Nuno da Câmara Pereira está de regresso aos palco e aos discos. E isso, imagine-se, ainda o deixa nervoso...
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Nuno da Câmara Pereira é o verdadeiro homem dos sete ofícios. Ultimamente até andava quieto, mas o público veio desassossegá-lo e exigir o seu regresso aos palco e aos discos.
E isso, imagine-se, ainda o deixa nervoso...
O público pediu e ele cumpriu. Depois de sete anos de silêncio, Nuno da Câmara Pereira gravou ‘Belmonte - Encantos Mil’, um disco com cheirinho a Brasil porque, apesar de tradicional, é um homem permanentemente "desassossegado".
Sentiu que o público exigia o seu regresso?
Consecutivamente. Só porque o público me pede, reclama, exige e acarinha sempre que regresso é que faz sentido. Só por isso é que me dou a esta aventura. E também porque ainda tenho a voz intacta. Está mais aveludada, graças a Deus, mas continua com os mesmos tons e a mesma capacidade e, por isso, achei que não tinha o direito de me perder no tempo. Mas gravar só por gravar não chega. Hoje em dia é muito fácil gravar um disco. E era essa pergunta que eu próprio me colocava de tempos a tempos. Gravar para quê? Gravei quando senti da parte do público essa necessidade. Senti que tinha essa obrigação. Ou melhor, não foi uma obrigação: fi-lo com muito prazer.
Foi muito saboreado. Demorou três anos a fazer este disco…
Não queria que fosse só mais um. É o meu 17º disco e, entretanto, o fado evoluiu, a música evoluiu. Os jovens já reclamam outra coisa. Mas eu represento o passado. Só que o artista está sempre em desassossego e gosta de se reinventar. Pensei muito bem em todas estas questões e, por isso, o disco andou para trás, para a frente, cortei aqui, pus ali, para soar àquilo que eu achava que devia. Foi todo gravado com o Luís Caldas, pai do axé brasileiro, durante um ano no Brasil, na casa dele. Eu fiz as letras, ele fez as músicas, exceto a música ‘Belmonte Encantos Mil’, que é letra e música minhas, partilhadas com o Fernando Silva. O que eu pretendia era precisamente juntar a música portuguesa com a brasileira, sem que fosse uma fusão. Que mantivesse a matriz própria e genuína de cada um. Não é um fado abrasileirado, nem um brasileiro afadistado. E acho que consegui.
São 40 anos de palco. Ainda fica nervoso?
Bastante. Sempre. O meu percurso não passou muito por casas de fado, mas ainda há pouco tempo passei pela casa de fados de um amigo meu e, quando fui cantar, ia tão nervoso que até me esqueci de um bocadinho da letra. É sempre uma enorme tensão, seja num sítio pequenino ou grande. Até sinto vontade de fugir do palco!
Porque é que canta tão pouco em casas de fados?
Devo ser o único fadista até hoje que conseguiu fazer uma carreira sem estar adstrito a uma casa de fados por uma razão muito simples: não gosto de cantar por obrigação. Ter de cantar todas as noites às 21h00, depois às 23h00… não, obrigado! Eu amo a música pela sua essência e, por isso, nunca quis estar preso. Noventa por cento das vezes que vou cantar a uma casa de fados é puxado pelos cabelos por amigos e conhecidos. Não vou voluntário.
Como começou a cantar então?
Vivi numa família de oito irmãos na qual se cantava o fado e se dançava o folclore. Eu, curiosamente, só cantava na casa de banho, no duche, que é o sítio onde se canta melhor. Mas a minha mãe costumava ouvir-me e um dia quis obrigar-me a cantar numa festa, mas não conseguiu. Só comecei realmente a cantar na guerra de África, em Angola. Na guerra, entre um copo de vinho e outro, no meio de malta nova, onde se brincava, cantava e jogava às cartas, lá fui na onda. Naturalmente a coisa já se dava e comecei a sobressair um pouco dos meus camaradas. Foi a saudade que me pôs a cantar.
Como é crescer numa casa com oito filhos?
Está sempre qualquer coisa a acontecer. Alguém a entrar, alguém a sair, a rir ou a chorar.
Isso faz falta aos miúdos de hoje?
Sem dúvida. O problema é que hoje em dia ambos os elementos do casal trabalham. As crianças têm falta de conviver umas com as outras na idade em que se dá a formação da personalidade. É uma das coisas que me leva a presidir a uma IPSS (Associação Socorro e Amparo de Carnide) para a proteção da infância e da família. Muitas vezes é ali que se dá pela primeira vez o encontro da criança com o Mundo fora do seio da família.
O que o levou a envolver-se nesse projeto?
Era uma coisa da família. A instituição foi fundada pela minha avó para proteger raparigas desvalidas que chegavam a Lisboa vindas da província. Ali ensinavam-lhes um ofício.
Cresceu no Alentejo, foi isso que o fez tirar Engenharia Agrícola?
Sim. Exerci no Ministério da Agricultura, mas também fiz atividade privada: fundei a primeira empresa aos 28 anos. Fiz a reforma agrária, conheci a LUAR, vivi as ocupações e desocupações. Já fiz muita coisa na vida. Fui político [líder do Partido Monárquico], empresário, deputado, etc.
Foram períodos complicados os do pós-revolução?
Foi horrível, porque eu pertencia a outra forma de estar e de ver a vida e vi aquilo tudo a acontecer. Eu estive no primeiro centro de reforma agrária do País, em Lisboa, quando as ocupações começaram na Torre Bela, na Azambuja. Tinha 23 anos e era eu quem subentendia as ocupações e as desocupações na zona de Lisboa. Cheguei a ser preso, uma vez, por causa de um conflito que deflagrou numa ocupação. Não era fácil, mas consegui gerir tudo muito bem, ajudei amigos, protegi pessoas e cumpri sempre a lei. Era conciliador. Depois, mais tarde, vim a ser o que sou.
Monárquico e político. Porquê?
Monárquico porque é de família e a minha família é descendente de Dom João VI. A política pelo meu permanente desassossego e por ter sido criado e habituado a dedicar-me à sociedade e a olhar para o outro.
Nunca prejudicou umas coisas por causa das outras?
É uma das coisas em que às vezes sinto que falhei. Nem sempre consegui esse equilíbrio. Prejudiquei a Engenharia por causa das canções e prejudiquei o fado por causa da Engenharia e depois prejudiquei isso tudo por causa da política.
BI
Nuno Maria de Figueiredo Cabral da Câmara Pereira nasceu em Lisboa a 19 de junho de 1951, vive em Sintra. Engenheiro-técnico agrário pela Escola de Regentes Agrícolas de Évora, em Pós- -Graduação, licenciou-se em Ciências do Ambiente e exerceu a atividade durante décadas. Em paralelo, foi fadista e político. Nascido de uma família ligada ao fado tradicional - é sobrinho de Maria Teresa de Noronha e primo de Vicente da Câmara, Frei Hermano da Câmara e Teresa Tarouca -, veio a popularizar-se como cantor, tendo realizado a primeira atuação pública em 1977, no Coliseu dos Recreios, durante um espetáculo de variedades. Cantou ‘Cavalo Russo’ e a plateia pôs-se de pé. Ainda hoje, mais de 40 anos e 17 álbuns depois, é um dos seus temas mais conhecidos.
Os indispensáveis de um fadista
Emblema da família Cabral – O brasão da família Cabral, esse, anda sempre comigo, no casaco, porque representa as minhas origens e aquilo que para mim é fundamental e está acima de tudo: a família.
Relógio. É um objeto útil e que fica sempre bem para rematar o pulso de qualquer pessoa. Se há realmente objeto que anda sempre comigo para todo o lado é o relógio. Faço sempre questão de ter um que seja bonito, mas que não seja caro. Tenho vários.
Carteira. Isso também é fundamental, pois tenho lá os documentos, tenho tudo o que preciso para andar de um lado para o outro.
Telemóvel. Tenho uma vida ativíssima e diversa e, por isso mesmo, o telemóvel é fundamental. Mas não anda sempre comigo para todo o lado. Ainda agora me esqueci dele no carro! Mas tem de ser um telemóvel bonito, porque apesar de tudo usamo- -lo no dia a dia, pomo-lo em cima da mesa, mas simples e funcional. Hoje em dia, para as figuras públicas é também uma ferramenta de trabalho, pois permite-nos comunicar com o público e alimentar a proximidade.
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