Os desportos de combate chamam a atenção de uns pela violência, mas têm cada vez mais praticantes em Portugal
Não tenho medo" diz, de forma clara, Inês Carvalho, que se iniciou no boxe. Com 12 anos, acompanhou as notícias sobre a morte de João ‘Rafeiro’ Carvalho, em Dublin, há três meses, mas assume que isso não a assustou. "Eu gosto e não tenho medo", afirma, determinada, enquanto olha para a mãe, Irene Valente. "Ela andou quatro anos no judo antes de vir experimentar o boxe e, mais do que o aspeto físico, isto dá-lhe disciplina", conta a empregada de balcão que acompanhou a filha a mais uma aula na Rounds Academy, na zona de Campo de Ourique, em Lisboa.
O boxe, o kickboxing, o jiu--jitsu e o muay thai são os quatro desportos de combate que estão na base das Artes Marciais Mistas (MMA, na sigla inglesa) que levaram o lutador português de 28 anos até à Irlanda para aquele que se revelou o seu último combate. Em Portugal, em espaços especializados, existem estas e muitas outras modalidades de desportos de luta ou artes marciais.
"Nós somos ensinados com regras, se não era uma rixa, uma luta de rua", esclarece o professor de boxe João Silva. "Aqui há regras e regulamentos que fazem com que eu tenha pontos ou penalizações, consoante faça bem ou mal", explica o também lutador profissional que no dia da entrevista se preparava para a primeira internacionalização da carreira em Eindhoven, na Holanda.
Também com experiência em combates fora de Portugal, Frederico Cordeiro, de 20 anos, conta que treina kickboxing desde os 14 anos. "Aos 4 anos fui para o karaté e fiquei lá até aos 14, mas faltava-me a vertente da competição" e por isso inscreveu- -se no ginásio Mr Big, em Carcavelos (Cascais). "Aos 16 ou aos 17 tive o meu primeiro combate profissional" e, desde então, não mais parou. Em abril sagrou-se campeão da Europa em profissionais de kickboxing.
Para todos
Fora das lides da competição está Filipa Poppe que, desde dezembro, treina boxe. A argumentista de 39 anos assume que "se tivesse começado mais nova, talvez enveredasse por esse caminho". Desengane-se quem pensa que Filipa é caso único no que se refere a mulheres nos desportos de luta. "Aqui trinta por cento são mulheres e dez por cento crianças", revela João Basto, fundador da Rounds Academy. "A mais nova tem cinco anos e a mais velha 55", acrescenta. Realidade semelhante é a da KO Team, que conta com 12 treinadores no ginásio Mr Big, em Carcavelos. "Temos meninos e meninas dos 5 aos 40 e tal anos", diz o treinador de kickboxing e muay thai João Diogo.
"Ajuda-me a dormir", explica, por sua vez, Rita Jordão, enquanto coloca as ligaduras (e não ligas) nas mãos e se prepara para um treino. Vai fazer uma aula de alta intensidade - "ótima para a forma física", mas, também, "para desligar" do trabalho que tem como gestora hospitalar.
Na Rounds Academy, os pais de crianças que frequentam as aulas de lutas salientam o "lado social" do desporto. André Gomes tem 11 anos e é um desses meninos. Começou a interessar-se pelos desportos de combate por vê-los na televisão. "Aqui têm regras, acabam por educar as crianças", diz Paulo Gomes enquanto olha para o filho ainda a recuperar do esforço de mais um treino.
Pedro Campos, com sete anos, ainda só fez duas aulas, mas já sabe que o que mais gosta é de "treinar os golpes". Já com perto de um ano de treino, Joaquim Maia, de 11 anos, prefere "bater no saco". Mais experiência tem Manuel Verdelho, de 16 anos, que já compete na modalidade de jiu-jitsu. "A ideia de que quem pratica estes desportos são pessoas de classe baixa é errada", esclarece. "Muitas pessoas chegam ao treino de fato e gravata", afirma o jovem antes de vestir o quimono. "Os desportos de combate estão associados a pobreza, violência gratuita, arruaceiros, enfim, tudo o que é menos positivo aos olhos da sociedade", corrobora o treinador João Basto. "Eu já conheci malandros e excelentes pessoas nas lutas", conclui.
Frederico Cordeiro encontrou no ginásio de Carcavelos a sua segunda casa: "Toda a família do meu pai praticava ténis, mas eu não gostava. Sempre disse ao meu pai que queria ser lutador." Quer ganhar títulos, fazer combates e revela: "Sonho dar aulas."
Já Ricardo Toscano, que tem 22 anos, é músico profissional e há dois anos e meio descobriu o boxe. Sempre achou "piada" e, a conselho de um amigo que também é músico e mestre de taekwondo, decidiu experimentar. "Eu não penso em competir, mas gosto de pensar que treino quase como se pudesse fazê-lo", confidencia aquele que na academia de Lisboa é conhecido por ‘o músico’.
"O jazz está relacionado com o boxe desde sempre. Há umas fotografias do Miles Davis a praticar boxe", explica, entusiasmado, o saxofonista. "Quando estou a treinar penso em ritmo, combinações e timings, tal como na música."
Os profissionais
Três anos depois do primeiro combate e a preparar a estreia fora de portas, João Silva destaca o seu começo de carreira de lutador profissional: "Comecei no jiu-jitsu e, numa altura em que me estava a preparar para um combate de MMA, fui fazer um treino de boxe e gostei muito." Acabou por se dedicar mais a essa modalidade e, hoje, além de competir (este ano já conta com duas vitórias e uma derrota), também dá aulas às camadas mais jovens.
A estudante de direito penal Nádia Barrelas, de 25 anos, compete na modalidade de kickboxing pela KO Team e em dezembro alcançou a medalha de bronze no Open Mundial de K1 Iska. "Identifiquei-me com os valores e a filosofia da modalidade", diz quem pratica kickboxing há apenas dois anos e meio e já se sagrou campeã nacional.
João Menezes, 24 anos, treina kickboxing há um ano e meio, cinco dias por semana. Já competiu em vários combates, um dos quais na Holanda, onde "o meu treinador teve de atirar a toalha ao ringue" em sinal de que o combate tinha de ficar por ali. "Depois de uma joelhada no fígado, eu e o treinador percebemos que não podia continuar", conta.
"Hoje em dia quase todos os que procuram estas modalidades estão preocupados com a atividade física, autoestima e o conhecimento pessoal", explica o treinador João Diogo, que já tem os dois filhos de cinco anos na equipa do ginásio de Carcavelos. "Os desportos de luta exigem respeito mútuo, disciplina, humildade e autocontrolo", prossegue o treinador de 36 anos que competiu dos 13 aos 30 anos. "As pessoas são ignorantes", atira João Diogo com medo de chocar, mas consciente do que diz: "Na altura em que aquele lutador português morreu em Dublin, as pessoas julgaram sem pensar. Tive alunos que desistiram."
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