page view

X-FILES: Fernando Santos

O filho de ferrenhos benfiquistas, que até estudou engenharia, acabou por fazer a vida nas quatro linhas. começou jogador no Estoril, treinou os três grandes, deixou saudades na Grécia e agora, aos 61 anos, está sob o escrutínio do país à frente da selecção nacional.

26 de junho de 2016 às 12:47

As manhãs equivalem   a   castigos;   acorda mal - disposto. Precisa   de tempo.   Nem   os   cigarros ajudam a estabilizar o humor. Depois, assim que o astro-rei caminha no horizonte, tudo se compõe no espírito.   Personalidade forte,   feitio   rigoroso,   senhor do seu nariz, teimoso moderado,   os   vincos   do rosto não são consequências do riso. Não ri muito e tão pouco de forma gratuita. E menos ri na hora de perder.   Até   na   sueca,   nas raras vezes em que não ganha, o mau perder civilizado   tem   possibilidades   de vir ao de cima. No futebol, muito embora não seja discípulo   da   escola   de   Jorge Jesus, refila com uma derrota. Na sua casa, em Cascais,   se   os   golos   sofridos superam os marcados, os familiares já sabem que devem deixá-lo sozinho.

Mas   no   bridge   não   se enerva. É um jogo de raciocínio e lógica.

Desde   jovem,   Fernando Santos   aproximou-se   da Matemática. Fez o curso de montador   electricista   na extinta   escola   industrial Afonso Domingues, em Lisboa, e teve como colega Inácio Augusto, director-geral do   futebol   profissional   do Sporting.   Tinha   15   anos quando   recebeu   a   carteira profissional de electricista. Fez depois o curso de Engenharia electrotécnica e telecomunicações   mas   nunca trabalhou nessa área. Também não quis ser treinador mas veja-se o currículo do primeiro português a treinar os três grandes – Benfica, Porto, Sporting – e a selecção portuguesa. 

O futebol

Fernando Santos tinha 40 dias quando os pais, fervorosos   apaixonados   pelo Benfica,   o   levaram   numa alcofa   à   inauguração   do Estádio da Luz, nesse glorioso   1   de   Dezembro   de 1954.   A   mãe   deixou   de amamentar porque foram ver o Benfica à Covilhã e a neve secou-lhe o peito.

O pai – de Alfama, vendia acessórios para automóveis – e a mãe – da Quinta dos Peixinhos, doméstica – deixaram descendência num único filho. Fernando Santos   começou   a   jogar gaiato, com dez anos, e a coisa tornou-se mais séria nos torneios entre escolas. Convencido   por   amigos, decide   ir   aos   treinos   de captação   no   Benfica.   O clube dá-lhe um conto de reis e abona a universidade. O pai diz-lhe que se reprovasse, adeus futebol.

Toni, glória do Benfica, integrou esse tempo. A memória transporta-o   em elogios:   "O Fernan-do   é muito solidário, amigo do seu amigo e muito ligado à família."

Muda-se   para   o   Estoril Praia e logo a seguir, já casado e com uma filha, vai para a Madeira para jogar no Marítimo mas um problema   de   saúde   da   mãe   é razão   para   regressar   ao continente e aceitar o convite do presidente do Estoril Praia, José Benito Garcia,   proprietário   do   hotel Palácio no Estoril.

Terá dois empregos: adjunto de António Fidalgo – que, mais adiante, iria para o   Salgueiros,   deixando Fernando   Santos   no   comando técnico – e chefe de manutenção   da   referida unidade hoteleira. 

O tique não desapareceu: de vez em vez, a mão passa pelo pescoço à volta do colarinho. Os 17 anos que trabalhou   no   famoso   Hotel Palácio   obrigavam-no   ao uso da gravata. Hoje, vê-a apenas   por   imposição   de circunstância. Paulo Castela, Front Office Manager, do Palácio, entrou ao serviço   na   altura   de   Fernando Santos: 1980. O antigo colega,   que   esteve   em   Paris para apoiar o amigo no primeiro   jogo   do   Europeu, avisa que não são exageros o que nos diz: "Era extremamente   afável   e   muito duro, também. Não restava alternativa.   Havia   muita gente a trabalhar para ele: pintores, carpinteiros, etc. Pautava pela postura correcta. Um chefe exemplar, que defendia o pessoal."

De   manhã,   e   lá   está,   o mau   feitio   apresentava- -se: "Se o Estoril perdesse, então, nem lhe conto; piorava!" 

Luís Norton de Matos cimentou amizade com Fernando Santos nos juvenis do   Benfica.   Conhece-o   o suficiente para ter a certeza de que a sensação de segurança lhe é importante. "Se não tivesse tido a hipótese de   ter   estado   de   licença sem vencimento,   é   provável   que   não   abraçasse   a carreira de treinador."

Nos   anos   posteriores   a Abril de 1974 ganha muito bem. De 1987 a 1994 dedica-se ao clube Estoril. Leva a equipa à Primeira Divisão e,   de   repente,   dizem-lhe adeus.   Despedido,   jurou que o futebol havia morrido.   Qual   quê.   O   futebol, logo nesse ano, vivo da silva no Estrela da Amadora.

Fé católica

Foi   através   de   um   casal amigo,   Beatriz   e   Miguel, que faz um curso de cristandade. Pensou em fintar as regras do retiro espiritual; ler jornais às escondidas e fumar sem que ninguém   desse   pelo   fumo. Acabou por não querer infringir. Sentia-se bem. Em paz. Com Cristo.

José Luís, actual director desportivo do Belenenses, conheceu Fernando Santos no   Estrela   da   Amadora   e lembra-se:   "O   Fernando, na altura, já tinha fé. É um ser humano como há poucos. Sabe ouvir. Dá aquilo que tem e veste a camisola." A quarta–feira europeia à moda de Fernando Santos punha alguns rapazes em mau estado, alguns iam ao gregório   e   não   estamos   a falar do canto gregoriano: "Os   jogadores   ficavam uma hora a correr."

Sai do clube da Amadora, em 1998, e vai para o Futebol Clube de Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa ansiava por conquistar o campeonato   para   ser   penta. Fernando Santos fez-lhe a vontade. A   manchete   ‘O engenheiro do Penta’ conseguiu que uma colega do hotel,   Carla,   telefonasse para a redacção de um jornal no sentido de corrigir a notícia: "Fernando Santos é o engenheiro do Hotel Palácio, não é do Penta."

Fernando   Manuel   Fernandes   da   Costa   Santos, nascido no dia 10 de Outubro, é o marido da professora   Guilhermina   Santos, que é quem lhe compra a roupa, e pai de Cátia, uma ilustre juíza, e Pedro, radicado no Brasil.   

Grécia

Em 2001 encontramos Fernando Santos no campeonato   grego.   Treina   o   AEK Atenas.   Gosta   de   treinar pela manhã, ao contrário da equipa grega. Os jogadores tiveram de mudar e viram maravilhosos   resultados:  2º   lugar   (com   os   mesmos pontos do vencedor) e a taça da   Grécia.   As   dificuldades financeiras do clube e a saída dos melhores jogadores foram motivos para que fosse para o Panathinaikos. Por pouco tempo. Nesse mesmo ano, em 2003, está em Alvalade. Treina o Sporting por uma   temporada.   Regressa ao   Mediterrâneo,   de   novo para o AEK Atenas. Depois  vem para a Luz. Não aqueceu   o   lugar,   voltaria,   mais uma vez, à Grécia, para depois ser chamado para treinar os "quinas".

António Pedro Vasconcelos, que almoça com Fernando   Santos   em   restaurantes lisboetas onde o estômago é mimado – Charcutaria e Solar dos Presuntos – chama ao amigo "humanista". Vasconcelos não esquece a precipitação de Luís   Filipe   Vieira   de   ter rescindido o contrato com Santos dois dias depois de a equipa encarnada se ter estreado   com   um   empate na Liga, perante o Leixões. O mestre da realização cinematográfica prossegue: "O   despedimento   foi   um erro.   Fernando   Santos   é um grande treinador. Um homem que sabe imenso de futebol   que   é   de   pouco show off. Não é um demagogo. Talvez por isso não tenha criado empatia com os adeptos."

Santos adopta o futebol do losango, essa táctica protegida, a que falta, na verdade, um ponta-de-lança.

 O padre Raul Cassis Cardoso,   Pároco   Emérito   de Cascais, admira o seu optimismo   e   louva   os   seus escrúpulos:   "O   Fernando Santos procura ser  recto. E essa   rectidão   está   patente em todos os aspectos da sua vida. É um homem bom e tem fé, uma fé verdadeira."  O mister e o padre são amigos que se encontram com alguma regularidade: "Antes de ir para França, ele veio aqui a Fátima, foi à missa, jantámos, e depois abalou."

A casa de férias em Pavia, freguesia de Mora, é o seu refúgio. No Alentejo pode fazer o que tanto aprecia: jogar às cartas, deliciar-se com   os   petiscos   de   sua eleição – marisco e caracóis, acompanhados a cerveja – receber amigos – um dos seus maiores patrimónios – e pescar.

"É um optimista", afirma padre Raul, a propósito   da   frase   de   Fernando Santos: "Já avisei a minha família de que só volto no dia 11 de Julho e serei recebido em festa."

Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?

Envie para geral@cmjornal.pt

o que achou desta notícia?

concordam consigo

Logo CM

Newsletter - Exclusivos

As suas notícias acompanhadas ao detalhe.

Mais Lidas

Ouça a Correio da Manhã Rádio nas frequências - Lisboa 90.4 // Porto 94.8