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Vamos fazer um 'match'

O Tinder é uma popular aplicação para encontros. Quem usa não nega que quer mais do que um simples café.

03 de abril de 2016 às 15:30

- Olá, tudo bem?

- Tudo bem, e tu, como estás?" Este podia ser o começo de uma conversa entre duas pessoas que já se conhecem ou então o começo de conversa entre dois estranhos. Neste caso, é a segunda opção que importa.

"- Estás muito gira nas fotografias."

"- Tu também não estás nada mal... Que se faz?"

Ele gostou do perfil dela, passou o ecrã do smartphone para a direita e percebeu que ela também já tinha "gostado" do perfil dele. Deu-se o ‘match’ [correspondência] e abriu-se uma janela de conversação. Estão no Tinder, uma aplicação usada em 196 países como forma de promover encontros entre desconhecidos.

O número de matches é, na maior parte das vezes, incalculável, mas no que se refere a primeiros encontros, Carolina (nome fictício), gestora de 36 anos, já teve "seguramente mais de 50". Meta também já ultrapassada por Rodolfo, que nesta reportagem também prefere ser chamado por um nome falso. O personal trainer de 32 anos usa o Tinder há dois anos. "A maioria dos homens usa a aplicação a pensar em relações sexuais, muito poucos pensam em tirar dali a princesa encantada", confessa.

"Há duas ou três pessoas que sinto que ficou uma amizade verdadeira", avança Gonçalo (nome fictício), de 23 anos e que estuda em Lisboa. Usa a aplicação há cerca de ano e meio, começou "por curiosidade", mas depois viu que "era uma maneira fácil de conhecer pessoas". Rodolfo corrobora: "O Tinder é um facilitador."

"- Adiciona-me no Facebook ou no WhatsApp. Toma o meu número..." É uma abordagem comum nas conversas que iniciam com Carolina. "Por norma, eu não começo nada. Espero sempre, só para ver qual é o tipo de abordagem. Se a conversa não for minimamente interessante fica logo por ali", revela a gestora.

André, nome fictício para o estudante de Évora de 23 anos, instalou a aplicação "a conselho" de amigos. "No primeiro encontro senti-me desconfortável ao início, mas à medida que ia falando com a pessoa ia-me sentido mais à-vontade". Diz que está lá para se divertir e que não usa o Tinder "para conhecer a pessoa ideal".

A psicóloga clínica Rosa Amaral vai mais longe e fala da necessidade em "encontrar alguém que me faça companhia e que corresponda minimamente aos meus interesses". Mesmo que o interesse seja só sexo.

A MONTRA

A aplicação usa a informação do Facebook com o objetivo de atestar que não são criados perfis falsos. "Nunca apanhei nenhum susto", afirma Rodolfo, que se cansou de "tentar conhecer mulheres em bares", diz que "eram sempre as mesmas". Viu no Tinder uma "montra" para encontros fáceis. "Já houve situações em que, quando estive cara a cara, vi que a imagem das fotografias não correspondia à que apresentava ao vivo". Já se questionou sobre a segurança do primeiro encontro, mas reconhece que é "um risco para ambos". Opinião partilhada pelos outros utilizadores entrevistados. São os quatro heterossexuais, mas a app também é usada por gays e lésbicas. São os quatro solteiros, mas sabem que há muitos comprometidos a usar a aplicação. "Diria que 80% dos utilizadores tem namorada, é casado ou vive com alguém", diz Carolina, que já esteve com homens comprometidos. "Estando descomprometida, houve situações em que tive mais problemas de consciência do que eles", confidencia.

Carolina e os três homens com quem conversámos pediram para não serem identificados porque "há pessoas que não veem o uso da aplicação com bons olhos", resume Gonçalo. Os portugueses são "preconceituosos e bastante hipócritas", queixa-se Carolina.

Rosa Amaral diz que já teve em consulta utentes que usam ou usaram o Tinder. Afirma que a "sociedade está cada vez mais individualista, quase às vezes desumanizada". Lembra que "antigamente quando as pessoas queriam socializar" combinavam "um café ou um copo". Hoje isso é menos comum e o Tinder veio ajudar.

"É diferente de outras aplicações e de outras redes sociais porque existe uma filtragem de ambas as partes", diz Gonçalo, referindo-se ao match, que revela desde logo um interesse mútuo. "É simples: gostamos, metemos like (deslizar o ecrã para o lado direito), não gostamos, metemos unlike (rodamos para o lado esquerdo)", sintetiza Rodolfo. É uma espécie de catálogo, "às vezes vou lá ver se há alguma novidade", confessa entre risos Carolina.

Os amigos mais próximos sabem que usa a aplicação e conhecem algumas das suas "aventuras", mas a gestora diz que, "juntamente com uma amiga", são "as únicas do grupo a utilizar o Tinder com mais regularidade".

Gonçalo fala abertamente sobre o tema. Os 23 anos do jovem lisboeta levaram-no mesmo a abordar o assunto em família: "Já comentei com familiares meus, mas nem fizeram caso."

Depois do like, do match, da conversa que pode ser mais ou menos demorada, e que pode incluir a troca de fotografias provocadoras, surge muitas vezes o primeiro encontro. "Normalmente combino um café", explica Rodolfo, que diz que tem regras: "Evito jantares, a não ser que seja na minha casa ou na delas e aí costuma acabar em sexo." Diz que para um primeiro encontro "normalmente já existe um clima" que surge da conversa, mas que há casos de abordagens mais diretas em que já falaram sobre sexo – "o que eu mais gosto, o que ela mais gosta" – e que nesses casos se pode saltar a etapa do café.

OVO DE COLOMBO

A aplicação que promove encontros entre desconhecidos foi fundada em 2012 por seis amigos. Em repetidas entrevistas, sempre resumiram assim a ideia por detrás da app: "Não importa quem és, sentes-te mais confortável a aproximar-te de alguém se souberes que esse alguém quer que te aproximes." Em 2014, a Bloomberg avaliou a app em 5 mil milhões de dólares, mas a revista ‘Forbes’ desmentiu, dizendo que esse valor seria impossível.

Há dois anos, dois elementos do grupo de fundadores entraram em litígio nos tribunais, ironicamente por envio de mensagens abusivas. Justin Mateen foi acusado por uma ex-colega de assédio e discriminação. Whitney Wolfe, que foi vice-presidente de marketing e ajudou a criar a companhia, levou o caso à justiça.

Segundo a BBC, a IAC/InterActiveCorp, que com a Match.com detém a participação majoritária do Tinder, verificou que as referidas mensagens que o executivo enviava a Wolfe eram realmente inapropriadas.

O Tinder também já foi envolvido numa polémica com a americana AIDS Healthcare Foundation, que espalhou cartazes por Los Angeles e Nova Iorque a associar o aplicativo a doenças sexualmente transmissíveis – o que motivou o pedido judicial, aceite, para que fossem retirados.

A Global Web Index indicou que, em 2015, o Tinder tinha já 50 milhões de utilizadores em todo o Mundo.

Usar o Tinder não é ilegal, mas quem descarrega a aplicação faz muitas vezes disso tabu. Se fosse um jogo, era sedutor; se fosse uma sociedade secreta, o processo de admissão seria meramente físico; se fosse uma atividade ilegal, podia ser o crime perfeito. Mas não é nada disso. É o Tinder.

 

ISABEL MOREIRA: "NÃO TENHO NADA A DIZER, TAMBÉM USO O FACEBOOK"

 

A deputada socialista Isabel Moreira assumiu no passado mês de fevereiro que utiliza o Tinder. Na app tem várias fotografias descontraídas e não esconde que é deputada do PS. Quando, na altura, foi confrontada pelo Correio da Manhã, assumiu o uso mas recusou fazer comentários. "Não tenho nada a dizer, também uso o Facebook", referiu a filha do professor Adriano Moreira. 

Na aplicação, a deputada inclui o título de um livro de Rui Nunes ‘Ouve-se Sempre a Distância numa Voz’.

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