O filho de ferrenhos benfiquistas, que até estudou engenharia, acabou por fazer a vida nas quatro linhas. começou jogador no Estoril, treinou os três grandes, deixou saudades na Grécia e agora, aos 61 anos, está sob o escrutínio do país à frente da selecção nacional.
As manhãs equivalem a castigos; acorda mal - disposto. Precisa de tempo. Nem os cigarros ajudam a estabilizar o humor. Depois, assim que o astro-rei caminha no horizonte, tudo se compõe no espírito. Personalidade forte, feitio rigoroso, senhor do seu nariz, teimoso moderado, os vincos do rosto não são consequências do riso. Não ri muito e tão pouco de forma gratuita. E menos ri na hora de perder. Até na sueca, nas raras vezes em que não ganha, o mau perder civilizado tem possibilidades de vir ao de cima. No futebol, muito embora não seja discípulo da escola de Jorge Jesus, refila com uma derrota. Na sua casa, em Cascais, se os golos sofridos superam os marcados, os familiares já sabem que devem deixá-lo sozinho.
Mas no bridge não se enerva. É um jogo de raciocínio e lógica.
Desde jovem, Fernando Santos aproximou-se da Matemática. Fez o curso de montador electricista na extinta escola industrial Afonso Domingues, em Lisboa, e teve como colega Inácio Augusto, director-geral do futebol profissional do Sporting. Tinha 15 anos quando recebeu a carteira profissional de electricista. Fez depois o curso de Engenharia electrotécnica e telecomunicações mas nunca trabalhou nessa área. Também não quis ser treinador mas veja-se o currículo do primeiro português a treinar os três grandes – Benfica, Porto, Sporting – e a selecção portuguesa.
O futebol
Fernando Santos tinha 40 dias quando os pais, fervorosos apaixonados pelo Benfica, o levaram numa alcofa à inauguração do Estádio da Luz, nesse glorioso 1 de Dezembro de 1954. A mãe deixou de amamentar porque foram ver o Benfica à Covilhã e a neve secou-lhe o peito.
O pai – de Alfama, vendia acessórios para automóveis – e a mãe – da Quinta dos Peixinhos, doméstica – deixaram descendência num único filho. Fernando Santos começou a jogar gaiato, com dez anos, e a coisa tornou-se mais séria nos torneios entre escolas. Convencido por amigos, decide ir aos treinos de captação no Benfica. O clube dá-lhe um conto de reis e abona a universidade. O pai diz-lhe que se reprovasse, adeus futebol.
Toni, glória do Benfica, integrou esse tempo. A memória transporta-o em elogios: "O Fernan-do é muito solidário, amigo do seu amigo e muito ligado à família."
Muda-se para o Estoril Praia e logo a seguir, já casado e com uma filha, vai para a Madeira para jogar no Marítimo mas um problema de saúde da mãe é razão para regressar ao continente e aceitar o convite do presidente do Estoril Praia, José Benito Garcia, proprietário do hotel Palácio no Estoril.
Terá dois empregos: adjunto de António Fidalgo – que, mais adiante, iria para o Salgueiros, deixando Fernando Santos no comando técnico – e chefe de manutenção da referida unidade hoteleira.
O tique não desapareceu: de vez em vez, a mão passa pelo pescoço à volta do colarinho. Os 17 anos que trabalhou no famoso Hotel Palácio obrigavam-no ao uso da gravata. Hoje, vê-a apenas por imposição de circunstância. Paulo Castela, Front Office Manager, do Palácio, entrou ao serviço na altura de Fernando Santos: 1980. O antigo colega, que esteve em Paris para apoiar o amigo no primeiro jogo do Europeu, avisa que não são exageros o que nos diz: "Era extremamente afável e muito duro, também. Não restava alternativa. Havia muita gente a trabalhar para ele: pintores, carpinteiros, etc. Pautava pela postura correcta. Um chefe exemplar, que defendia o pessoal."
De manhã, e lá está, o mau feitio apresentava- -se: "Se o Estoril perdesse, então, nem lhe conto; piorava!"
Luís Norton de Matos cimentou amizade com Fernando Santos nos juvenis do Benfica. Conhece-o o suficiente para ter a certeza de que a sensação de segurança lhe é importante. "Se não tivesse tido a hipótese de ter estado de licença sem vencimento, é provável que não abraçasse a carreira de treinador."
Nos anos posteriores a Abril de 1974 ganha muito bem. De 1987 a 1994 dedica-se ao clube Estoril. Leva a equipa à Primeira Divisão e, de repente, dizem-lhe adeus. Despedido, jurou que o futebol havia morrido. Qual quê. O futebol, logo nesse ano, vivo da silva no Estrela da Amadora.
Fé católica
Foi através de um casal amigo, Beatriz e Miguel, que faz um curso de cristandade. Pensou em fintar as regras do retiro espiritual; ler jornais às escondidas e fumar sem que ninguém desse pelo fumo. Acabou por não querer infringir. Sentia-se bem. Em paz. Com Cristo.
José Luís, actual director desportivo do Belenenses, conheceu Fernando Santos no Estrela da Amadora e lembra-se: "O Fernando, na altura, já tinha fé. É um ser humano como há poucos. Sabe ouvir. Dá aquilo que tem e veste a camisola." A quarta–feira europeia à moda de Fernando Santos punha alguns rapazes em mau estado, alguns iam ao gregório e não estamos a falar do canto gregoriano: "Os jogadores ficavam uma hora a correr."
Sai do clube da Amadora, em 1998, e vai para o Futebol Clube de Porto. Jorge Nuno Pinto da Costa ansiava por conquistar o campeonato para ser penta. Fernando Santos fez-lhe a vontade. A manchete ‘O engenheiro do Penta’ conseguiu que uma colega do hotel, Carla, telefonasse para a redacção de um jornal no sentido de corrigir a notícia: "Fernando Santos é o engenheiro do Hotel Palácio, não é do Penta."
Fernando Manuel Fernandes da Costa Santos, nascido no dia 10 de Outubro, é o marido da professora Guilhermina Santos, que é quem lhe compra a roupa, e pai de Cátia, uma ilustre juíza, e Pedro, radicado no Brasil.
Grécia
Em 2001 encontramos Fernando Santos no campeonato grego. Treina o AEK Atenas. Gosta de treinar pela manhã, ao contrário da equipa grega. Os jogadores tiveram de mudar e viram maravilhosos resultados: 2º lugar (com os mesmos pontos do vencedor) e a taça da Grécia. As dificuldades financeiras do clube e a saída dos melhores jogadores foram motivos para que fosse para o Panathinaikos. Por pouco tempo. Nesse mesmo ano, em 2003, está em Alvalade. Treina o Sporting por uma temporada. Regressa ao Mediterrâneo, de novo para o AEK Atenas. Depois vem para a Luz. Não aqueceu o lugar, voltaria, mais uma vez, à Grécia, para depois ser chamado para treinar os "quinas".
António Pedro Vasconcelos, que almoça com Fernando Santos em restaurantes lisboetas onde o estômago é mimado – Charcutaria e Solar dos Presuntos – chama ao amigo "humanista". Vasconcelos não esquece a precipitação de Luís Filipe Vieira de ter rescindido o contrato com Santos dois dias depois de a equipa encarnada se ter estreado com um empate na Liga, perante o Leixões. O mestre da realização cinematográfica prossegue: "O despedimento foi um erro. Fernando Santos é um grande treinador. Um homem que sabe imenso de futebol que é de pouco show off. Não é um demagogo. Talvez por isso não tenha criado empatia com os adeptos."
Santos adopta o futebol do losango, essa táctica protegida, a que falta, na verdade, um ponta-de-lança.
O padre Raul Cassis Cardoso, Pároco Emérito de Cascais, admira o seu optimismo e louva os seus escrúpulos: "O Fernando Santos procura ser recto. E essa rectidão está patente em todos os aspectos da sua vida. É um homem bom e tem fé, uma fé verdadeira." O mister e o padre são amigos que se encontram com alguma regularidade: "Antes de ir para França, ele veio aqui a Fátima, foi à missa, jantámos, e depois abalou."
A casa de férias em Pavia, freguesia de Mora, é o seu refúgio. No Alentejo pode fazer o que tanto aprecia: jogar às cartas, deliciar-se com os petiscos de sua eleição – marisco e caracóis, acompanhados a cerveja – receber amigos – um dos seus maiores patrimónios – e pescar.
"É um optimista", afirma padre Raul, a propósito da frase de Fernando Santos: "Já avisei a minha família de que só volto no dia 11 de Julho e serei recebido em festa."
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