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Analistas consideram que ligar protestos à extrema-direita em Moçambique é forçado e uma distração

"Temos um Presidente em busca de legitimidade que não tem. Sempre vai arranjando bode expiatório para justificar os seus fracassos", defendeu o Eduardo Chichava, docente de ciência política.

29 de julho de 2025 às 09:26

Analistas moçambicanos consideram "controverso e forçado" a asserção do Presidente da República de considerar que manifestações pós-eleitorais foram movidas pela extrema-direita, defendendo ser "uma distração" face aos problemas reais do país.

"Uma pessoa que protesta por não ter emprego, por passar fome, por não ter casa, por não ter condições mínimas, dizer que essa pessoa é de extrema-direita é, no mínimo, controverso", considerou o analista político Fernando Lima, em declarações à Lusa.

O presidente da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e chefe de Estado moçambicano, Daniel Chapo, pediu a 27 de julho, uma união dos "partidos libertadores" da África Austral contra a extrema-direita que quer levar ao poder "governos fantoches".

Para o analista político Fernando Lima, a extrema-direita é o novo argumento encontrado pela política moçambicana para justificar os protestos dos cidadãos que clamam por melhores condições de vida.

"Agora, a terminologia extrema-direita é nova no léxico político. E é muito controverso. Por que é de extrema-direita? Os coletes amarelos na França são de extrema-direita? Os movimentos sociais de protesto nas ruas são de extrema-direita? Eu acho que não. Tem os movimentos de todos os matizes políticos", explicou Lima.

"Por exemplo, na Alemanha, há grupos ecologistas que são muito ativos e muito violentos nas ruas, reivindicando as suas causas e as suas bandeiras. Portanto, a questão aqui é que nunca houve uma tradição, inclusive se falar em termos de esquerda e direita, que é uma linguagem muito da terminologia política da Europa, sobretudo", acrescentou.

Neste sentido, Lima, que também é jornalista, defendeu que o que está em causa nas declarações do chefe do Estado é uma "tentativa quase oportunista de fazer uma colagem das manifestações a determinadas associações de movimentos políticos", relacionando, com efeito, o ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane, que liderou os protestos, com o partido português Chega de André Ventura.

"E, portanto, conotar essas ligações, nomeadamente com o Chega português e com movimentos no Brasil, a dizer que são movimentos de extrema-direita, logo, o Venâncio Mondlane também é de extrema-direita. É assim, o presidente Samora Machel [primeiro Presidente moçambicano] era conhecido como tendo uma boa relação com o Ronald Reagan [Presidente dos EUA], um hiperconservador, e Margaret Thatcher [primeira-ministra britânica], outra hiperconservadora britânica. O Presidente Samora Machel era de extrema-direita?", questionou Lima.

Por seu turno, o docente de ciência política da Universidade Eduardo Mondlane Sérgio Chichava, disse que se trata de uma narrativa "forçada" para distração popular.

"É uma distração dos problemas que o país enfrenta, porque o país está em crise em todas as vertentes. A situação no Norte [terrorismo], a economia também não anda. O país, depois daquele processo eleitoral conturbado, ainda não se recompôs completamente", referiu Chichava.

"Então temos um Presidente em busca de legitimidade que não tem. Sempre vai arranjando bode expiatório para justificar os seus fracassos ou a sua falta de legitimidade. Já sabemos que ninguém acredita nisso", acrescentou.

Chichava acrescentou que a maior parte dos partidos libertadores em África e os seus líderes "estão em curva descendente", considerando que permanecem no poder com recurso a "roubo de votos".

"Mais do que tentar encontrar as instituições farrapadas, eu acho que esses partidos libertadores (...) deveriam mais concentrar-se em resolver os problemas que levam a que eles sejam impopulares (...), deveriam preocupar-se com isso", recomendou.

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