Dois fugitivos da Coreia do Norte, um deles sem-abrigo em criança, tornam-se ídolos do estilo musical proibido.
O grupo de K-pop, estilo musical da Coreia do Sul conhecido mundialmente, 1VERSE (lido 'universe'), que se está a preparar para estreia oficial, já deu que falar por uma característica especial: é o primeiro grupo com membros norte-coreanos que fugiram do país.
Quando os dois membros do quarteto, Hyuk e Seok, que fugiram da Coreia do Norte para a Coreia do Sul, há 10 e 5 anos, respetivamente, se estrearem como 1VERSE, serão oficialmente os primeiros 'idols', ou ídolos em português, [termo utilizado para descrever artistas de K-pop] norte-coreanos.
Hyuk, o 'rapper' principal
Hyuk era um 'kkotjebi', ou seja, uma criança sem-abrigo que pedia nas ruas da Coreia do Norte. Mas em janeiro de 2013, a vida do pequeno futuro ídolo mudou, após receber uma mensagem da mãe que havia desertado o país em 2011. O rapaz, com 13 anos na altura, fugiu para a Coreia do Sul sozinho, numa longa viagem que demorou seis meses.
"A vida na Coreia do Norte era difícil. Desde os nove anos, vivi nas ruas a pedir comida para sobreviver", explicou Hyuk numa entrevista ao jornal The Korea Herald.
Já na Coreia do Sul, o jovem nunca imaginou que pudesse ter uma carreira como cantor de K-pop. "No secundário, escrevi uma letra de rap por diversão e cantei no espetáculo de talentos da escola. A minha professora encorajou-me a continuar, o que me fez querer ser 'rapper', explicou o cantor.
Hyuk esteve bastante perto de abandonar o sonho da música. Após um ano a estudar na universidade, o cantor desistiu da academia para trabalhar numa fábrica, até que conheceu Michelle Cho, CEO da editora discográfica Singing Beetle, que o convidou a ser 'trainee', nomenclatura utilizada no K-pop para os artistas em formação.
Quando questionado sobre a parte mais difícil da formação para ser ídolo de pop coreano, Hyuk sorriu timidamente e disse: "Tudo". "Aprendi tudo do zero - canto, rap, dança, como mexer o meu corpo, técnicas de canto e rap. Mas quando subi ao palco, foi tão divertido", confessou. "A conexão com o público foi como um sonho", descreveu ainda.
Depois de provar a sensação de estar em palco, Hyuk nunca mais a quis largar. "Uma vez que o palco me traz tanta alegria, encontrei a coragem e a vontade de superar os treinos", afirmou.
O segundo sonho de Seok
Tal como Hyuk, Seok fugiu para a Coreia do Sul após receber mensagens de familiares, neste caso, dos tios que já lá estavam. O primeiro sonho de Seok não foi a música, mas o futebol. Na Coreia do Norte, o cantor jogava futebol mas os desafios da adaptação à nova vida sul-coreana levaram-no a desistir da carreira no desporto.
"Arrependi-me profundamente por ter de desistir de algo que amava", afirmou Seok. Ceder o primeiro sonho só fez com que Seok se tornasse mais impaciente para seguir o segundo sonho e tornar-se cantor.
A possibilidade de se tornar um ídolo de K-pop nunca havia passado pela cabeça do jovem artista, apesar de que sempre gostou de cantar. A ideia materializou-se depois de Michelle Cho ouvir a voz de Seok. "Não sabia nada sobre canto e dança profissionais, mas depois de me ouvir cantar, a CEO disse-me que tinha potencial", contou. "Sabia que podia não ter outra oportunidade, por isso agarrei-a com todo o meu coração", explicou Seok.
Contudo, o caminho foi árduo. "As músicas que cresci a ouvir eram muito diferentes do K-pop, por isso foi difícil. Os momentos mais difíceis foram quando parecia que não estava a evoluir", recordou. O facto da própria família não apoiar o sonho de Seok levou-o a querer "desesperadamente provar que conseguia fazê-lo".
E os restantes membros?
O 'maknae' do grupo, ou seja, o membro mais novo e bailarino principal chama-se Aito e é japonês. Aito sempre esteve exposto ao mundo do K-pop, o que o levou a sonhar ser 'idol' logo desde muito cedo. "A minha irmã adorava Super Junior [grupo de K-pop que estreou em 2005], portanto naturalmente vi muitas atuações de K-pop desde pequeno e comecei a sonhar em tornar-me num artista", disse Aito que começou a dançar 'breakdance' aos seis anos.
Kenny, americano de ascendência chinesa, também sonhava com o mundo da música desde tenra idade. Contudo, aos 20 anos, decidiu pôr o sonho em ação. Em 2023, Kenny deixou tudo para trás, incluindo a universidade, e foi para a Coreia do Sul para seguir a carreira musical.
A descoberta de que iria formar um grupo com dois fugitivos norte-coreanos foi intimidante para Kenny. "Sinceramente, ao início, senti-me um pouco assustado e surpreendido", afirmou o cantor. Contudo, apesar das diferenças culturais, todos têm o mesmo objetivo. "Criar um grupo bom o suficiente para o mercado internacional", destacou Kenny, acrescentando que os membros não têm estereótipos entre si.
O quinto membro, Nathan, juntou-se ao grupo oficialmente em dezembro do ano passado e vai assumir a posição de vocalista junto com Kenny e Seok. A conta oficial dos 1VERSE ainda não divulgou muito sobre a nova adição, mas revelou um "facto divertido". O futuro ídolo jogava o videojogo Super Smash Bros em competições.
A língua revelou-se uma das tarefas mais urgentes para facilitar a comunicação entre os jovens de origens tão distintas. Hyuk e Seok aprenderam inglês e Kenny e Aito aprenderam coreano. Todas as manhãs, os membros fazem testes de vocabulário para praticar os idiomas que se propuseram a aprender.
Seok admitiu que a barreira linguística foi desafiante, mas o trabalho em equipa ajudou a ultrapassar os obstáculos. "Só porque falas a mesma língua que o amigo da tua cidade natal, não significa que vocês se deem bem. Apesar de às vezes haverem mal entendidos devido à barreira linguística ou às diferenças culturais, nós sabemos que queremos saber uns dos outros", afirmou o cantor.
O primeiro álbum dos 1VERSE, ainda sem data oficial de lançamento, conta as histórias dos membros. "Para o álbum de estreia, nós queremos contar as nossas histórias primeiro e depois dizer aos nossos fãs que queremos ouvir as deles", informou Kenny. "Nós queremos que 1VERSE seja 'universal'", concluiu o cantor.
A música proibida
A Coreia do Norte instaurou em 2020 a "lei anti-pensamento reacionário", que proibiu a produção, o consumo e a divulgação de conteúdo mediático sul-coreano, incluindo o K-pop, segundo o The Guardian. A proibição faz parte de uma campanha para proteger o povo norte-coreano da "má influência" da cultura ocidental, bastante presente na música sul-coreana.
Desde então, vários cidadãos receberam punições por "práticas reacionárias", como ouvir música da Coreia do Sul ou uma noiva vestir branco no casamento, segundo o relatório sobre os direitos humanos na Coreia do Norte de 2024, publicado no ano passado pelo ministério sul-coreano da unificação, que compilou testemunhos de 649 fugitivos norte-coreanos.
O relatório indica que um jovem de 22 anos foi executado publicamente na Coreia do Norte por ver e partilhar filmes e música sul-coreana.
O estilo musical tornou-se numa arma para o lado sul-coreano mais uma vez na insólita escalada de tensão em 2024. Desde maio do ano passado, vários balões cheios de lixo vindos da Coreia do Norte foram lançados para a Coreia do Sul. A retaliação dos sul-coreanos foi colocar colunas de música gigantes a tocar os 'hits' dos BTS, um dos maiores grupos de K-pop, informou a agência AP.
Devido às severas punições associadas ao consumo de entretenimento sul-coreano, Hyuk e Seok tiveram pouco acesso a filmes e músicas do sul.
A família de Seok era mais abastada e, como vivia perto da fronteira com a China, ele tinha acesso a K-pop e K-dramas através de USBs e cartões SD contrabandeados.
Mas para Hyuk, a música era um artigo de luxo ainda menos alcançável. Antes de fugir do país natal, o futuro ídolo mal tinha ouvido falar de K-pop, mas tinha consciência das punições associadas ao consumo de conteúdo mediático sul-coreano. "Nunca conheci ninguém que tenha sido punido por ouvir K-pop, mas ouvi falar de uma família que foi banida da aldeia por ver um filme da Coreia do Sul", revelou o cantor.
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