Tempestade DANA fez mais de 200 mortos e deixou um rasto de destruição que está longe de ser apagado.
Tempestade DANA fez mais de 200 mortos e deixou um rasto de destruição que está longe de ser apagado.
Passaram-se 31 dias desde que, no fatídico 29 de outubro, a intensidade da tempestade DANA apanhou Espanha de surpresa, semeando o caos e a morte. Mais de duas centenas de vidas perdidas, quilómetros de ruas repletos de água e lama, a dor de ver destruído o que levou uma vida a erguer. Um mês depois, as buscas foram feitas, as limpezas realizadas e as estradas reabertas. Mas a vida, essa, ainda está longe de voltar ao normal.
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Um ano de chuva em apenas oito horas
O que parecia ser mais uma terça-feira de outono chuvoso acabou por transformar-se num dia que Espanha nunca mais irá esquecer. A tempestade DANA (Depressão Isolada em Altos Níveis) trouxe consigo chuvas torrenciais que afetaram em particular as comunidades Valenciana, Castela-Mancha e a Andaluzia. Segundo dados revelados pelas autoridades, há 58 anos que não se registava tanta precipitação no espaço de 24 horas, sendo ultrapassados os 600 litros de água por metro quadrado. A última vez tinha sido a 11 de setembro de 1966.
Em apenas oito horas choveu o que costuma chover num ano inteiro e as consequências não se fizeram esperar. Várias áreas ficaram totalmente inundadas e diversas infraestruturas, como estradas, caminhos de ferro e pontes, assim como casas e veículos, ficaram destruídos. Várias pessoas foram dadas como desaparecidas e, de dia para dia, o número de mortos passou das dezenas para as centenas, com o último balanço a apontar para 229 vítimas mortais.
O Governo espanhol destacou mesmo que "a DANA causou a maior catástrofe natural da história recente em Espanha".
Buscas desesperadas
Os dias que se seguiram às chuvas torrenciais foram de verdadeira corrida contra o tempo, com equipas de resgate, exército e voluntários em estreita colaboração para encontrar sobreviventes. A maior parte das vítimas foram encontradas em espaços fechados, como habitações e garagens, onde terão sido surpreendidas pela rápida subida da água. Mas as equipas de resgate também encontraram corpos debaixo de escombros em espaços abertos e até em praias.
Valência foi a comunidade autónoma mais afetada: 221 pessoas morreram e cinco ainda estão dadas como desaparecidas. Em Castilla-La Mancha foram identificadas sete vítimas mortais e na Andaluzia uma.
Atrasos nos alertas
As críticas começaram a surgir nas primeiras horas após as chuvas torrenciais. Na região de Valência, os primeiros alertas chegaram aos telemóveis da população às 20h10, quando já havia estradas totalmente inundadas e um alerta meteorológico de aviso vermelho desde as 7 horas da manhã. O coro de críticas foi-se adensando com dedos apontados à descoordenação entre o governo central e o governo regional, que se estendeu dos alertas, que permitiriam à população precaver-se, à reação demorada no envio de meios para os locais afetados.
Os relatos do caos foram-se multiplicando nos meios de comunicação espanhóis e nas redes sociais. Ao El Mundo, Maria López, morada de Torrent, na província de Valência, descreveu o alívio e o pânico sentidos após ser apanhada pela intensidade da chuva quando circulava na estrada. "Saímos vivos, mas não conseguimos encontrar uma maneira de ver como estava a nossa casa e o nosso povo", afirmou na altura. Com estradas totalmente intransitáveis, Maria demorou vários dias até conseguir chegar a casa.
Saímos vivos, mas não conseguimos encontrar uma maneira de ver como estava a nossa casa e o nosso povo
Revolta contra o poder político
A população sentiu-se revoltada e desapoiada na difícil luta contra o mar de lama que invadiu ruas, casas e estabelecimentos comerciais e nem os reis de Espanha escaparam à fúria popular. Quando visitaram a localidade de Paiporta, em Valência, a 3 de novembro - na companhia de Pedro Sanchéz, presidente do governo espanhol, e Carlos Mazón, presidente da comunidade Valenciana - Felipe VI e a rainha Letizia foram recebidos com apupos, insultos e atingidos com lama.
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Já a viatura em que seguia Pedro Sanchéz foi apedrejada por manifestantes e o próprio presidente do governo espanhol terá sido atingido com um pau nas costas. A população sentiu-se descontente com o discurso que havia feito uns dias antes e com os meios enviados para os locais afetados, que foram considerados "insuficientes". Com o governo regional e Carlos Mazón debaixo de fogo, Sanchéz fez um discurso de unidade e garantiu que uma mudança colocaria em causa a "eficácia" da resposta às populações: "Todos somos Estado, portanto, o que temos de fazer é cooperar", disse.
O discurso de unidade de Sanchéz não acalmou a contestação e cerca de 40 associações convocaram um grande protesto em Valência, dez dias após a catástrofe, com o mote "Mazón demissão". Milhares de pessoas juntaram a sua voz ao coro de protestos, numa marcha que se pretendia "silenciosa" e sem espaço para "motins ou violência", mas em que se registaram alguns incidentes. Um grupo de jovens arremessou lama contra a fachada do edifício da Câmara Municipal e, já no final do protesto, perto da Plaza de la Virgen, cadeiras e outros objetos foram atirados aos agentes da autoridade, obrigando à intervenção da polícia de choque.
Multidão protesta contra falta de resposta do líder regional nas cheias mortais de Valência
As contas aos prejuízos
As comunidades Valenciana, Castela-La Mancha, Andaluzia, lhas Baleares e Aragão foram declaradas "zonas gravemente afetadas por uma emergência de proteção civil", o que permitiu desbloquear com carácter de urgência verbas e meios para que se desse início à reconstrução. No total, o Governo espanhol já disponibilizou 16,6 mil milhões de euros, valor equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e a mais de metade do orçamento anual do governo regional da Comunidade Valenciana.
O Estado espanhol registou até dia 21 de novembro 200 672 pedidos de indemnização, estimando que o valor possa ultrapassar os 3,5 mil milhões de euros. Segundo o El Confidential, as seguradoras propuseram adiantar o pagamento das indemnizações depois de os pedidos serem formalizados, para que as reconstruções, nomeadamente de habitações, pudessem começar, mas o Governo espanhol recusou. Em causa está o facto de o Ministério da Economia preferir que todos os pagamentos sejam feitos em exclusivo pelo Consorcio de Compensación de Seguros, a entidade pública que dá proteção ao mercado segurador espanhol em casos de catástrofe, por ser este o procedimento habitual. O governo deixou ainda a garantia de que tudo fará para que processo seja célere.
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Regresso (muito) lento à normalidade
No centro de Paiporta, na comunidade Valenciana, ainda há garagens e espaços inundados. Lama espalhada pelas ruas, lama que se transformou em pó. E os 30 centímetros de água que resistem em algumas garagens são a prova do longo trabalho que ainda há pela frente. Maribel Albalat, presidente da Câmara Municipal de Paiporta, confirmou que ainda há mais de uma centena de garagens que permanecem inundadas e apelou à "paciência", garantindo que a ajuda vai chegar a todos. Mas essa garantia não acalma quem vê (quase) tudo na mesma. "Disseram-nos para esperar, mas em três semanas e meia nada? E nós?", lamentava ao El País um morador de Paiporta. Aqui, ainda se espera que empresas especializadas cheguem ao local para proceder a operações de limpeza de maior profundidade.
Disseram-nos para esperar, mas em três semanas e meia, nada
E nós?
Morador de Paiporta
Em Paiporta, Catarroja e Benetússe também ainda há milhares de alunos sem aulas. O receio em regressar intensificou-se depois de o teto de uma escola ter caído. "Quem nos garante que não há risco?", disse uma equipa responsável pela gestão escolar de Paiporta ao El Mundo. Estes incidentes não ajudam a tranquilizar quem todos os dias põe mãos à obra para reerguer o que foi destruído nem os mais novos, que viram os espaços que lhes são familiares ficarem irreconhecíveis.
O trauma
Se os impactos materiais já foram contabilizados, por somar está ainda o impacto psicológico da tragédia junto das populações mais afetadas pela tempestade DANA. Trauma, cansaço, desânimo e medo do esquecimento estão entre as palavras que atravessam as reportagens dos meios de comunicações espanhóis. Já a associação Save the Children deixou o alerta para o impacto na saúde mental das mais de 71 mil crianças que residem nas zonas mais afetadas. Ao La Vanguardia, Rodrigo Hernández, diretor do Save the Children na Comunidade Valenciana, disse que entre os sintomas mais comuns nos mais novos estão os pesadelos, medo da chuva, vómitos e ataques de ansiedade.
Um mês depois da maior tragédia dos últimos anos em Espanha, as cicatrizes deixadas pela passagem do DANA ainda estão longe de começar a sarar.
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