Ingressar no ensino superior é um verdadeiro desafio e a adaptação a uma nova etapa de vida nem sempre é fácil. Afinal, que estratégias deve um jovem ter em atenção?
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Matilde Bernardo, de 18 anos, está a poucos dias de ir viver aquilo que considera vir a ser “uma experiência incrível”. Para milhares de jovens, o mês de setembro é o arranque de uma nova etapa de vida. No caso da jovem Matilde os 'ares' de Ourém vão ser ‘trocados’ pelos da capital lisboeta e a casa onde sempre viveu com os pais por um quarto num apartamento partilhado com outros colegas que este ano letivo deixam de ser caloiros. Embora tenha concorrido na primeira fase para o ingresso no Ensino Superior, é pelos resultados da segunda que Matilde espera ansiosamente. Quer entrar em Gestão Industrial e Logística no Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE, um curso que espera “ser bom e que com saída para que no futuro consiga ter um bom emprego”.
“Acho que vai ser uma ótima experiência, diferente e difícil ao início, mas tenho vários amigos que estão e vão para Lisboa o que facilitará bastante as coisas”, diz a jovem.
Para Matilde a questão do alojamento não foi um "bicho de sete cabeças". Isto porque conseguiu um quarto com um “valor razoável” para a média em Lisboa e numa casa onde não tem de viver com desconhecidos. Mas nem sempre é assim.
André Freitas, frequenta atualmente o mestrado em Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa – ISCSP. Foi para tirar a licenciatura de Serviço Social nesta faculdade que para trás deixou a ilha da Madeira, concretamente o Funchal de onde é natural. Obteve boas notas no Ensino Secundário para ingressar no Ensino Superior, mas continuar a vida de estudante estava dependente de outras duas condições: ser aluno bolseiro e ter acesso a uma residência. Sem esta ajuda, a mãe, com quem vivia, “não tinha condições para suportar os custos”.
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Em média, um estudante tem de pagar mensalmente 415 euros por um quarto. Valor que, segundo o Observatório do Alojamento Estudantil, em Lisboa aumenta para 500 euros, havendo já casos em que o custo ultrapassa os 700. Embora a capital seja a cidade mais cara, os valores são bastante elevados em todo o País. No Porto, um quarto custa em média 400 euros e em Faro 380. De acordo com a mesma fonte, em Lisboa existem cerca de 50 mil estudantes deslocados, sendo que, em julho estavam disponíveis apenas 2768 quartos para arrendamento.
“Um estudante tem de pensar três, quatro, cinco vezes, antes de tomar a decisão de ir para a faculdade considerando os custos de suporte”, afirma o presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa - FCSH -, Guilherme Vaz.
Já depois de ter conhecimento que tinha ficado colocado em Lisboa, André recorda que o processo para saber se tinha lugar numa residência de estudantes foi rápido, algo que sabe não acontecer assim com tanta frequência. Após insistência da mãe de André e de um pedido para acelerar o processo por se tratar de um aluno deslocado da Madeira, o jovem recebeu uma chamada no próprio dia a pedir que estivesse na faculdade pelas 08h00 do dia seguinte. Teve apenas tempo de marcar viagem, preparar as malas e embarcar.
André ficou a viver num quarto privado, o mesmo onde ainda agora está, na Residência Ventura Terra no Campus da Ajuda, da Universidade de Lisboa. Paga cerca de 89 euros por mês. As boas condições da residência, na altura a estrear, e o facto de um colega um ano mais velho viver no mesmo edifício facilitaram a adaptação de André a uma nova casa.
“Estudar no Ensino Superior é uma questão de luxo e não de querer ou não querer. Quem está no Ensino Superior sofre muito por poder conseguir continuar. Por isso mesmo, as taxas de abandono escolar aumentaram”, acrescenta o presidente Guilherme Vaz, também ele aluno deslocado do Algarve. À associação de estudantes da FCSH, desde as férias de verão, chegam diariamente pedidos de ajuda sobre os processos de obtenção de bolsas e a questão do alojamento.
A dificuldade de acesso ao alojamento entra nas contas das candidaturas ao Ensino Superior. Este ano entraram na primeira fase de ingresso menos 6064 mil estudantes, isto é, menos 12,1% em relação a 2024. Dos quase 50 mil candidatos, cerca de 43 mil foram colocados numa instituição de ensino superior pública.
No presente ano, André teve de fazer uma escolha. Entre o mestrado em Política Social na faculdade onde tirou a licenciatura ou mestrado em Ciências Policiais e Segurança Interna que faz parte da Polícia de Segurança Pública - PSP, o jovem teve de optar pelo primeiro, isto porque a segunda instituição não tem parceria com entidades públicas de residências. E sem residência, não podia continuar em Lisboa.
“Tinha médias, mas tive de ver o que podia fazer. Sem residência não havia hipótese”, afirma o estudante.
Para Maria Silva ir estudar para Lisboa foi uma escolha óbvia. Deslocar-se diariamente de transportes públicos de Sines até ao Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa – ISCSP -, onde ingressou em Sociologia, não era fazível, porque demorava cerca de três horas para cada lado, e na capital não iria pagar alojamento. Aos custos dos transportes, propinas e gastos do dia-a-dia, eram umas centenas de euros que os pais da jovem não teriam de gastar. Maria ficou a viver na casa dos tios.
“Se não tivesse a oportunidade de ter alojamento em Lisboa, tinha pensado duas vezes se ia estudar para a capital ou fazer uma pausa de um ano para trabalhar e arranjar dinheiro para poder ir estudar ou para Lisboa ou para um sítio mais barato”, conta ao Correio da Manhã.
A futura socióloga partilhou quarto e cama com a prima, cerca de dois anos mais nova. Apesar de muito chegadas e de se considerarem “irmãs”, a adaptação não foi fácil. Maria é filha única e teve que adaptar-se à partilha do mesmo espaço, um espaço que não era seu.
Adaptação do estudante: fácil ou difícil?
O psicólogo Alfredo Leite explica ao Correio da Manhã que durante esta fase é normal que "o jovem oscile entre euforia e desânimo e que se sinta, por vezes, perdido ou ‘fora de lugar’. O cérebro precisa de criar novas rotinas, novos pontos de segurança e novas referências emocionais”. Sono desregulado, alimentação descuidada, isolamento, baixo rendimento académico e mudanças bruscas de humor, são alguns dos sintomas a que o jovem deve estar atento.
Maria sentiu que a vinda para Lisboa “foi uma mudança radical” na sua vida. Houve momentos em que se foi mais abaixo e receios que invadiram os seus pensamentos. Nunca hesitou em falar com os pais.
“Ligava aos meus pais todos os dias quando achava que não ia conseguir por causa dos exames e avaliações que eram todos em cima uns dos outros. Depois havia a situação de não estar em casa, no meu espaço. Eles ajudavam-me a acalmar”, diz Maria. Com os telefonemas, Maria ultrapassava a distância física que os separava e aos fins de semana, sempre que possível, rumava até Sines. Manter a ligação a casa é o melhor conselho que a jovem, agora com 21 anos, tem para dar aos caloiros.
Sobre a idas a Ourém, Matilde Bernardo afirma que vai depender do dinheiro que lhe sobrar ao longo do mês para gastar nas viagens. Por enquanto, o "único medo que tem é chumbar". Não fez nada de especial para se preparar para esta nova fase, apesar do tema ser bastante falado em casa. Considera que "está preparada porque os pais sempre lhe deram liberdade para gerir as coisas" e pode contar com eles para a ajudarem nesta mudança.
Para uma boa adaptação, o especialista em psicologia educacional e desenvolvimento de competências socioemocionais, refere que existem recomendações que podem ajudar: "criar uma rotina mínima de sono, alimentação e estudo; encontrar um grupo de pertença, seja num núcleo académico, num clube desportivo ou numa associação cultural; manter contacto regular com a família, não só para contar sucessos, mas também para partilhar dificuldades; aprender noções básicas de gestão financeira e de tarefas domésticas antes de sair de casa; ter a coragem de pedir ajuda quando se sente que algo não está bem".
Segundo Alfredo Leite, os pais têm um papel importante nos momentos que antecedem a partida dos filhos: "Devem ensinar competências práticas (cozinhar, gerir dinheiro, organizar o dia) e criar uma relação de confiança que permita ao filho pedir ajuda sem medo de julgamentos".
Quanto às tarefas domésticas, Maria Silva chegou a prestar ajuda aos tios. Havia dias que era ela quem fazia o jantar e ia buscar as primas à escola. André também vinha preparado de casa. Gosta de cozinhar e está sempre pronto para limpar, aliás, irrita-se na residência quando “os putos de 18 anos não sabem fazer nada”. Já chegou a estar em reuniões com os serviços de ação social onde, juntamente com outros jovens, propôs a criação de palestras nas residências estudantis com formação sobre gestão financeira e competências de cozinha. Acredita que estas aprendizagens são fundamentais para quem inicia o percurso académico no Ensino Superior. Nunca mais se esqueceu do que a família lhe disse quando se mudou para Portugal Continental: "Não gastes dinheiro desnecessariamente".
O psicólogo considera que os pais devem "manter contacto frequente, mas respeitar o espaço do jovem. Perguntar como está sem transformar cada conversa numa auditoria".
Na faculdade de André e em mais três instituições de ensino do Polo Universitário da Ajuda, em Lisboa, foi criado um GAP - Gabinete de Apoio Psicológico - com duas psicólogas para darem acompanhamento aos jovens. O apoio era gratuito e, segundo André, na altura elemento de uma das associações de estudantes, a fila de espera era "muito grande".
Tanto Maria como André consideram-se pessoas que têm facilidade em fazer novos amigos. Dizem que foram bem-recebidos na faculdade e aconselham os estudantes a experimentar as praxes e a participar ativamente nas atividades organizadas pelas instituições de ensino - palestras, associações de estudantes, desporto, festas, entre outros. "Tenham curiosidade", salienta André.
A partir deste mês, a vida de Matilde não voltará a ser a mesma. "Sempre quis isto. Quero muito isto", finaliza a jovem.
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