Fina Rap: um novo estilo que Princezito pretende perpetuar

Batuque é hoje em dia a expressão cultural mais revigorada em Cabo Verde.

27 de dezembro de 2019 às 00:36
Princezito Foto: Direitos Reservados
Princezito Foto: Direitos Reservados

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O cantor cabo-verdiano Princezito esteve em Lisboa para um concerto no espaço BLeza e falou ao CM sobre o seu percurso artístico. Começou a ter consciência da música enquanto dormia de madrugada.

"Nos intervalos das sonecas ouvia o terreiro do batuque, da 'Txabeta'. Bem longe mas na verdade muito perto. Porque era na nossa casa, no quintal ou na varanda, ou nos arredores. Como era uma criança e me encontrava a dormir, aquilo parecia-me tão longe.", conta o artista, que tem na memória esse batuque.

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Todos os miúdos corriam atrás do som desse batuque da tabanca de Chão Bom, onde se situa o campo de concentração, que fica a quatro quilómetros do Tarrafal de Santiago. Só quando aí chegavam as crianças davam conta que estavam longe de casa. Eram os adultos que as sossegavam e levavam de regresso a casa. Foi a partir dessa altura que se começou a sentir tomado pela música.

Sendo o mais novo da família, sempre contou com a ajuda do seu irmão Mário Lúcio, que já na altura andava a tocar e cantar, a recitar poemas. E do seu irmão mais velho que escrevia poemas em crioulo.

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"Desde muito cedo soube que se podia escrever também em crioulo. Coisa que a maioria dos cabo-verdianos só descobriram vinte ou trinta anos mais tarde. Descobri aos meus sete anos de idade que a minha língua também é 'escrevivel'. Fazia-o em português devido ás influências do Mário Lúcio, e em crioulo por causa das influências do Sérgio, o meu mano mais velho.", recorda o cantor.

Quando chegou á escola começou a escrever os seus próprios poemas. Com latas de azeite, juntamente com os seus amigos, fazia guitarras. Como todos os cabo-verdianos fizeram. Começou então a imitar os grandes cantores. O seu irmão Mário Lúcio estudava na cidade da Praia, e numas férias regressou ao Tarrafal e trouxe consigo um aparelho de som, com colunas desmontáveis onde ouviu pela primeira vez o tema de Paulino Vieira  'N'cria Ser Poeta'.

"Ouvi a música durante a noite, na rua e na lua, e disse: Eu quero fazer esta coisa. Eu quero ser esta coisa." lembra Princezito, para quem o lendário Paulino Vieira é o melhor de todos os séculos da música cabo-verdiana, um dos melhores do mundo. E assim decidiu fazer música.

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Princezito foi estudar para Cuba em 1987, tinha então quinze anos de idade. Ficou muito surpreendido com a riquíssima e respeitada diversidade cultural. Em Cuba descobriu que o folclore e o estilo mais moderno podem coabitar, sendo ambos valorizados, salvaguardados e divulgados. Regressado a Cabo Verde pegou no Batuque e Finaçon e começou a projetar estes estilos para onde hoje se encontram.

"Do século passado até ao século que vem. O Batuque é hoje em dia a expressão cultural mais revigorada em Cabo Verde. Isso dá-me uma satisfação tremenda, porque o passado se está a manifestar. O 'Finaçon' é a poesia popular de Cabo Verde, é muito antiga, é a mãe do Rap. Foi herdada do continente, onde é conhecido por Griot, e em Cabo Verde como Finador ou Cantador.", declara Princezito.

O cantor do Tarrafal quer agora atrair os jovens para o Finaçon. Para isso usa um truque. "Como os jovens não vão ter com o Finaçon, o 'Finaçon vai ter com o Rap, uma vez que são estilos muito parecidos. São feitos jogos,  Improvisos, ou Free Styles. Os jovens já se começam a interessar. Já tenho projetos feitos com Ga da Lomba, C K Las, Ngunda, no prelo tenho Hélio Batalha, Big Z, Loreta, o Bispo. Penso reencontrar-me com os rappers e fazer-lhes um desafio. Porque os rappers são os únicos que podem cantar o Finaçon com facilidade, e já começou a pegar", diz Princezito com determinação e esperança. E acrescenta "se formos ver, a Morna, há quinze, vinte anos praticamente não se escutava em Cabo Verde na comunidade juvenil.

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Hoje em dia está na boca do mundo. O Batuque também já estava em agonia, e hoje em dia está na boca do mundo. Quem sabe o Finaçon há-se estar também. Porque é a poesia popular. O nosso 'Style'. A nossa forma de ser, de estar, de pensar na oralidade. Espero que os jovens se apropriem disto, para que se possa perpetuar no tempo."

"Eu canto Hip Hop, eu canto Rap. Não canto tão bem. Eles não cantam tão bem o Finaçon. Estamos nessas negociações para ver se trocamos conhecimentos. Todos os rappers que contactei ficaram muito felizes com esta ideia, pois sempre sentiram que havia algo próximo entre o Batuque e o Rap." informa Princezito, que com este apoio pretende perpetuar um novo estilo, o Fina Rap. Considera ser um estilo ultra moderno que se vai ouvir nos festivais, juntando o passado com o futuro.

Pincezito entende que o cabo-verdiano não sabe muito bem quem foi. Por ter vindo de vários pontos, convergindo num povo. Confuso e com a necessidade de debater o que realmente é. Um país com poucas coisas materiais, mas com muitas coisas imateriais. Como a Morna que é hoje Património Imaterial da Humanidade.

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Diz o cantor que Cabo Verde ainda tem mais coisas para essa vitrina. Que o batuque, que vai ser Património Imaterial da Humanidade com a maior tranquilidade possível. "Há uns anos atrás não se dava muito valor á cultura. Os pais não gostavam muito que os filhos enveredassem pelo caminho da música. Os músicos em Cabo Verde eram chamados de 'bagos', pessoas que não têm muita coisa a fazer. Mas hoje em dia o cenário mudou um pouco. Uma das mulheres mais famosas do mundo é a Cesária Évora.

Conhecida no mundo através da música. Este Património Imaterial tem um sabor, um sabor efeminado. Porque graças à Cesária tivemos a notoriedade que temos na Morna." conclui o cantor  que acredita que Cabo verde ainda tem muitas coisas para serem descobertas e levadas para o mundo.

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