Israel vinga-se do ataque do Hamas, destrói e mata em Gaza e isola-se do mundo.
Quando Pérola Gaz ouviu a sirene de ‘alerta vermelho’, que em Israel quer dizer refugiar-se rapidamente e sem hesitações num ‘bunker’, cumpriu o protocolo pensando tratar-se de um vulgar ataque de baixa intensidade vindo da Faixa de Gaza. Afinal, quem vive nos ‘kibutz’ do Negev, no sul de Israel, junto ao encla- ve palestiniano, habituou-se há muito às ofensivas mais ou menos violentas do Hamas. Esta, em pleno sabat judaico, seria apenas mais uma. Só que, a 7 de outubro, foi tudo muito diferente.
O dia estava a nascer soalheiro na comunidade agrícola do Be’eri. A insistência do ‘alerta vermelho’ e a anormal barragem de foguetes vindos do outro lado da enorme cerca metálica alertou os moradores. O caos instalou-se no ‘kibutz’ quando começaram a ouvir-se rajadas de metralhadora demasiado perto das moradias e gritos, em árabe, à grandeza de Alá. Foi assim no Be’eri e, soube-se depois, em toda a região sul do território israelita.
Numa ação sem precedentes desde a guerra do Yom Kippur, cerca de 1500 operacionais do grupo extremista Hamas, cuja fação política governa a Faixa de Gaza, ousaram rebentar, com o recurso a explosivos e buldózeres, a cerca metálica que isola o densamente povoado e pobre território palestiniano. A invasão do Estado de Israel, cujo direito à existência o Hamas não reconhece, foi feita por terra, com pick-ups e motas. Pelo ar, em inusitados parapentes motorizados. E por mar, em embarcações improvisadas. O Estado judaico nunca tinha visto nada igual e, aparentemente, foi apanhado de surpresa. No ataque palestiniano foram mortas 1300 pessoas, feridas cinco mil e quase duas centenas e meia feitas reféns. Só no festival de música eletrónica Supernova – cuja multidão indefesa terá surpreendido até os radicais islamitas – foram mortas mais de 300 pessoas e feitas dezenas de reféns.
Apesar de conhecer os riscos de ter escolhido viver – e quase morrer – junto à faixa de Gaza, a brasileira Pérola Gaz admite nunca ter imaginado "que um massacre como este pudesse ter acontecido". Sobrevivente à ofensiva do Hamas, juntamente com as duas netas menores, com quem permaneceu 20 horas no ‘bunker’ de casa, à espera do pior, a antiga professora admite ter "voltado a viver" quando finalmente terminou o pesadelo que nunca imaginou.
Onde estava a ‘secreta’?
Se a investida do Hamas – apoiada com logística e armas do Irão – surpreendeu os israelitas vizinhos de Gaza, maior ainda terá sido a surpresa com que ela apanhou a sofisticada ‘inteligência’ de Israel e as bem treinadas e equipadas tropas, normalmente em estado de prontidão naquela zona de conflito permanente.
O que terá então falhado para que o Hamas entrasse em Israel, abrindo fogo sobre comunidades e pequenas cidades, junto a Gaza, sem resistência? Várias foram as teorias, algumas conspirativas, para explicar o fracasso defensivo israelita. Em tempo de guerra, o tema está em suspenso, mas não tardará a voltar à ordem do dia da complexa política de Israel.
Após os ataques de 7 de outubro era mais do que certo que o Estado judaico, ferido nas muitas baixas e, também, no seu orgulho, ia retaliar na Faixa de Gaza. Com a promessa de ‘olho por olho, dente por dente’, por terra, ar e mar, as forças armadas reduziram rapidamente a escombros o norte de Gaza, visando infraestruturas do Hamas, nomeadamente a famosa rede de 500 quilómetros de túneis que, segundo Israel, cruzava hospitais, escolas e mesquitas. Os ataques forçaram o êxodo para sul, mas não tardou até que Israel bombardeasse também Khan Yunis. Em poucas semanas, Israel estendeu a guerra a todo o território de Gaza, deixando a população entre a sua espada e a parede que é a fronteira com o Egito.
Faixa de Gaza arrasada
Com perto três meses de guerra, os números avançados pelo Hamas apontam para mais de 20 mil mortos palestinianos, 70% dos quais serão mulheres e crianças. Não se sabe quantos operacionais do grupo radical foram mortos, mas sabe-se que as infraestruturas básicas de Gaza, nomeadamente abastecimento de água e luz não funcionam. Os hospitais operam de forma desumana, sem equipamentos ou medicamentos. A ajuda humanitária é irrisória para as necessidades. As doenças disparam e a fome também, diz a Organização das Nações Unidas que tem apelado, em vão, a um cessar-fogo que vá para além das pausas militares para efeitos humanitários. A ação que Israel diz ser para a destruição do cérebro do Hamas, mas que os críticos do Estado judaico dizem ser uma operação de extermínio do povo palestiniano em Gaza, tem encurralado milhares de inocentes.
A pressão internacional aumenta de dia para dia e é particularmente forte a partir de Washington, onde o apoio de Joe Biden a um massacre em Gaza tem sido fortemente criticado nas ruas precisamente pelo eleitorado democrata. Uma sondagem realizada pelo diário ‘The New York Times’, em meados de dezembro, revelava uma maioria das intenções de voto nas presidenciais para Donald Trump. A quebra de popularidade de Biden junto dos democratas – os maiores apoiantes da causa palestiniana – fez soar os alarmes na recandidatura do atual Presidente e não será de estranhar que, a seguir, se assista a um aligeirar do apoio dos EUA à fúria israelita em Gaza.
Na Europa, crescem também os sinais de contestação à ofensiva de Benjamin "Bibi" Netanyahu, suportado por um conveniente Governo de ‘unidade nacional’ constituído após 7 de outubro no âmbito da coligação ultraortodoxa no poder. Apesar desta circunstância, Bibi continua a perder influência interna na luta contra o Hamas e poucos acreditam que consiga levar o mandato até ao fim. A morte em Gaza, às mãos soldados judaicos, de reféns israelitas empunhando bandeiras brancas reforçou as críticas à forma como esta guerra tem sido conduzida. E, sobretudo, à falta de uma estratégia relativamente ao pós-guerra em Gaza. Nomeadamente quanto à fórmula de governo para o território, que Israel já disse recusar entregar à Autoridade Palestiniana, no poder na Cisjordânia. Aliás, mais além da resolução da recente crise coloca-se na ordem do dia, mais uma vez, a construção dos alicerces que possam levar um difícil entendimento na região. A constituição de dois Estados – Israel e Palestina – é, por exemplo para Joe Biden, o caminho a seguir. O Presidente francês, Emmanuel Macron, afina pelo mesmo diapasão, no que é acompanhado por tantos outros líderes mundiais e até árabes.
Tolhidos pelo ódio, não será tarefa fácil sentar à mesa das negociações israelitas e palestinianos a discutir a criação de dois Estados. Mas, para a paz, dificilmente haverá outra alternativa quando o conflito em Gaza terminar.
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