Treinador do Belenenses deixa o futebol devido a problemas cardíacos. Casos semelhantes afetam outros jogadores
Quem finta a morte, ganha mais gosto pela vida. E foi com esse lema que o holandês Mitchell van der Gaag anunciou que ia deixar as funções de treinador do Belenenses por tempo indeterminado, depois do batimento do seu coração ter sido mais forte do que a sua paixão pelo futebol.
Poucos sabiam do problema cardíaco de van der Gaag, assim como poucos se aperceberam da gravidade da situação ocorrida num sábado de setembro, durante o jogo frente ao Marítimo, clube que já dirigiu. O que começou por ser um mal-estar, agravou-se e levou o técnico e antigo jogador de 41 anos a perder o controlo do seu coração. Levou dois choques e recuperou graças a um pacemaker e um desfibrilhador internos que lhe tinham sido implantados em 2012. Van der Gaag tomou então a decisão que preside o seu futuro: "Vou deixar de trabalhar, porque a vida é mais importante".
Nas palavras do próprio treinador, "foi uma coisa muito violenta que aconteceu no sábado". "Sabia que, durante a minha vida, haveria sempre um risco, que esta situação poderia ter acontecido em qualquer momento", referiu em conferência de imprensa, passados poucos dias sobre o incidente, ainda eufórico com o desfecho feliz.
Agora remete-se ao silêncio e aos tratamentos indicados pelo médico, que passa a ser o seu "treinador pessoal". A prioridade do técnico holandês é "ficar bem" antes mesmo de pensar se volta ao comando dos azuis.
O caso de van der Gaag não é único entre os atletas. António Barata, médico do Belenenses, explicou à Domingo, que o técnico holandês "sofre de focos espontâneos de arritmia". "O seu coração tem uma atividade cardíaca normal, mas há áreas do coração, sobretudo o ventrículo, que, de um momento para o outro, começam a trabalhar espontaneamente e descontrolam atividade. É uma consequência da atividade dos desportistas, e não exclusiva do futebol", adiantou.
HOMEM DE PAIXÕES
Sério, prático e esforçado, Mitchell van der Gaag nasceu em Zuphen, Holanda, em outubro de 1971 e com apenas seis anos começou a praticar desporto. Dedicou-se ao futebol, uma paixão de amadores para o pai (jornalista de rádio) e o irmão. O defesa central formou-se nas camadas jovens do PSV Eindhoven, passou por vários clubes até que, em 2001, aterrou em Portugal para integrar o Club Sport Marítimo, onde foi considerado um dos jogadores mais influentes no ano em que a equipa da Madeira se qualificou para a Taça UEFA.
Deixou de jogar em 2007, depois de uma temporada no Al- Nassr FC da Arábia Saudita. Em julho do ano seguinte, voltou ao Marítimo como treinador, onde ficou até setembro de 2010. A ilha da Madeira cativou van der Gaag, que ali mantém casa, mas acabou por se mudar para a capital e assinar pelo Belenenses. Nessa altura, disse numa entrevista que o seu coração já era "50 - 50, metade português, metade holandês" e não escondia o orgulho de ver o filho - Jordan van der Gaag, assim chamado em homenagem ao basquetebolista Michael Jordan - nos iniciados do Benfica.
A paixão pelo futebol moldou-lhe o caráter e também o coração. Devido à prática constante de exercício, dos seis aos 34 anos, "o seu coração sofreu as alterações fisiológicas que existem num atleta", explica António Barata. Ainda assim, o responsável clínico dos azuis frisa que esta situação "é controlável e pode ser prevenida através da medicação e do desfibrilhador". Mitchel van der Gaag "pode continuar a fazer uma vida normal e corre o mesmo risco de vida que qualquer pessoa", frisa o clínico. E nota que a história familiar e a própria morfologia da pessoa podem condicionar a ocorrência de problemas cardíacos, "situações como a de van der Gaag são coisas que acontecem".
CORAÇÃO DE ATLETA
Certo é que se a um desportista é exigida vontade em superar limites, a prática intensa e prolongada de uma modalidade de competição provoca também alterações morfológicas e funcionais que já são conhecidas como ‘coração do atleta'.
A 17 de março de 2012, o coração de Fabrice Muamba, futebolista de 24 anos, parou por 78 minutos num jogo da Taça de Inglaterra. O então jogador do Bolton, natural do Congo, caiu inanimado do campo, durante o jogo frente ao Tottenham. Seis médicos tentaram a reanimação com respiração boca a boca, massagem cardíaca e desfibrilhadores. Ao fim de dez minutos, Muamba foi levado para um hospital de Londres onde uma equipa de cirurgiões o devolveu à vida, após mais de uma hora de paragem cardíaca. Passou uma semana nos cuidados intensivos do London Chest Hospital e desde então vive com um mini-desfibrilhador que reativa automaticamente o seu coração.
Muamba retirou-se do futebol, que foi a sua vida desde os 11 anos quando o congolês aterrou no Reino Unido sem saber uma palavra de inglês. "Apesar de tudo, adoro futebol e sinto-me muito feliz por ter jogado a tão alto nível", afirmou já este ano, depois de ter casado, lançado um livro e ter sido pai.
Foi também um problema cardíaco que em março deste ano levou Fábio Faria, 23 anos, a deixar o futebol. O jogador do Benfica sofreu uma paragem cardíaca em fevereiro de 2012 , numa partida entre o Rio Ave - clube a que estava cedido - e o Moreirense. Os exames detetaram um problema cardíaco e após um afastamento de um ano, Fábio Faria anunciou "ser mais seguro deixar o futebol". "É um dia triste para mim, porque vou ter de deixar de fazer aquilo que mais gosto. A minha vida estava a correr como esperava, mas de um dia para o outro as coisas mudam e é muito Complicado. Tenho de lutar agora para conseguir outros objetivos", afirmou então.
Também este verão, o brasileiro Doni, que jogava no Botafogo-SP, depois de passagens pelo Corinthians, Roma e Liverpool, foi obrigado a abandonar o futebol após exames médicos terem constatado problemas de arritmia cardíaca. "Deus não quer que jogue mais futebol. Deixar o futebol entristece, sobretudo porque meu filho Nicholas sempre me quis ver em campo", disse o jogador, emocionado. Na hora da despedida, acrescentou que "queria continuar, mas não há nada a fazer. Já morri uma vez". Referia assim o episódio ocorrido quando jogava no Liverpool e o seu coração parou por 25 segundos enquanto realizava uma bateria de exames. O Roma, clube onde Doni jogou entre 2005 e 2011, publicou uma mensagem de apoio no Twitter. "Sorte a Doni, que a paixão com a qual vestiu nossas cores te acompanhem nos próximos desafios".
Novos desafios esperam agora também o holandês Mitchell van der Gaag, que sobre o seu futuro na carreira dizia em fevereiro deste ano: "como treinador, toda a gente quer chegar a um grande, mas o futebol é difícil de prever".
DESPORTO DE COMPETIÇÃO E RISCOS CARDÍACOS
CM: Têm sido noticiados vários casos de problemas cardíacos que afastam muitos atletas, nomeadamente do futebol. A prática de desporto de competição acarreta, à partida, maiores riscos?
Raúl Pacheco (diretor do Departamento de Medicina Desportiva do Centro de Medicina Desportiva de Lisboa): Calculam-se 1:100 mil casos [um caso para cada 100 mil pessoas] de Morte súbita Cardíaca na Europa em atletas. Este número é seguramente inferior ao encontrado na população sedentária, onde as patologias cardiovasculares são responsáveis pelas principais causas de morte em Portugal e na Europa.
Contudo a Atividade Física intensa pode ser um fator desencadeante de problemas cardíacos ou mesmo morte súbita em adolescentes e adultos jovens portadores de doenças cardiovasculares e que muitas vezes desconhecem. Digamos que o esforço físico atuaria aqui como " gatilho " que despertaria um problema pré- existente. Neste sentido é fundamental que os praticantes desportivos realizem anualmente um exame médico- desportivo, para despiste destas patologias, de forma a garantir a prática desportiva com maior segurança.
As anomalias cardíacas congénitas são as causas mais frequentes de morte súbita em praticantes desportivos de idade inferior a 35 anos. Nos desportistas com mais de 35 anos de idade a principal causa de morte súbita cardíaca está relacionada com as doenças das arteriais coronárias e enfarte agudo do miocárdio. Mais uma vez o exame médico desportivo assume primordial importância no despiste destes problemas.
Não podemos esquecer também que o uso de substâncias ilícitas, dopantes (anabolizantes, estimulantes entre outras) com o objetivo de aumentar o rendimento desportivo bem como o consumo de drogas "sociais " (cocaína, marijuana, ectasy e outras) são responsáveis por muitos casos de arritmias e tromboses que implicam morte súbita.
A maior incidência de problemas na modalidade desportiva de futebol, deverá estar relacionada com o facto de ser esta a modalidade com o maior número de praticantes desportivos em Portugal, representa quase 2/3 dos desportistas federados, não estando propriamente relacionado com a especificidade do futebol. Acresce ainda o facto de este desporto ser muito mediático e quaisquer ocorrências são de imediato noticiadas.
A prática desportiva vigorosa, com elevada intensidade e grande duração de estímulos no sistema cardiovascular, pode desenvolver o chamado " coração de atleta ", que se traduz com: Diminuição da frequência cardíaca (bradicardia), normalmente inferior a 60 pulsações por minuto; Crescimento cardíaco no tamanho e no peso (cardiomegalia) e que pode ser confundido com doença cardíaca estrutural nos registos de exames Eletrocardiográficos e Ecocardiogramas.
Este quadro clínico está relacionado com a adaptação fisiológica do coração (músculo cardíaco) ao esforço e excesso de treino, sendo por vezes difícil definir com exatidão qual o limite fisiológico seguro, o que obriga muitas vezes os atletas a reduzir ou mesmo parar os treinos e competições, para se determinar com segurança a natureza destas alterações. Estas situações verificam-se muitas vezes em atletas das modalidades com grande componente aeróbio, ( Ex. : ciclistas , maratonistas, praticantes de triatlo... ), mas também em desportistas de modalidades coletivas, sujeitos a elevadas cargas de treino.
Um correcto planeamento e controlo do treino e um rigoroso acompanhamento médico são fundamentais para a prevenção e segurança destes atletas envolvidos em projectos de alto rendimento e sujeitos a elevados esforços físicos e portanto com riscos acrescidos.
As principais medidas preventivas que devem ser tomadas para aumentar a segurança dos praticantes desportivos:
A)-Exame Médico Desportivo (rastreio a todos os praticantes desportivos federados) e que inclui exame clínico com especial interesse na deteção de contraindicações e pesquisa de antecedentes familiares de patologia cardíaca, que poderão indiciar um risco acrescido para o candidato. Este exame médico deve ser anual e incluir a realização de um Electrocardiograma, o que permitirá despistar cerca de 65% de patologias de natureza cardíaca. Pode ser realizado pelo médico assistente do praticante desportivo, que em caso de dúvida poderá referenciar o candidato a um especialista em medicina desportiva ou aos Centro de Medicina Desportiva de Lisboa ou Porto .
B)-Desaconselhar (banir!) o uso de substancias dopantes que visam o aumento do rendimento desportivo e que estão na origem de muitos episódios de problemas cardíacos e eventos de morte súbita. Cuidado com o uso indiscriminado de suplementos alimentares muitas vezes contaminados com estas substâncias!
C)-Respeitar o período de paragem desportiva durante os episódios de doenças infecciosas
(ex. : praticar desporto com gripe, aumenta o risco de contrair uma miocardite - infecção no coração), podendo assim comprometer a saúde e a carreira desportiva e mesmo desencadear episódio de morte súbita. Recomendação muitas vezes esquecida e ignorada!
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