É a primeira vez que os chilenos elegem um Presidente de extrema-direita. Kast torna-se o eleito com maior número de votos da história do país.
Milhares de eleitores do presidente eleito chileno saíram esta segunda-feira às ruas com bandeiras e buzinas celebrando um esperado novo rumo com segurança, controlo migratório e crescimento, enquanto os eleitores derrotados temem perdas de conquistas sociais.
"Com [José Antonio] Kast teremos mais oportunidade de vida, porque teremos mais segurança e mais trabalho para a classe média. A delinquência tem-nos afetado muito como país, até mesmo na economia. Isso vai mudar agora", acredita o mecânico Gustavo Moya, de 43 anos, que falou à agência Lusa em Santiago do Chile.
"Não acredito que retrocedamos com José Antonio Kast em benefícios sociais e direitos adquiridos. Acho mesmo que vamos melhorar, porque temos uma grande porcentagem de menores de idade imersos nas drogas e na delinquência", acrescenta.
Gustavo foi um dos primeiros a chegar à sede de campanha do Presidente eleito no município abastado de Las Condes, onde milhares se lhe juntaram à medida que saíam os primeiros resultados, projetando uma vitória histórica.
Na primeira volta, em 16 de novembro, um palco foi montado rapidamente apenas depois de confirmada a presença de Kast na segunda volta. Desta vez, um palco ainda maior já estava montado horas antes do começo da contagem de votos.
Há um mês, a comunista Jeannette Jara obteve 26,85% dos votos válidos, enquanto José Antonio Kast ficou com 23,92%, menos de três pontos abaixo. Um mês depois, Kast obteve 58,16% dos votos válidos, enquanto Jeannete Jara ficou com 41,84%, uma diferença superior a 16 pontos percentuais.
"Votei em Kast porque quero uma mudança depois de quatro anos de estagnação, com todos os índices de competitividade económica do Chile em queda. Quando me refiro a uma mudança, refiro-me à segurança, ao controlo migratório e à economia. Queremos voltar ao Chile que éramos anos atrás", entusiasma-se o engenheiro Jorge Valencia, de 62 anos.
Quanto a possíveis perdas de conquistas sociais num governo de extrema-direita, Jorge cita Kast , que "foi bem claro sobre o assunto quando disse que 'nenhum direito adquirido será tocado'" e considerando que "isso foi apenas campanha da esquerda".
Porém, outros eleitores de Kast não descartam algum ruído sobre o assunto, embora o minimizem.
"Vão surgir questões com as quais as pessoas não vão concordar. Eu acredito que alguns benefícios sociais de hoje serão prejudicados, mas outros vão continuar e até compensar aqueles que forem eliminados", diz à Lusa a eleitora Eliana Valdivia, de 33 anos, estudante de gastronomia.
"Gosto das propostas dele em relação à economia e acho que fará bem ao país em termos de segurança porque estamos em decadência. As pessoas não podem sair de casa porque é um perigo", defende.
O universitário Matías Camus, de 22 anos, quer que as fronteiras do país sejam controladas contra a imigração ilegal.
"Porque isso me dá mais tranquilidade quanto à segurança. Além disso, precisávamos de um Presidente que incentive as empresas a investirem", justifica, embora admita que virão reformas em questões sociais como Educação, Saúde, Pensões e benefícios sociais.
"Como Kast mencionou nos debates, os direitos adquiridos não serão eliminados. Haverá reformas, mas os direitos não serão perdidos na sua totalidade", prevê.
Já o empresário Rodrigo Sandoval, de 44 anos, confia no papel do Parlamento como barreira contra iniciativas que signifiquem perdas sociais e até eventual diminuição de liberdades constitucionais em nome da segurança.
"Felizmente, no Chile, o Parlamento é bem forte. Kast disse que não vai tocar em vários dos direitos sociais, mas, independentemente do que ele pode querer, o Presidente não pode dirigir o país sem o Congresso, que ficou bem dividido", pondera.
"O que é realmente vai importar são mudanças em matéria de segurança, de emprego, de incentivo ao empreendimento, de baixa de impostos. Estamos num período muito mau da economia", aponta Rodrigo.
A inflação do Chile nos últimos 12 meses está em 3,4%, abaixo dos 4,5% de 2024, embora a meta seja de 3%. A economia cresceu 2,6% em 2024, número que deve ser repetido neste ano, segundo o FMI. São números positivos para qualquer país.
As imediações de Las Condes tornaram-se um formigueiro humano. Com bandeiras no ar, palavras de ordem e buzinas a marcarem o ritmo de "Chi-Chi-Chi, le-le-le", caravanas de automóveis tentaram chegar ao novo polo do poder.
Até a candidata derrotada, Jeannete Jara, veio pessoalmente para cumprimentar o Presidente eleito, elevando a tradição republicana do Chile de o derrotado conversar telefonicamente com o vitorioso.
O atual Presidente, Gabriel Boric, que há quatro anos, com apenas 35 anos de idade, derrotou o próprio Kast, agora telefonou para eleito, convidando-o para visitar, esta segunda-feira, o Palácio La Moneda, sede do Governo, iniciando formalmente o processo de transição. Esse telefonema do Presidente ao eleito é uma tradição valorizada pelos chilenos e admirada pelos países vizinhos.
Do outro lado da cidade, no entanto, a desolação abateu-se entre os eleitores derrotados.
"É terrível, realmente decepcionante. A vitória da extrema-direita é decepcionante para mulheres, para idosos e para crianças que vão perder benefícios sociais com um candidato que só fala em perseguir imigrantes e melhorar a economia para os mesmos grupos económicos de sempre", critica a universitária Michelle Ponce, de 19 anos, eleitora de Jara.
"Além disso, este é um país sem memória. Como podem eleger uma pessoa que defende Pinochet com a maior impunidade? Sinto decepção e vejo retrocesso e ignorância", desabafa em declarações à Lusa.
A universitária Martina Hidalgo, de 20 anos, também contrasta com a alegria da maior parte da sociedade.
"O facto de termos tantos eleitores da extrema-direita no Chile significa ignorância. As pessoas guiam-se por promessas de segurança e de 'mão-dura', mas esquecem-se que durante a ditadura, essa dos direitos feridos que essa 'linha-dura' significou durante a ditadura. Esse pensamento de extrema-direita demonstra que não temos memória e, sem memória, não somos nada", lamenta Martina.
É a primeira vez que os chilenos elegem um Presidente de extrema-direita, o primeiro eleito a defender abertamente a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), da qual se diz um herdeiro. Kast torna-se o eleito com maior número de votos da história do Chile e a maior percentagem.
Os 58,17% superam os 57,2% da eleição de 1946, quando a direita obteve o seu maior triunfo até agora.
Por outro lado, a derrotada Jeannette Jara obteve a pior votação da esquerda desde a recuperação da democracia em 1990. Os 41,84% de Jara são inferiores aos 45,4% de Alejandro Guillier em 2017.
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