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Um resmungão feliz (para a Maria Luísa)

“A verdade é que sou como uma panela de pressão: preciso de uma válvula para ir soltando o vapor”

06 de maio de 2012 às 15:00

No último Dia do Pai fui convidado para ir à televisão. Há quem diga que quando me colocam um microfone à frente para falar de paternidade eu sou quase tão eficaz como a pílula no combate à procriação. Mas ainda assim, poucos dias depois recebi um mail de uma leitora com quem troco correspondência regular (olá, Maria Luísa), que dizia aquilo que de seguida passo a citar, sem a devida autorização (quis fazer surpresa): "Você [ou seja, eu], apesar das suas muitas resmunguices, tinha estampada na cara a alegria de ir ser pai da Ritinha. E eu fico contente por ter podido confirmar o que, afinal, já sabia de antemão: o João Miguel, a Teresa e as crianças são uma família feliz."

Ora toma. Apesar de eu vir para aqui todas as semanas com uma pilha de queixumes, apesar de não me cansar de implorar por mimo e coisa e tal, a verdade é que sou como uma panela de pressão: preciso de uma válvula para ir soltando o vapor, mas bem cá por dentro sou só calor (isto, sim, é poesia). Ao ler-me e ao ouvir-me, a Maria Luísa concluiu que a minha família, apesar de co-pilotada por um tipo disfuncional e meio chanfrado, não se safa mal nos índices de felicidade. E de caminho deixou uma descrição muito lisonjeira da minha pessoa: sou um resmungão feliz. É um privilégio ter leitores tão generosos.

O que mais gostei no mail da Maria Luísa - e por isso resolvi trazê-lo para aqui hoje - foi aquela espécie de ‘back to basics' sentimental, um retorno à pergunta mais básica de todas: és feliz ou não? Eu diria que não há questão mais importante, mas nas últimas décadas essa foi uma pergunta que foi ficando fora de moda, sobretudo entre um certo círculo de pessoas sofisticadas que leram os românticos e vivem num mundo pós-cristão, para quem a felicidade é coisa demasiado relativa, cheia de desvãos e degraus traiçoeiros. O que é, afinal, isso de "ser feliz"?

Ei, não contem comigo para responder a essa pergunta. Mas fico muito satisfeito por a Maria Luísa, que me lê há anos, ter detectado seja-lá-o-que-isso-for primeiro nos meus textos e depois na minha cara televisiva. Afinal, o que não falta por esse mundo é gente a resmungar. Mas resmungar com felicidade é toda uma outra arte, que a Maria Luísa, com uma bondade que não mereço, descobriu em mim. Estou-lhe eternamente grato por isso.

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