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Filha da ceifeira sem medo lembra manhã sangrenta: Maria Catarina em entrevista

Nessa manhã, Catarina colocou-se à frente de um grupo de 13 ceifeiras para reivindicar o aumento de 2 escudos por jorna.

20 de março de 2024 às 13:36

Maria Catarina Baleizão do Carmo, 76 anos, mantém bem viva a memória e o legado da mãe, Catarina Efigénia Sabino Eufémia, assassinada à queima-roupa dia 19 de maio de 1954, em Baleizão, Beja. A ceifeira sem medo tinha apenas 26 anos. "A minha mãe levou-nos de manhãzinha para casa dos meus avós. Eu tinha 6 anos, António, o irmão do meio 3, e José, o mais novo, apenas 8 meses. Estava ao colo da minha mãe quando tudo aconteceu." Nessa manhã, na Herdade do Olival, Catarina Eufémia colocou-se à frente de um grupo de 13 ceifeiras para reivindicar o aumento de salário de 2 escudos por jorna. O feitor ficou com medo e chamou a GNR. "O que queres, bruta?", perguntou um GNR. "O que eu quero é pão para matar a fome aos meus filhos!", respondeu Catarina. Foi esbofeteada com violência e caiu. Levantou-se e desafiou: "Já agora, mate-me!" A resposta soou seca. O tenente Carrajola disparou três tiros à queima-roupa, pelas costas. Catarina tombou morta, com o pequeno José, o filho de 8 meses ao colo.

"As pessoas começaram a juntar-se na casa dos meus avós. Ninguém podia sair porque eles (a GNR) andavam com os cavalos nas ruas para não deixar ninguém se manifestar", recorda a filha de Catarina Eufémia. "A população estava revoltada. O meu pai estava muito triste e o meu avô queria sair à rua", relembra. No funeral, a GNR carregou sobre a população.

António Joaquim do Carmo, viúvo, não tinha condições para suportar as despesas da educação dos três filhos. Os rapazes foram colocados numa creche, em Beja. Maria Catarina foi para a Casa Pia de Lisboa. Saiu da instituição com 16 anos e o antigo 5.º ano. Arranjou emprego no escritório de uma empresa sediada na capital e, mais tarde, emigrou para França. Vive agora em Baleizão. Carrajola, o homem que lhe matou a mãe, foi julgado, absolvido e, em setembro de 1958, condecorado com a Ordem de Avis. Faleceu em Aljustrel, em 1964.

A memória de Catarina Eufémia permanece bem viva, com o seu nome em várias ruas do País. Zeca Afonso dedicou-lhe uma canção ("Cantar Alentejano") e o cante perpetua a história da ceifeira sem medo: "Ó Baleizão, Baleizão/Ó terra de Catarina/Onde nasceu e morreu/Com uma bala assassina"). 

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