Israel destruiu Gaza. E agora? Conflito no Médio Oriente eleito Facto Internacional do Ano pelo CM
Os números são assustadores: 70 mil mortos, incluindo mais de 20 mil crianças e cerca de 10 mil mulheres. Nos escombros haverá ainda perto de 10 mil cadáveres. Os feridos ultrapassam os 170 mil.
Doze organizações não-governamentais (ONG) israelitas – e não de quaisquer outras proveniências - classificaram 2025 como o ano “mais mortífero e destrutivo” para os palestinianos. A conclusão estaria eventualmente clara aos olhos de muitos, mas ela consta de um relatório segundo o qual Israel terá duplicado, no ano que agora termina, o número de mortes e deslocações forçadas de palestinianos tanto na Faixa de Gaza como na Cisjordânia.
O documento observa que “em 2023 e 2024, foram documentadas graves violações em Gaza, mas os resultados em 2025 revelam uma deterioração acentuada, com o número de mortos a atingir o dobro [dos anos anteriores], a deslocação a acontecer em praticamente todo o enclave e a fome a representar uma causa de morte em massa”. O governo de Israel e o COGAT, uma unidade do Ministério da Defesa de de Telavive responsável por coordenar e implementar políticas civis judaicas nos territórios palestinianos de Gaza e da Cisjordânia, sempre negaram a existência de forme. Mais: afirmam que o Estado de Israel sempre facilitou a entrada de ajuda humanitária em Gaza e acusam sistematicamente o movimento radical Hamas de desviar ou travar a distribuição alimentar aos necessitados.
As ONG fazem outra análise do complexo conflito. “Violações [dos direitos humanos dos palestinianos], consideradas excecionais no início [do atual conflito], tornaram-se prática diária” em 2025, o que leva aquelas organizações a sustentar que nunca, desde 1967, ano da Guerra dos Seis Dias, que ditou a ocupação israelita de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental, os palestinianos foram tão massacrados. Os números, difíceis de validar com rigor, sobretudo no caos em que mergulharam as instituições em Gaza, revelados pelo citado estudo são assustadores. O de mortos, que seriam mais de 36 mil em março de 2024, subiu para 70 mil em novembro de 2025, incluindo mais de 20 mil crianças e cerca de 10 mil mulheres. Estima-se que nos escombros de Gaza possam estar ainda perto de 10 mil cadáveres. O número de feridos já terá ultrapassado os 170 mil. Segundo o relatório, a deslocação de palestinianos em 2025 atingiu 1,9 milhões de pessoas — cerca de 90% da população de Gaza.
Dúvidas
Aqui chegados, será prudente lembrar queesta catástrofe humanitária, social e económica, em que se encontram mergulhados os palestinianos, não nasceu de geração espontânea.
Pouco passava das seis da manhã do dia 7 de outubro de 2023. As pacatas comunidades rurais do sul de Israel descansavam no ‘shabbat’ quando perto de seis mil palestinianos romperam a cerca metálica que divide Gaza dos israelitas e atacaram, com um poderio bélico e imaginação nunca vistos até então, a esmagadora dos ‘kibbutz’ da região e as pequenas cidades, como Sderot ou Ascalão. Entre a multidão de fanáticos estavam 3800 operacionais de elite Nukhba, uma espécie de força especial das Brigadas al-Qassam, o braço militar do partido Hamas, no poder em Gaza desde 2006 na sequência das eleições legislativas e cuja legitimidade Israel nunca reconheceu. Na ofensiva de outubro, que apanhou desprevenido o poderoso exército de Israel e cuja aniquilação naquele dia ainda não foi verdadeiramente alvo de um inquérito rigoroso, foram mortas 1219 pessoas no lado israelita da barricada. 38 eram crianças e 379 militares e polícias. Os feridos foram 3400. E 251 pessoas foram feitas reféns e levadas para os túneis do Hamas em Gaza. Muitas participavam pacatamente num festival de música eletrónica a uns mil metros de Gaza.
Jornalistas controlados
Quando em novembro passado Israel começou a autorizar os jornalistas estrangeiros a entrar em Gaza de forma controlada, vigiada e sem possibilidades de contactar palestinianos, o CM estava lá, sendo o único meio português a entrar no miolo do enclave palestiniano desde o início da guerra. O que mais impressionou nesta viagem até à chamada linha amarela, definida no âmbito do cessar-fogo de 10 de outubro, foi o grau extremo de destruição do território. A interrogação era, por isso, inevitável: seria necessário terraplanar literalmente Gaza, com aviação e artilharia, para eliminar o Hamas e trazer de volta os reféns até Israel? A resposta é manifestamente negativa. Até porque no território onde não há praticamente pedra sobre pedra, o Hamas continuou a dominar política e militarmente e só a diplomacia conseguiu levar os reféns - vivos e mortos – de volta a Israel.
O custo da reconstrução
A Organização Internacional para as Migrações estima que 90% das habitações de Gaza tenham sido destruídas ou severamente danificadas, o que obrigou à deslocação interna de quase dois dos 2,1 milhões de palestinianos residentes no enclave.
Em Gaza não faltam só as casas, as escolas ou os hospitais, infraestruturas indispensáveis à vida com dignidade. Também não há mesquitas ou bibliotecas. Nem distribuição de água, saneamento, eletricidade ou sistema bancário. Estima-se que a reconstrução da Faixa de Gaza possa demorar até 80 anos e custar mais de 60 mil milhões de euros. A reconstrução básica demoraria pelo menos três anos e poderia custar 2,5 mil milhões de euros. Mas há muito outro trabalho a fazer antes da reconstrução. Suspeita-se que existam nos escombros à volta de 7500 toneladas de explosivos por detonar. A remoção deste material é fundamental ao início dos trabalhos de reconstrução e a sua complexidade gigantesca. Reerguer Gaza é, por isso, um imenso desafio logístico, humanitário e, sobretudo, político.
É que, apesar do cessar-fogo, as hostilidades não pararam em Gaza. Nem o Hamas mostrou sinais de querer desmilitarizar-se, nem Israel de recuar da linha amarela que lhe garante o controlo de perto de 50% de Gaza e que alguns militares afirmam ser a nova fronteira. E o cessar-fogo continua frágil, como continua indefinida a operação humanitária de larga escala. Na verdade, há uma nébula cinzenta em todo este processo que se adensa quando se perspetiva a governação futura de Gaza. Porque dificilmente o governo de Israel e a coligação extremista que o sustenta permitirão a articulação de poder da Autoridade Palestiniana, que administra a Cisjordânia, território onde Israel expande colonatos ilegais e colonos ameaçam, perseguem e matam palestinianos. A Cisjordânia será o novo palco da ofensiva judaica contra os palestinianos, a que muitos governantes internacionais e ONG chamam genocídio.
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