A ameaça silenciosa da Xylella Fastidiosa
Leia aqui o suplemento do Dynamic Lab sobre o maior problema fitossanitárioda Europa, que está às portas de Portugal.
Ainda não chegou a Portugal, mas os especialistas dizem que não há como evitar a entrada desta nova praga na nossa agricultura. Mais do que isso, asseguram que se trata da maior ameaça fitossanitária de toda a Europa. Falamos da "xylella fastidiosa", que há vários anos põe a cabeça em água aos agricultores da Itália, França e Espanha.
Trata-se de uma bactéria, dissemina-se através de insetos e multiplica-se em camadas, produzindo uma espécie de cola. Com a progressão da doença, os vasos vão ficando bloqueados, acabando esse bloqueio por impedir que a planta receba da raiz os nutrientes necessários. Em Portugal, há 73 espécies arbóreas suscetíveis de serem contaminadas, e esta doença não tem cura.
A "ameaça silenciosa", que já tem longo historial na América, nomeadamente nos amendoais da Califórnia, e que entrou na Europa através da região de Apúlia, em Itália, foi tema de debate em Évora, no último Dynamic Lab do Prémio Nacional de Agricultura.
Moderado pela jornalista da CMTV, Andreia Vale, o debate juntou Ana Paula Carvalho, Subdiretora-geral de Alimentação e Veterinária, Blanca Landa del Castillo, investigadora científica do Instituto de Agricultura Sostenible de Córdoba, Francisco Pavão, vogal da direção da CAP, Maria Rosário Félix, professora auxiliar do Departamento de Fitotecnia da Universidade de Évora, Pepe Ocaña, gerente da Oleum Universalis e Pedro Siragusa Oliveira, diretor do Centro de Empresas do Alentejo do BPI.
No essencial, ficou claro que estamos perante um problema grave, que não sabemos como enfrentar. Uns defendem, para países ou regiões onde a bactéria ainda não chegou, como é o caso de Portugal, propostas radicais, como cortar tudo num raio de cem metros, mal apareça o primeiro sinal, outros sugerem uma atitude mais moderada, aprendendo, como acontece na Califórnia, a conviver com a doença.
Drama económico
A xylella ataca espécies tão importantes como videira, amendoeira, pessegueiro, citrinos e oliveira. Podemos estar perante um drama económico.
Atenção à importação
A importação de plantas, nomeadamente ornamentais, é a forma de transmissão entre regiões distantes.
Deteção complicada
O aparecimento de manchas castanhas a contornar as folhas pode ser um sintoma. Mas a deteção da xylella a olho nu é uma tarefa muito complicada.
Informação de casos suspeitos é obrigatória
O aviso é claro e foi deixado no ‘Dynamic Lab’ de Évora do Prémio Nacional de Agricultura pela subdiretora-geral da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária: "Em Portugal, os agricultores têm de comunicar os casos suspeitos. Quem não o fizer está sujeito a coimas. Isto vale para agricultores, jardineiros, hortos ou municípios."
A questão é mais premente do que parece. É que dar conta da existência de xylella fastidiosa numa plantação implica o corte de toda a vegetação num raio de cem metros e a proibição de, no prazo de cinco anos, plantar naquele local espécies suscetíveis de serem contaminadas. Ou seja, comunicar às autoridades a existência da doença significa, à partida, um avultado prejuízo.
Ana Paula Carvalho assegura que "a União Europeia está a negociar os critérios para compensar os agricultores dos Estados-membros", mas revela que "ainda não estão definidos os montantes".
Sabe-se que em Espanha, por exemplo, quando uma exploração tem de ser destruída por causa da xylella, a indemnização é paga metade pela União Europeia, 25 por cento pelo Ministério da Agricultura e os outros 25 por cento pelo governo regional. Quanto a Portugal, nada se sabe, pelo que não será fácil para um agricultor alertar para a existência da doença.
A subdiretora-geral de Alimentação e Veterinária lembra que "tentar esconder só agrava o problema" e adverte para a necessidade de encarar a questão "com muita seriedade".
"Estamos perante o maior problema fitossanitário da Europa. O Ministério da Agricultura tem um plano definido para tentar impedir a entrada da doença e um programa de prospeção no terreno", diz Ana Paula Carvalho.
"O melhor caminho para o ataque à xylella é a aposta na investigação científica"
"Não há nada que possa fazer-se para tratar plantas infetadas quando se trata de bactérias. É o caso da xylella fastidiosa." Maria Rosário Félix, professora auxiliar do Departamento de Fitotecnia da Universidade de Évora, não tem dúvidas de que, "perante esta situação, o melhor caminho é o reforço da aposta na investigação científica".
Em Portugal, ao contrário do que acontece, por exemplo, em Itália, as universidades não podem trabalhar diretamente com as bactérias, uma vez que essa competência está reservada ao INIAV. Mesmo assim, os departamentos de investigação não desistem de dar o seu contributo.
"Não podemos realizar testes concretos, como faz, por exemplo, a Universidade de Bari, mas, dentro das limitações que nos impõem, investigamos e tentamos ajudar à resolução deste grave problema", diz Maria Rosário Félix.
Esta investigadora assegura que a convivência com a doença "é muito cara e difícil" e não tem dúvidas de que, "se a xylella chegar a Portugal, os agricultores vão sentir graves impactos económicos".
"O certo é tentar erradicar, como se faz num cancro"
Como agir perante uma doença incurável que se transmite através de insetos? Esta é a questão a que os cientistas tentam dar resposta, mas que divide as opiniões de quem se confronta ou pode vir a ser confrontado com a xylella fastidiosa.
Para Blanca Castillo, investigadora do Instituto de Agricultura Sostenible de Córdoba, "o melhor é tentar erradicar, cortando o mal pela raiz, como se faz num caso de cancro".
"Na Califórnia, os agricultores convivem com a doença, porque ela já lá existe há mais de 30 anos. Mas numa situação como a portuguesa, deve fazer-se todos os esforços para evitar a sua entrada ou, pelo menos, retardá-la o mais possível", disse a investigadora.
De resto, Blanca Castillo adiantou que estão a ser testadas 200 variedades de oliveira para ver se há alguma que resista à doença.
Exigido grupo de combate à xylella
Se o País está com medo, os agricultores estão apavorados. A xylella fastidiosa, dizem os especialistas, vai, mais dia menos dia, chegar ao território português e o mais certo é que, por causa da doença e das medidas de contenção que estão previstas, centenas de agricultores e viveiristas estão condenados à falência.
"Qual é o agricultor que tem coragem de dizer que a xylella chegou à sua plantação, sabendo que a consequência é o corte de todas as árvores num raio de cem metros e nada poder fazer na sua terra?", pergunta Francisco Pavão, vogal da Confederação dos Agricultores de Portugal.
No Dynamic Lab de Évora, o dirigente e produtor de azeite criticou a "postura radical" das autoridades sanitárias, referindo que "há muito a fazer antes de se criarem nos gabinetes determinações sem possibilidade de aplicação prática".
"É lamentável que ainda não tenha sido criado um grupo operacional que se dedique à questão da xylella e, em nossa opinião, urge perceber como se faz na Califórnia, onde os produtores de amêndoa convivem com esta doença há mais de 30 anos", disse.
Francisco Pavão lembrou que, só em Trás-os-Montes, há 37 mil explorações, a maioria de olival ou amendoal, duas das espécies suscetíveis de serem contaminadas pela xylella. "Se a doença for detetada, o produtor fica sem nada", avisou.
Para este dirigente associativo, é necessário apontar a outros caminhos. "Temos o nemátodo do pinheiro, a flavescência dourada na vinha ou, mais recentemente, a vespa da galha do castanheiro, e nunca houve determinações drásticas. Acho que devemos ponderar", concluiu Francisco Pavão.
"Arrancar tudo não resolve nada. É só para dar prejuízo"
José Luis Gonzalez Ocaña, conhecido no meio como Pepe Ocaña, é engenheiro agrónomo pela Universidade de Córdova, especializado em Fitotecnia e conta com diversas colaborações com a Universidade de Évora e com a Universidade Internacional da Andaluzia. Sabe, portanto do que fala, quando vaticina que "as medidas de prevenção e contenção que estão previstas não terão utilidade nenhuma".
"Só se fala em prevenção, contenção ou combate, mas ninguém tenta perceber qual a melhor forma de convivermos com a doença", afirma o empresário, acrescentando que "arrancar tudo não resolve nada. É só para dar prejuízo".
Manifestando concordância com Francisco Pavão, realça que "é muito importante analisar o caso da Califórnia e verificar até que ponto a convivência com a doença não será a melhor forma de a enfrentar".
Nessa perspetiva, Pepe Ocaña sugere "um reforço efetivo da investigação, mas sobretudo com o objetivo de encontrar variedades resistentes à doença, de modo a que possamos ir renovando as plantações".
"O BPI quer manter posição de liderança na Agricultura"
Atento ao andamento da agricultura portuguesa, nas suas virtudes e nos seus problemas, o BPI marca presença ativa nos grandes fóruns de debate e é parceiro do Prémio Nacional de Agricultura, que tem por objetivo distinguir as melhores práticas e os melhores projetos.
"O BPI quer manter a posição de liderança na agricultura", disse, no ‘Dynamic Lab’ de Évora, Pedro Siragusa Oliveira, diretor do Centro de Empresas do Alentejo.
"O setor representa quase seis por cento do PIB nacional, é responsável por 13 por cento do emprego e 14 por cento das exportações. Para além disso, tem crescido a uma média de 40 por cento por ano, pelo que nós, como banco umbilicalmente ligado à terra não podíamos ficar de fora desta iniciativa", afirmou Pedro Oliveira.
Quanto à xylella fastidiosa confessa "natural desconhecimento", mas assegura que "o BPI estará sempre ao lado dos agricultores".
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