O “silêncio ensurdecedor” de uma médica que recebeu os corpos dos nove filhos no hospital em Gaza
Apenas um dos filhos e o marido de Alaa al-Najjar sobreviveram ao ataque aéreo israelita.
Alaa al-Najjar, uma médica palestiniana, despediu-se dos dez filhos antes de sair de casa, na sexta-feira, como fazia todos os dias. Mas este não foi um dia como os outros e aquela foi a última vez que disse ‘adeus’ a nove das crianças.
Com a guerra em Gaza e os bombardeamentos israelitas a aterrar a poucos metros de Khan Younis, na Palestina, deixar os filhos sozinhos em casa era algo que preocupava Najjar, segundo o jornal The Guardian.
Mas não havia muitas opções para a mulher de 35 anos. Alaa al-Najjar, pediatra no complexo médico de Nasser, tinha de trabalhar para cuidar das crianças feridas que sobrevivem, por pouco, aos ataques de Israel.
Algumas horas depois de sair de casa, sete pequenos corpos de crianças mortas pelo ataque aéreo israelita em Khan Younis, chegaram ao hospital. Eram os filhos de Alaa. Das dez crianças, duas ficaram debaixo dos escombros e apenas uma sobreviveu, juntamente com o pai, Hamdi al-Najjar. Ambos estão internados.
“É uma das tragédias mais devastadores desde o início do conflito”, afirmou Mohammed Saqer, chefe de enfermagem do hospital de Nasser. “E aconteceu a uma pediatra que dedicou a vida a salvar crianças, apenas para ver a própria maternidade roubada num momento de fogo e silêncio ensurdecedor”, acrescentou.
“Quando ouvi que a casa tinha sido bombardeada, instintivamente corri para o meu carro e fui para o local, pois sabia que o meu irmão e os filhos estavam lá dentro”, começou por contar o irmão de Hamdi, Ali al-Najjar.
“Encontrei o meu sobrinho Adam, que sobreviveu, deitado na estrada debaixo dos escombros. Estava coberto de fuligem, as roupas estavam quase rasgadas, mas a alma ainda estava dentro dele. O meu irmão estava deitado no outro lado, a sangrar muito da cabeça e do peito, e o braço decepado. Ele ainda estava a respirar com dificuldade”, recordou o irmão descrevendo o cenário de horror a que assistiu.
Ali al-Najjar chamou a equipa médica e trouxe os dois sobreviventes para o hospital. De seguida, foi procurar os nove sobrinhos desaparecidos.
“Comecei a procurar à volta da casa, na esperança de encontrar alguma das crianças, porque assumi que a bomba os pudesse ter projetado para fora de casa”, prosseguiu o cunhado da pediatra.
“Mas depois, infelizmente, apareceu o primeiro corpo carbonizado”, afirmou Ali.
Os restantes corpos foram encontrados, depois do fogo ter sido extinto, “alguns mutilados e todos estavam queimados”.
A mãe correu imediatamente para casa e chegou no momento em que os socorristas estavam a retirar o corpo da filha Revan dos escombros. Em lágrimas, Alaa al-Najjar pediu que a deixassem segurar a menina uma última vez.
“O corpo [de Revan] estava completamente queimado na parte de cima. Não restou nada da pele ou carne”, disse Ali.
Os corpos do filho mais velho de 12 anos, Yahya, e da menina de seis meses, Sayden, ainda não foram encontrados.
Segundo testemunhas do hospital que transferiram os corpos das crianças um por um para a morgue, as queimaduras foram tão graves que a própria mãe não conseguiu identificá-los.
“Alaa foi à morgue, segurou os filhos nos braços, recitou-lhes o Alcorão e rezou por eles”, disse Ahmed al-Farra, diretor da ala de pediatria do hospital de Nassar. “As outras médicas à volta dela desabaram de tristeza e raiva, mas Alaa permaneceu serena. Deus enviou paz ao seu coração”, contou o diretor.
Depois das crianças terem sido sepultadas, a mãe dirigiu-se de imediato ao hospital para cuidar do filho e do marido.
“O marido sofreu várias lesões - danos cerebrais e fraturas causadas por estilhaços, além de feridas por estilhaços e fraturas no peito. A condição do filho é relativamente melhor – os ferimentos variam entre os moderados e os graves”, explicou o diretor do hospital.
“Ela estava preocupada constantemente com os filhos, quando estava no hospital. Assim que ouviu que uma casa tinha sido bombardeada na vizinhança de Qizan al-Najjar, o coração de mãe sentiu que algo estava errado”, disse Farra.
As crianças chamavam-se Yahya, Rakan, Ruslan, Jubran, Eve, Revan, Sayden, Luqmen e Sidra.
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