Vinda da Ucrânia, a mulher tinha o marido, Glib Afendyk, à espera no Porto. Só pensam regressar quando o país for livre.
Aos 26 anos, Maryna Snizhynska chegou, sexta-feira, a Portugal como refugiada, fugida da guerra na Ucrânia, e trouxe o gato, esperança, um "enorme orgulho" no povo ucraniano, mas também "sonhos desfeitos", medo e "muita culpa por estar a salvo".
À espera tinha o marido, Glib Afendyk, 36 anos, estudante de doutoramento na Universidade do Porto e na cidade desde setembro. Não pensa voltar à pátria para pegar nas armas, admite que não é um herói, mas promete "lutar como puder e ajudar como conseguir" a partir de Portugal.
Em entrevista à Lusa, o casal confessou que embora soubessem que a guerra era uma possibilidade, não queriam acreditar que fosse "realmente acontecer".
Mas aconteceu: "Há uma guerra real na Ucrânia, não é um mero conflito, e em causa está muito mais do que a Ucrânia", alertam, admitindo que eram felizes e nem o sabiam.
"O exército russo invadiu a Ucrânia e está a bombardear as nossas cidades, a matar a nossa gente. Nós sabíamos que a guerra era possível mas não acreditávamos que pudesse acontecer, que alguém invadisse o nosso país com um exército pavoroso, com armas pavorosas e matasse os nossos civis. Mas aconteceu e a Ucrânia sangra a cada dia", explica Maryna, de voz trémula, braços cruzados, mas não resignada.
"Nós vamos lutar, não vamos desistir, o nosso exército não vai desistir. Havemos de vencer, eu quero acreditar que sim, mas precisamos de ajuda", diz, afirmando que "as sanções económicas impostas à Rússia não vão ajudar a Ucrânia no imediato e é agora que há gente a morrer".
Questionado sobre se sentem que a Ucrânia está sozinha, a resposta do casal tarda. "Temos apoio da Europa, dos Estados Unidos, palavras de conforto, as sanções à Rússia. Mas a nível estratégico, militar, na guerra, estamos", responde, calma, pausada e cautelosamente, Glib.
"Ainda ontem a NATO recusou fechar o espaço aéreo da Ucrânia. Isso é muito mau para nós. A Ucrânia não tem como ganhar esta guerra sozinha. A Ucrânia vai lutar, vão morrer milhares de pessoas, mas não temos hipótese sem ajuda. A Rússia tem uma enorme força só pelo ar. Se a NATO fechasse o céu, tínhamos algumas hipóteses, assim não", explicou.
Maryna estava na Polónia quando a Rússia invadiu, "sim, é uma invasão", a Ucrânia. Foi para aquele país vizinho por insistência do marido: "Ele praticamente obrigou-me a ir, achava que a guerra ia começar, mas eu achava que não. Fiz uma mala para 15 dias e levei o nosso gato, mas tinha bilhete para regressar à Ucrânia. Já não o usei", admite.
De olhar cansado, Maryna conta que nos primeiros dias de guerra, as histórias que ouviu de quem fugia relatavam "um caos total", e remanescências dos anos 40: "Pessoas que viajaram 22 horas de pé em comboios atulhados de gente, animais e bagagens a serem atiradas pelas janelas para que mais pessoas pudessem entrar", conta.
Na Ucrânia ficaram os pais e amigos do casal. "Não saíram. Uns não quiseram, outros já não conseguiram. Ficaram e dizem que vão lutar", explica Glib. "Há muitos ucranianos a voltar para lutar. Eu não vou voltar. Não sou um herói e sei que não ia ajudar em nada lá, seria mais uma baixa", diz, como que se justificando sem que nada lhe tenha sido perguntado.
Ambos admitem sentir culpa: "Nós estamos a salvo. Eu sinto-me culpada por estar noutro país a salvo enquanto milhares estão a sofrer, é algo comum a todos os que fugiram mas também àqueles que estão lá mas em zonas mais pacificas", diz Maryna, com Glib a concordar com a cabeça.
Nenhum entende o porquê desta guerra: "Não há justificação. O Putin não está a salvar nenhum falante russo de opressão. Eu sou falante russo, cresci num ambiente de cultura russa mas sou ucraniano e nunca ninguém me fez mal por falar russo. Isso é falso", salienta Glib.
Maryna diz que sabe falar russo. "Mas não falo. Falo ucraniano e os meus filhos hão de falar ucraniano. A Rússia nunca quis que existíssemos, não gostou que a Ucrânia se virasse para a Europa, mas foi o que aconteceu. Vivemos sob o domínio russo durante muitos anos mas agora somos ucranianos, europeus, não somos russos", afirma.
Glib levanta-se e vai buscar o gato, preto e de olhos amarelos, muito abertos. O felino mostra-se com medo, assustado e depressa foge. "Ele ainda não sabe muito bem o que lhe aconteceu. Nem nós", confessa Miryan, entre sorrisos.
Sobre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o casal diz em uníssono: "É um herói nacional" e, depois de uma pausa, Miryan explica: "Não foi o presidente em quem votamos. Ele não era muito popular nos meios universitários e no meio intelectual, mas agora é visto como um herói por todos. Ganhou o nosso respeito e a nossa admiração. É forte, tem mantido a calma e é muito assertivo", admite.
E se o casal sente que a Europa "e quase todo o mundo" estão do lado da Ucrânia, sobre o povo russo há mais dúvidas: "Pelo que vejo nas redes sociais há muito russos a apoiar esta guerra, mas também há muita gente presa por não apoiar. Para já acho que os russos estão mais preocupados com a saída do Ikea do país do que com os milhares de ucranianos que estão a morrer", considera Glib.
Querem os dois voltar para a Ucrânia no futuro, dizem que podem "ser úteis" na reconstrução do país deles. Mas só voltam para uma Ucrânia livre.
"Só conseguimos voltar se for para um país livre. Quando ganharmos a guerra. Não para uma Ucrânia ocupada. Não podemos ter uma Ucrânia ocupada", dizem, com medo.
A Rússia lançou, na madrugada de 24 de fevereiro, uma ofensiva militar à Ucrânia e as autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças. Segundo a Organização das Nações Unidas, os ataques já provocaram mais de 1,2 milhões de refugiados.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas para isolar ainda mais Moscovo.
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