"Tocou-me os olhares perdidos": Enviado da CMTV à Ucrânia regressa a Portugal após um mês na guerra

Alfredo Leite assistiu de perto à destruição e ao desespero dos refugiados que perderam tudo após a invasão russa.

14 de abril de 2022 às 01:30
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O jornalista Alfredo Leite, enviado especial do Correio da Manhã à Ucrânia, esteve no palco de guerra durante mais de 30 dias. De volta a Portugal, dá testemunho da tragédia que presenciou.

– Como descreve este mês de trabalho na Ucrânia?

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- Foram dias muito intensos, nos quais assisti a situações diversas. Vi corpos em valas comuns, vi cidades destruídas após serem barbaramente atacadas, vi a frente russa, que também teve mortes... É intenso porque os mortos, como o devido respeito, já morreram, não há nada que se possa fazer por eles a não ser as autoridades investigarem as causas da morte, e os refugiados estão vivos e tocou-me a indefinição que tinham no olhar. Tocou-me mesmo muito os olhares perdidos de quem não sabe o que vai ser o futuro.

- Qual foi a situação mais difícil pela qual passou?

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- Foi em Kharkiv. Era uma cidade que estava a ser bombardeada quando eu lá estava e foi onde fui à frente russa. Além disso, quando cheguei, não havia hotéis, sítios para dormir. Então fiquei em casa de uma família arménia. Lá, o recolher obrigatório era às 18h00 e assim que chegávamos a casa blindávamos as janelas para não sair luz para o exterior. A senhora da casa, Tetyana Avetisyan, tocava Chopin ao piano à noite. Havia as bombas, aquela escuridão toda, e uma pessoa a tocar piano. Era meio estranho mas muito intenso. Foi também aí que encontrei um ucraniano que falava português. Tinha trabalhado 10 anos em Ponte de Sor. Um homem equilibrado do ponto de vista da propaganda da guerra porque a guerra tem sempre dois lados e nenhum deles é limpo. E o Evgeni Goncharov tinha essa lucidez de ler os meios ucranianos e ligar uma VPN para aceder também aos meios russos.

- A esse nível, considera que há muita desinformação sobre esta guerra?

- Nós, os jornalistas, só sabemos aquilo que a Ucrânia quer mostrar. O que nós vimos em Bucha, que aparentemente é um ataque brutal dos russos contra civis ucranianos, só o pudemos testemunhar depois das autoridades terem aberto a cidade e de a terem ‘preparado’ para os jornalistas ocidentais irem lá. Portanto, uma guerra não tem só dois lados sujos no campo de batalha, tem também no campo da propaganda. E propaganda é propaganda. Não há boa, nem má. É uma ferramenta para fazeres valer o teu ponto de vista e muitas vezes te vitimizares. Por isso é que os ucranianos dizem que é um genocídio e os russos dizem que nem sequer atacaram alvos civis, o que obviamente é uma mentira grosseira porque nós vimos o que é que os russos atacaram.

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- Por outro lado, a Rússia bloqueou a informação...

- Sim. Mas na Ucrânia também há bloqueios. Não podemos chegar à hora que queremos onde queremos. Éramos condicionados pelas autoridades sempre com o argumento, que pode ser verdadeiro ou falso, da segurança.

- Teve medo de morrer?

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- De morrer não. Mas devemos ter sempre medo para nos podermos proteger de impulsos que possamos ter de querer ir mais além. Não vale tudo para ter uma história. O objetivo é ter uma história, mas viver para contá-la.

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