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Eleições na Turquia: Será Kilicdaroglu capaz de acabar com 20 anos de poder absoluto de Erdogan?

Oposição em vantagem nas sondagens promete trazer de volta o sistema parlamentarista destruído em duas décadas de presidência de Recep Tayyip Erdogan.

Oposição em vantagem nas sondagens promete trazer de volta o sistema parlamentarista destruído em duas décadas de presidência de Recep Tayyip Erdogan.

12 de maio de 2023 às 19:27

A Turquia vai a votos e, após 20 anos no poder, o presidente Recep Tayyip Erdogan terá, provavelmente, o desafio mais difícil da sua carreira política. Erdogan enfrenta a oposição liderada pelo principal candidato, Kemal Kilicdaroglu, e algumas sondagens revelam uma certa vantagem para o líder da aliança da oposição composta por partidos de esquerda, direita e centro.

Nos últimos 20 anos, Recep Tayyip Erdogan tem sido a principal personagem do cenário político turco, promovendo uma série de alterações no país. Iniciou o primeiro mandato em 2003, como primeiro-ministro, e, em 2014, conquistou as eleições presidenciais.

Erdogan
Erdogan FOTO: Yves Herman/Reuters

Durante os primeiros anos de Erdogan no poder, a Turquia registou um grande crescimento económico e foram implementadas várias reformas políticas e sociais. Porém, com o passar dos anos, a contestação em volta do presidente aumentou devido às medidas cada vez mais autoritárias que tem tomado.

Em 2018, introduziu mesmo uma alteração profunda no sistema político, que passou de parlamentarista para presidencialista. O cargo de primeiro-ministro foi abolido e Erdogan chamou a si o poder Executivo.

O governo de Erdogan tem sido marcado pela agressiva política externa, com intervenções militares em países como a Síria e o Iraque, assim como confrontos com a Grécia e o Chipre devido a disputas territoriais e de recursos energéticos no mediterrâneo.

Segundo a Al Jazeera, para os eleitores há seis temas centrais em cima da mesa: economia, ambiente, emigração, valores e identidade, democracia e refugiados.

A economia é um dos temas que mais preocupa os turcos. Os cortes nas taxas de juro provocaram uma crise cambial no fim de 2021, o que levou a um pico na inflação que atingiu os 85,51%, o valor mais alto dos últimos 24 anos.

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Os apoiantes de Erdogan dizem que o presidente turco construiu infraestruturas e desenvolveu regiões tradicionalmente ignoradas pelo governo central, mas os cidadãos estão preocupados com a necessidade de reconstrução de parte do sudeste turco, após dois terramotos terem atingido a região a 6 de fevereiro e vitimado mais de 50 mil pessoas. As obras deverão ter um custo na ordem dos milhares de milhões de euros e estima-se que 14 milhões de pessoas (16% da população turca) tenham sido afetadas pelos sismos.

O aumento cada vez mais significativo de população altamente qualificada a deixar o país, devido aos problemas socioeconómicos que enfrenta, é outras das principais preocupações dos eleitores.

A islamização crescente que se vive no país preocupa parte do eleitorado, uma vez que se trata de um estado laico. Entre as medidas que valeram a Erdogan a acusação de ter uma "agenda islâmica" está a suspensão da lei que proibia as mulheres de usar o hijab durante o horário de trabalho no setor público. Esta alteração, de 2013, foi comemorada por muitos e apresentada como parte de um pacote de medidas para melhorar a democracia. Já o Partido Republicano do Povo, do seu opositor Kilicdaroglu, defendia que a proibição do uso do hijab na função pública se devia manter.

A crescente perseguição de Erdogan à minoria curda também está nas preocupações de parte do eleitorado turco. Entre 10 e 20 milhões de turcos (até 20% da população do país) pertencem à minoria curda, cujas principais forças políticas foram ilegalizadas por Erdogan, que também considera (no que é apoiado pela União Europeia) o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) como um grupo terrorista. A falta de diálogo tem multiplicado os atentados alegadamente cometidos por radicais curdos, em várias localidades turcas, tendo quase sempre como alvo as forças de segurança e o exército. As sondagens revelam uma vantagem significativa do opositor de Erdogan nas três províncias curdas localizadas no sudeste do país.

Em matéria de política externa, o mandato de Erdogan ficou também marcado por um aumento da tensão da Turquia no seio da NATO. Ancara tem-se revelado pouco alinhada em várias questões com os restantes membros da Aliança Atlântica, nomeadamente no que diz respeito à adesão de países como a Suécia e a Finlândia à organização.

Eleições Turquia
Eleições Turquia FOTO: Hannah McKay/Reuters

A manutenção da democracia é mesmo um dos principais pontos de interesse do eleitorado turco. A oposição acusa o presidente de por em causa o sistema democrático, principalmente após uma tentativa de golpe fracassada em 2016, que resultou na prisão de milhares de pessoas ligadas à oposição.

A crítica afirma também que a liberdade de imprensa piorou, com grande parte dos meios de comunicação social turcos a estarem sob o controlo do governo de Erdogan e de empresários que lhe são próximos.

A crescente intolerância para com os refugiados, com casos de violência e crimes entre as comunidades Síria e Turca, preocupa também os eleitores, uma vez que, segundo o governo turco, 3,7 dos 5,5 milhões de estrangeiros na Turquia são refugiados.

As promessas de Erodogan e Kilicdaroglu

A candidatura de Erdogan é apoiada pela Aliança do Povo. Esta coligação liderada pelo partido AK (de Erdogan) inclui o nacionalista Partido do Movimento Nacional, o Grande Partido da Unidade e o ultra conservador Partido do Novo Bem-Estar. A coligação também é apoiada por partidos de menor expressão, como o Huda-Par, partido islâmico predominantemente curdo, embora este não se tenha juntado oficialmente à aliança.

Entre as promessas eleitorais de Erdogan, está a construção de 650 mil apartamentos na zona do sudeste turco afetada pelos sismos. Erdogan promete ainda baixar a inflação em 20% em 2023, e para menos de 10% em 2024, para além de continuar a baixar as taxas de juro.

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Erdogan em Istambul uma semana antes das eleições

Erdogan aumentou recentemente o salário mínimo para 8506 liras turcas (cerca de 397 euros) e conseguiu cerca de 4,5 mil milhões de euros da Arábia Saudita e mais de 9 mil milhões de euros da Rússia em apoios. A inflação da Turquia ronda neste momento os 43.7%.

Entre as promessas de Erodgan está também o aumento de regressos "voluntários" de sírios ao país natal, devido à evolução do diálogo entre a Turquia e a Síria, que beneficiou da mediação russa.

Os direitos das pessoas LGBTQ+ continuam a não ser observados por Erdogan, que continua a afirmar que irá "lutar ativamente contra tendências desviantes, como LGBT, que ameaçam a estrutura familiar".

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Kilicdaroglu em Samsun uma semana antes das eleições

Kemal Kilicdaroglu – que criou a Aliança da Nação, uma coligação formada por partidos de esquerda, direita, e até de centro – promete o regresso à democracia parlamentar à Turquia e com ela, o regresso do cargo de primeiro-ministro.

Na economia, Kilicdaroglu promete baixar a inflação para um só dígito, no período de dois anos, e restaurar a estabilidade da lira turca, que perdeu 80% do valor nos últimos cinco anos. O candidato de oposição tem como objetivo restaurar a independência do banco central, eliminando medidas como a escolha do governador por parte do governo.

Quanto à devastação que os sismos deixaram no sudeste turco, Kilicdaroglu promete construir casas para as vítimas do desastre, livres de qualquer custo, e garante que irá banir a venda de propriedades a estrangeiros até que a crise da habitação na Turquia seja resolvida.

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Na política externa, a aliança da oposição pretende completar o processo de adesão à União Europeia e estabelecer relações com os EUA, no que seria uma aproximação ao Ocidente, procurando manter as relações de igual para igual com a Rússia.

Quanto às reformas legais, Kilicdaroglu quer assegurar que os tribunais aplicam os acórdãos do Tribunal Constitucional e Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. O candidato quer ainda fortalecer a liberdade de expressão, tendo afirmado que o povo turco o poderá criticar livremente sem medo de represálias.

Recentemente, o Human Rights Watch denunciou tentativas de controlo e censura aos meios de comunicação social por parte do governo, com o aproximar da data das eleições presidenciais.

Kemal Kilicdaroglu
Kemal Kilicdaroglu FOTO: Murad Sezer/Reuters

Quem é Kemal Kilicdaroglu, o candidato que ameaça pôr fim à ‘era’ Erdogan?

Nascido a 17 de dezembro de 1948 (74 anos), Kemal Kilicdaroglu é economista e líder do Partido Republicano do Povo (CHP). O político turco é o mais recente opositor de Recep Tayyip Erdogan na corrida às eleições presidenciais. Estudou economia e finanças na Academia de Economia e Ciências Comerciais de Ancara, formando-se em 1971. Nesse mesmo ano, juntou-se à administração pública turca, como funcionário do Ministério das Finanças, tendo-se tornado, mais tarde, chefe do Departamento de Contabilidade do Ministério. Passados alguns anos, casou-se com Selvi Gunduz, com quem teve duas filhas e um filho.

Ainda no Ministério das Finanças, Kilicdaroglu tornou-se chefe de Departamento da Receita em 1983. No ano de 1992, foi nomeado diretor do Instituto de Segurança Social. A sua reputação de homem de confiança e com atenção ao detalhe valeram-lhe a nomeação para Burocrata do Ano, em 1994, antes de entrar para a política.

Kilicdaroglu iniciou a carreira política em 2002, através do Partido Republicano do Povo (CHP), que o desafiou a participar nas eleições parlamentares. Após as eleições, Kilicdaroglu entrou para o parlamento.

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É conhecido pela sua postura moderada na política e defende a democracia e a justiça social. É também conhecido pelas suas campanhas contra o governo de Erdogan. Uma das mais marcantes foi a ‘Marcha da Justiça’, em 2017, que consistia numa marcha de 450 quilómetros de Ancara a Istambul, para protestar contra a prisão de um parlamentar do CHP.

Apesar de nunca ter ganho uma eleição, Kilicdaroglu posiciona-se como o principal adversário de Erdogan. Com apoio de partidos de todo o espectro político, a "sua" Aliança da Nação tem vindo a ganhar relevância no cenário político turco, havendo mesmo uma real hipótese de pôr fim aos 20 anos de poder de Erdogan.

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