Antonio Pampliega foi sequestrado pela Frente al-Nusra, uma filial siria da al-Qaeda.
1 / 4
Antonio Pampliega, Ángel Sastre e José Manuel López são os três jornalistas espanhóis que estiveram quase 300 dias sequestrados na Síria sem saber o que lhes esperava. Mal foi libertado Pampliega escreveu um livro e, meses depois, decidiu contar o terror vivido entre terroristas.
Os três foram sequestrados a 12 de julho de 2015 por uma filial síria da al-Qaeda, a 'Frente al-Nusra'. Os jornalistas freelancers decidiram viajar até à Síria para que Pampliega acabasse uma reportagem sobre os Capacetes Brancos, heróis da Síria nomeados para os óscares e membros da organização da Defesa Civil Síria.
Antonio, de 33 anos, conta que sempre conseguiu ir àquele país em guerra sem ter problemas de circulação. Foi um dos primeiros jornalistas a entrar no território desde o inicio do conflito no ano de 2011, segundo avança a imprensa espanhola. Esta era a 12ª viagem àquela zona. A diferença foi que, desta vez, viajou com outros dois companheiros de profissão.
"E nesse momento, passa-te pela cabeça que estás morto"
Como é habitual, o grupo contratou um 'fixer' (guia e tradutor) para facilitar o trabalho no terreno. Usama foi recomendado por outra colega jornalista. Antonio sempre recorreu ao Facebook e a campos de contratos para encontrar um bom 'fixer'. Desta vez, foi traído.
A certa altura da viagem, Usama pediu para tirar uma fotografia com os três espanhóis e prometeu que nunca a tornaria pública visto que a partilha da imagem poderia ser o passaporte para um sequestro.
Usama mentiu. Prometeu que tinha contacto com os Capacetes Brancos, mas também não era verdade. Pampliega afirma que sentia que algo estava errado. O homem não estava a ser verdadeiro quando lhes dava informações. Tudo parecia improvisado e nada estava organizado como é suposto nestas situações.
Jornalistas raptados e traídos por dinheiro
Começa então o sequestro. Antonio conta que seguia com os colegas numa carrinha juntamente com Usama e com o condutor. A certa altura, o motorista meteu a cabeça fora da viatura o que, naquela altura, pareceu um gesto normal. De seguida e numa questão de segundos apareceram seis homens armados, vestidos de forma militar e rosto coberto como é comum nos jihadistas. "E nesse momento, passa-te pela cabeça que estás morto", disse Pampliega. "O nosso medo, é que nos tivesse sequestrado o Daesh", continuou o jornalista em entrevista no programa Chester
Este foi o primeiro dos 299 dias de sequestro. O 'fixer' tinha acabado de trair os jornalistas a quem tinha prometido segurança. Vendeu-os ao grupo terrorista 'Frente al-Nusra'.
"Rodearam o carro, abriram as portas e apontaram-nos as armas para nos forçar a sair o mais rápido possível. Um homem colocou a mão sobre Usama e ele caiu de repente. Nem o Figo tinha fingido tão bem uma penalidade (…)", escreveu o jornalista. "Depois mudaram-nos para a primeira célula em que ficamos. Um tipo começou a ler o corão e Ángel [um dos jornalistas] pedia-lhe: 'Diz algo. Diz-lhe quem somos, que temos boas intenções'", conta Pampliega no livro "En la Oscuridad" que escreveu depois de ser libertado.
Inicialmente, os jornalistas pensaram que se tratavam de soldados do Daesh. No entanto, não fazia sentido porque a provincia síria onde se encontravam era território controlado pela al-Qaeda. Tinham acabado de ser levados por uma rede, desconheciam a origem, e o pânico e terror estava instalado nos três homens que sairam de Espanha para terminar uma reportagem que acabou por mudar de rumo.
Fizeram contas. Sabiam que o Daesh pagava 20 a 30 mil dólares (cerca de 17 a 25 mil euros) por cada pessoa resgatada. A al-Qaeda não. Antonio refere que o guia preferiu dinheiro à amizade. Durante meses, os espanhóis fizeram uma campanha para recolher material escolar que seria depois enviado para Usama que trabalhava em colégios de Alepo. "Como esperas isto de uma pessoa que ajudas, que se preocupa com as crianças e que sempre foi simpático contigo?", interroga o jornalista.
Jogavam xadrez e falavam de futebol
Iam mudando de casa muitas vezes e ainda hoje não sabem os locais exatos onde se encontravam. Suspeitavam apenas que estavam nos arredores de Alepo.
Estiveram em pelo menos seis habitações diferentes e, em todas elas, a porta ficava aberta. No entanto, nenhum tentou escapar pois sabiam que o fim ia ser a morte. Os rumores em Espanha era de que tinham sido assassinados, mas nunca houve confirmações.
Uma fonte confirmou à agência de notícias Europa Press que o CNI – Centro Nacional de Inteligência, a 'secreta' espanhola – localizou os jornalistas em vários momentos. Todavia, era uma tarefa difícil porque os sequestradores mudavam de lugar regularmente.
"No dia 95 do sequestro. Separaram-me dos meus companheiros"
As mesmas fontes asseguram também que os três homens tiveram a possibilidade de ver jogos de futebol e trocar cartas com a família. Antonio conta que lhes perguntavam muitas vezes se precisavam de algo e que lhe diziam como estava o Real Madrid, de quem era adepto.
Partilharam alguns dias do sequestro com um jornalista japonês, também raptado da mesma forma, e com uma mulher alemã que estava grávida.
A certa altura, os serviços secretos espanhóis pediram aos jihadistas que dessem garantias de que os três homens estavam vivos, mais propriamente, uma prova de vida. Algumas vezes, os familiares faziam perguntas aos repórteres que cuja resposta só estes sabiam.
Também chegou ao CNI um vídeo onde os jornalistas diziam o nome e a data. Nestas imagens apareciam, normalmente, com bom aspeto, limpos e saudáveis. Foram gravados dois vídeos de propaganda da 'Frente Al-Nursia' onde apareciam os jornalistas.
A carta que fez Pampliega viver cerca 204 dias na solitária
A vida de Pampliega mudou quando uma carta chegou às mãos dos jihadistas. O remetente era um ex-militar espanhol e era dirigida a Antonio. "Olá António, chamo-me ..., sou o teu melhor amigo", dizia no cabeçalho da carta, segundo o jornalista.
"Aí começou o verdadeiro sequestro, com maus tratos e humilhações"
"Eu acredito que tenha sido de boa vontade, com a ideia de nos ajudar", explica Antonio que relata os seguintes 204 dias de angústia.
Na carta, o ex-militar falou de uma enfermeira amiga de Antonio. Escreveu em inglês: nurse. Esta foi a palavra que deixou os sequestradores a pensar que o jornalista era um espia, e que "nurse" era um sinal. Associaram a palavra ao grupo terrorista a que pertenciam, al-Nusra. E pensaram que era uma associação, para que Antonio soubesse que Espanha sabia com que filial de al-Qaeda este se encontrava.
Seguiram-se 204 dias sozinho num quarto. "Aí começou o verdadeiro sequestro, com maus tratos e humilhações", conta.
"Todos os dias eram iguais. Nunca sabia o que me iam fazer", relata. Antonio confessa que pensou em por termo à vida. "Escrevia, olhava para o teto, dava voltas ao quarto, que tinha 33 passos, e cantava", descreve emocionado.
Medo é a palavra que Antonio mais refere durante a entrevista ao programa espanhol. Conta ainda um episódio que o marcou pela angústia e desespero quando pensou que tinha chegado o dia em que ia ser morto.
Conta Antonio.
Os sequestradores obrigaram Pampliega a ajoelhar-se. Um dos homens tinha na mão uma faca de serra e enconstou-a ao pescoço do jornalista. Levantaram-lhe a cabeça e obrigaram-no a olhar para uma câmara de vídeo. Quando parecia que tudo ia acabar, os terroristas começaram a rir. Disseram-lhe que era o que lhe aconteceria caso tentasse escapar. O objetivo destes homens, segundo Antonio, era apenas assustá-lo.
O dia da libertação, 299 dias depois
Antonio voltou a ver os companheiros Ángel Sastre e José Manuel López no momento da libertação. No dia em que o levaram daquela que tinha sido a sua casa durante 204 dias ameaçaram-no com o símbolo do Daesh. Taparam-lhe a cara, amarram-lhe as mãos e levaram-no para junto dos colegas. "Eu pensei que nos iam vender, matar-nos ou libertar-nos", confessa Antonio.
"O momento mais duro do sequestro foi a libertação", conta o jornalista. Quando lhe disseram para ligar para casa sentiu medo. Achou que, por algum motivo, a mãe pudesse ter morrido.
Em maio de 2016, depois de 299 dias de angústia, tortura e sofrimento, os três jornalistas abraçaram pela primeira vez a família. Mas, ainda hoje, Antonio Pampliega, pede desculpa e sente-se culpado pelo sofrimento que causou aos amigos e familiares.
Afinal, uma reportagem sobre os Capacetes Brancos na Síria, acabou num sequestro de 299 dias e muito, muito medo.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.