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Captagon como instrumento narco-diplomático: o que a queda de Bashar al-Assad revelou sobre a 'cocaína dos pobres'

Droga proporcionou a al-Assad uma alavanca para pôr fim ao isolamento político.

18 de dezembro de 2024 às 18:02

Desde a queda de Bashar al-Assad foram descobertas na Síria instalações de fabrico de Captagon que, segundo especialistas, ajudou a florescer um comércio global anual de 10 mil milhões de dólares (9.550 milhões de euros) desta droga altamente viciante.

Entre os locais utilizados para o fabrico à escala industrial da droga encontram-se a base aérea de Mazzeh, em Damasco, uma empresa de comércio de automóveis em Latakia e uma antiga fábrica de batatas fritas nos arredores da capital síria, apreendida pelas forças governamentais em 2018.

"Os colaboradores de al-Assad controlavam este sítio. Depois da queda do regime vim aqui e encontrei-o a arder. Vieram à noite e pegaram fogo às drogas, mas não conseguiram queimar tudo", disse Firas al-Toot, o proprietário original da fábrica, à The Associated Press. "

"Daqui saíram comprimidos de Captagon para matar o nosso povo", disse Abu Zihab, um ativista do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), o principal grupo que governa atualmente o país, quando permitiram o acesso dos jornalistas ao local.

A guerra civil de quase 14 anos na Síria fragmentou o país, desmoronou a economia e criou um terreno fértil para a produção da droga. As milícias, os 'senhores da guerra' e o governo de al-Assad transformaram o Captagon de uma operação em pequena escala gerida por pequenos grupos criminosos num fluxo de receitas industriais de milhares de milhões de dólares.

Os especialistas dizem que a recente destituição de al-Assad pode criar uma oportunidade para desmantelar a indústria.

Onde e como foi o Captagon contrabandeado?

O Captagon foi contrabandeado através da fronteira escondido em camiões, carregamentos de carga e mercadorias. Alguns carregamentos são escondidos em alimentos, produtos eletrónicos e materiais de construção para evitar serem detetados.

As principais rotas de contrabando eram as fronteiras porosas da Síria com o Líbano, a Jordânia e o Iraque, a partir das quais a droga é distribuída por toda a região. Os principais mercados são os países ricos do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

No Líbano, o tráfico de Captagon floresceu, sobretudo perto da fronteira com a Síria e no vale do Bekaa. As autoridades libanesas esforçaram-se por travar o fluxo de Captagon proveniente da Síria, que, segundo os analistas, era facilitado pelo Hezbollah.

Após a descoberta de caixas de fruta meticulosamente embaladas com fardos da droga escondidos entre romãs e laranjas, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos impuseram proibições aos produtos agrícolas libaneses. Mas o Captagon também entrou nos mercados internacionais, chegando ao Sudeste Asiático e a partes da Europa.

O Captagon como instrumento narco-diplomático

O número exato de fábricas na Síria ainda não é claro, mas os especialistas e os membros do HTS estimam que devem existir centenas espalhadas pelo país.

Embora os países vizinhos há muito tentem proibir o tráfico de drogas, a influência sobre al-Assad era limitada. A Arábia Saudita impôs sanções rigorosas para o tráfico de Captagon e reforçou a segurança nas fronteiras, colaborando com outros Estados do Golfo para monitorizar as rotas de contrabando. Estes esforços, porém, enfrentaram desafios devido às complexas redes na Síria, no Líbano e na Jordânia.

O Captagon proporcionou a al-Assad uma alavanca para pôr fim ao isolamento político. Nos últimos anos, à medida que vários Estados árabes restabeleciam laços com Damasco, o fim do comércio era uma exigência fundamental nas conversações para normalizar as relações.

Em maio de 2023, a Síria foi readmitida na Liga Árabe, suspensa desde 2011 devido à brutal repressão de al-Assad contra os manifestantes. A Síria comprometeu-se a combater o contrabando, o que levou à formação de um comité regional de coordenação da segurança.

Pouco depois da cimeira, e num possível sinal de cedências de bastidores, a Jordânia intensificou a vigilância ao longo da fronteira síria. Ativistas e especialistas atribuíram à Jordânia, provavelmente com o consentimento de al-Assad, os ataques aéreos contra a casa de um conhecido 'barão da droga' e contra uma suposta fábrica de Captagon perto de Daraa.

Al-Assad transformou a Síria na "maior fábrica de Captagon do mundo", declarou o líder do HTS, Ahmad al-Sharaa, num discurso de vitória na Mesquita Umayyad de Damasco, a 08 deste mês. "Hoje, a Síria está a ser purificada, graças à graça de Deus Todo-Poderoso".

Embora Assad e o seu círculo possam ter sido os principais beneficiários, há também provas de que grupos da oposição síria estiveram envolvidos no contrabando de droga, e que grupos rebeldes, milícias locais e redes de crime organizado fabricaram e contrabandearam o Captagon para financiar as suas operações, dizem os analistas.

"Provavelmente, assistiremos a uma redução da oferta a curto prazo no comércio, com um declínio na dimensão e frequência das apreensões, uma vez que a produção à escala industrial foi largamente interrompida. No entanto, os criminosos são inovadores" e "os níveis de procura permanecem estáveis", disse Rose, notando que podem também "procurar outros negócios ilícitos para se envolver".

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