmosferas e cenários exóticos, ‘A Ilha do Tesouro’ tomou vários anos a Stevenson (que tinha então 33 anos) e foi publicado em folhetins numa revista infantil, a ‘Young Folks’. E não, não era sobre “assuntos contemporâneos”, como acontece hoje com a “literatura de jovens adultos” – decorria mais de um século antes. Talvez seja o livro mais marcante na “literatura de aventuras” até hoje, juntamente com ‘Robinson Crusoe’, de Daniel Defoe, ‘Peter Pan’, de J.M. Barrie (de quem foi amigo), ou os livros de Júlio Verne, e instituiu um modelo: os piratas de perna de pau, os mapas de tesouros escondidos, a romantização de bandidos e foragidos que atravessam os mares e rumam às Caraíbas, às ilhas desertas ou a cidades entretanto desaparecidas.
Casado com uma mulher 11 anos mais velha, Fanny Osborne, Stevenson escreveu ‘A Ilha do Tesouro’ a pensar no seu enteado (então com 12 anos). Hoje, seria impossível – o livro seria considerado “muito complicado”, cheio de referências culturais e técnicas (à navegação, à geografia ou à arte de viver, demasiado escandalosa). Seja como for, no mesmo ano, 1883, Stevenson começou a publicar ‘Flecha Negra’ em folhetins (só saiu em livro em 1888) – era um típico romance de ladrões e foragidos que decorria três séculos antes, e que teve ainda mais sucesso na altura. O sucesso como grande escritor veio com ‘O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde’, de 1886, sobre o bem e mal, a humanidade de cada um – e o seu reverso.
É provável que o gosto pelas histórias de aventura e mistério, pelas paragens marítimas distantes e pelos lugares sombrios e personagens singulares tenha a ver com a educação do Stevenson, religiosa e conservadora – e com a profissão do pai, um, engenheiro civil que se especializou na construção de faróis. A mãe levava o apelido Balfour, e o avô materno era uma figura da igreja escocesa, mas ambos sofriam de problemas respiratórios, que Robert herdou e de que sofreu pela vida fora, até ao fim. Mas, antes disso, afastou-se da religião e do curso de engenharia – a que preferiu a literatura e certa vagabundagem que o levaria a França, onde acabou por conhecer a americana Fanny Osborne, com quem se casaria depois de uma viagem tormentosa até à Califórnia. Viajou por todo o lado, em toda a América e no Pacífico, atravessou várias vezes o Atlântico, entre a Escócia, as praias de Bournemouth (onde viveriam por algum tempo ) e Nova Iorque. Mas quem leu ‘Nos Mares do Sul’, sabe que isso não bastaria: partiu com a família para todas as paragens impossíveis, da Nova Zelândia às suas amadas ilhas Samoa, na Polinésia (onde se envolveu em questões políticas e onde se sentiu realmente em casa), da Austrália ao Tahiti. Já não era apenas o “escritor de romances de aventuras” – era um nome gravado para a eternidade, pelo menos depois da sua morte em 1894, em, Vailima, na Samoa, aos 44 anos.
Talvez o timbre da sua voz seja o que mais recorde de Richard Burton (1925-1984), cujo centenário se assinala amanhã, dia 10 de novembro – é uma das grandes vozes do cinema e do teatro, temperada por muito ‘whiskey’. Pena que não consigamos, hoje, ver o seu trabalho no palco, representando Shakespeare (deve ter sido um Hamlet de primeira) – a não ser em ‘A Fera Amansada’, uma versão frívola de Shakespeare, ao lado de Elizabeth Taylor, que rouba as atenções, como acontece em ‘Cleópatra’, no fatal ‘Quem Tem Medo de Virginia Woolf’ e mesmo no ‘duro’ que adapta Graham Greene, ‘Os Comediantes’. Nesses, Taylor rouba-lhe parte do brilho, que aparece mais intenso no clássico ‘A Túnica’, em ‘O Espião Que Veio do Frio’, a adaptação do livro de John Le Carré, ou ‘A Noite da Iguana’, de John Huston, onde tem a companhia de Deborah Kerr e Ava Gardner, e é o grande protagonista (basta ver a primeira grande sequência do filme) desta adaptação de um conto de Tennessee Williams. Galês, britânico, formado em Oxford, da ala esquerdista (fez o papel de Trotsky), bebedor, casado duas vezes com Elizabeth Taylor, fumava 100 cigarros por dia. A voz e o tom de ‘homem perdido’ são para sempre.
Robert Louis Stevenson
Bibi Andersson (1935-2019) é um dos modelos da beleza nórdica; sem ela não teríamos essa aura em filmes como ‘O Sétimo Selo’, ‘Morangos Silvestres’, ‘Paixão’ ou ‘A Máscara’, de Ingmar Bergman, o mestre sueco. Completaria 90 anos.
A França do século XX tem de mencionar Charles De Gaulle; passam hoje 55 anos sobre a sua morte; no próximo dia 22 serão os 135 anos do seu nascimento – a nostalgia do general reaparece periodicamente numa França em chamas.
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