Nos anos 60, este país deixou de ser procurado pelos portugueses que queriam fugir à guerra. Hoje, é chamariz de empresários nascidos em Portugal. Histórias de uns e outros.
O sol escondeu-se por trás de um céu carregado de cinzento. Foi tão rápido como Mário Pereira, 77 anos, a tirar a sua velha caçadeira Beretta de dentro da caixa, e a carregá-la com três cartuchos. O sol está tímido, o tempo quente e abafado.
Camuflado entre hectares de mato, Mário passa a mão pela testa e suspira. Hoje ainda não disparou. O pensamento escapa ao grito do mochileiro: “Ali vem uma rola.” O senhor Mário faz pontaria e, concentrado, acerta. Esconde o sorriso de vencedor e mantém a postura que o seu cabelo branco exige. O primeiro dia de uma semana de caçadas está a começar.
Este ano, a seca afastou a caça, mas não os caçadores. Vestidos a rigor, de coletes e chapéus camuflados, o grupo de 13 portugueses arrumou os fatos e as gravatas no roupeiro e despiu a pele de advogado, gerente bancário, empresário e até político. Aqui, são apenas caçadores.
Antes os caçadores portugueses escolhiam países africanos, como o Senegal, para caça grossa, ou a Argentina, para a caça à rola, à perdiz e à lebre. Em 2003, a ‘Cazypesca’, na cidade de Trinidad (Departamento de Flores), juntou-se ao roteiro. “Quem vai uma vez, apaixona-se”, diz Mário, ourives em Ourém.
A paixão agarrou Porfírio Santos, reformado, António Gameiro, actualmente deputado do PS, e Mário Silva, empresário, quando, há três anos, aceitaram o convite de um amigo para caçar no Uruguai. De regresso a Portugal, os três amigos não recearam o caos económico em que encontraram o País. Aliaram o prazer ao negócio e decidiram investir numa estância de caça.
“Adquirimos uma empresa unipessoal, já formada – a ‘Cazypesca’. Reconstruímo-la a um quilómetro de Trinidad.” O investimento, de dois milhões de euros, foi divulgado através da internet, em jornais e em feiras de caça.
DAS CONTAS PARA AS ARMAS
Economista e responsável pelo Departamento de Auditoria Interna da Estradas de Portugal, Nuno Moita da Costa, 34 anos, não soube através de nenhum destes meios. Desde que a CazyPesca nasceu, que os amigos o tentavam convencer para uma semana de caçadas no Uruguai. “O meu pai caça, mas eu nunca tive grande paixão pela actividade. Agora estou fascinado.”
As lições de caça são mais fáceis que os números com que lida todos os dias: arma bem encaixada no ombro e a pontaria feita a um pequeno espaço da ave, para descontar o coice que a arma dá ao disparo. Segredo: calma. E não só. No final, feitas as contas, um caçador acrescenta sempre mais umas peças ao número total. “Um bom caçador é aquele que sabe mentir”, ensina Mário Pereira, o mais velho do grupo. É hora de jantar. Hoje, a caçada é oferecida ao Exército.
DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
Na cozinha, Nacho, um jovem de origem argentina que esteve três meses em Portugal a aprender os segredos da nossa gastronomia, prepara uma sopa de legumes. O segundo prato é uma tenra carne de vaca grelhada.
Porfírio Santos, 55 anos, senta-se na cadeira de baloiço e fecha os olhos. De guitarra ao colo, dedilha com sentimento uma música de letra portuguesa. “Quero o teu primeiro beijo...” canta, com saudade de Rui Veloso. A música fá-lo esquecer que deixou o lar para lá do Oceano Atlântico. Reformado de uma seguradora do BCP, Porfírio Santos troca Portugal pelo Uruguai sete meses por ano: de Janeiro a Julho, a época oficial de caça.
Para ele, a jornada de trabalho no Uruguai estende-se a seis meses, apenas. Mas, na História do País, há quem tenha optado por se estabelecer em terras uruguaias uma vida inteira: para fugir de armas e cenários de guerra.
Actualmente os portugueses viajam até ao Uruguai para investir ou usufruir dos investimentos portugueses, tempos houve em que este país era uma das opções para a emigração. De acordo com Luís Panasco, o Conselheiro das Comunidades Portuguesas, a emigração terminou na década de 60. Tinha 12 anos, quando a mãe lhe pegou pela mão rumo ao ‘fim’ do Atlântico. Duas semanas de barco juntaram-nos à família que se estabelecera no Uruguai. Luís Panasco, agora com 63 anos, herdou a empresa de radiadores e condensadores. Exporta para todo o mundo.
Foi esta a ambição de José Rodrigues, 66 anos, natural de Chaves. Aos 19 anos partiu de Lisboa. Década de 60, Guerra no Ultramar e uma mãe preocupada. “Prefiro não te ver, do que saber-te morto. É melhor abandonares o País”, disse.
No barco, conheceu a mulher com quem permanece casado, a portuguesa Maria Alves, 64 anos. Juntos construíram uma das maiores empresas de distribuição do país. E, juntos, viram-na cair, arrastada pela grave crise económica no Uruguai.
A empresa de Anacleto Valente, 79 anos, conseguiu resistir. Actualmente vende três milhões de litros do vinho ‘Valente’. O segredo, aprendeu-o na cidade da Guarda, a sua terra natal.
Terra que Sara Gonçalves, 45 anos, nunca pisou. Vende artesanato pelas ruas de Montevideu e as suas poupanças têm um único objectivo: conhecer a terra natal do pai. Se fosse vivo, Jaime Gonçalves teria 102 anos. Morreu sem ensinar uma palavra de português à família, nem tão-pouco sobre a sua vida em Portugal. Sara sabe que ele nasceu em Melgaço. O resto, prepara-se para descobir numa viagem a Portugal.
INVESTIR NO URUGUAI
O APOIO DO GOVERNO
Até à década de 90, o turismo cinegético era desconhecido no Uruguai. Começaram a surgir grupos de portugueses e espanhóis que se organizavam em grupos para uma semana de caçadas. Posteriormente, as operadoras turísticas começaram a organizar as viagens. Até ao aparecimentos das estâncias foram dois passos.
Segundo Alberto Pradi, subsecretário de estado do turismo, a máxima do país é o meio natural, pelo que todas as actividades relacionadas com a Natureza são um “excelente atractivo.” O governo apoia o investimento estrangeiro, libertando o empresário do pagamento de impostos por dez anos e colocando uma equipa multidisciplinar à disposição. Há mais de 100 estâncias no Uruguai que se dedicam a actividades como a pesca e a caça.
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