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Jornalista raptado na Síria revela angústia de 300 dias em cativeiro

Antonio Pampliega foi sequestrado pela Frente al-Nusra, uma filial siria da al-Qaeda.

30 de novembro de 2017 às 16:07

Antonio Pampliega, Ángel Sastre e José Manuel López são os três jornalistas espanhóis que estiveram quase 300 dias sequestrados na Síria sem saber o que lhes esperava. Mal foi libertado Pampliega escreveu um livro e, meses depois, decidiu contar o terror vivido entre terroristas.

Os três foram sequestrados a 12 de julho de 2015 por uma filial síria da al-Qaeda, a 'Frente al-Nusra'. Os jornalistas freelancers decidiram viajar até à Síria para que Pampliega acabasse uma reportagem sobre os Capacetes Brancos, heróis da Síria nomeados para os óscares e membros da organização da Defesa Civil Síria.

Antonio, de 33 anos, conta que sempre conseguiu ir àquele país em guerra sem ter problemas de circulação. Foi um dos primeiros jornalistas a entrar no território desde o inicio do conflito no ano de 2011, segundo avança a imprensa espanhola. Esta era a 12ª viagem àquela zona. A diferença foi que, desta vez, viajou com outros dois companheiros de profissão.

"E nesse momento, passa-te pela cabeça que estás morto"

Como é habitual, o grupo contratou um 'fixer' (guia e tradutor) para facilitar o trabalho no terreno. Usama foi recomendado por outra colega jornalista. Antonio sempre recorreu ao Facebook e a campos de contratos para encontrar um bom 'fixer'. Desta vez, foi traído.

A certa altura da viagem, Usama pediu para tirar uma fotografia com os três espanhóis e prometeu que nunca a tornaria pública visto que a partilha da imagem poderia ser o passaporte para um sequestro.

A fotografia do fixer com os três jornalistas
Jornalista raptado na Síria revela angústia de 300 dias em cativeiro FOTO: Redes sociais

Usama mentiu. Prometeu que tinha contacto com os Capacetes Brancos, mas também não era verdade. Pampliega afirma que sentia que algo estava errado. O homem não estava a ser verdadeiro quando lhes dava informações. Tudo parecia improvisado e nada estava organizado como é suposto nestas situações.

Jornalistas raptados e traídos por dinheiro

Começa então o sequestro. Antonio conta que seguia com os colegas numa carrinha juntamente com Usama e com o condutor. A certa altura, o motorista meteu a cabeça fora da viatura o que, naquela altura, pareceu um gesto normal. De seguida e numa questão de segundos apareceram seis homens armados, vestidos de forma militar e rosto coberto como é comum nos jihadistas. "E nesse momento, passa-te pela cabeça que estás morto", disse Pampliega. "O nosso medo, é que nos tivesse sequestrado o Daesh", continuou o jornalista em entrevista no programa Chester

Este foi o primeiro dos 299 dias de sequestro. O 'fixer' tinha acabado de trair os jornalistas a quem tinha prometido segurança. Vendeu-os ao grupo terrorista 'Frente al-Nusra'.

"Rodearam o carro, abriram as portas e apontaram-nos as armas para nos forçar a sair o mais rápido possível. Um homem colocou a mão sobre Usama e ele caiu de repente. Nem o Figo tinha fingido tão bem uma penalidade (…)", escreveu o jornalista. "Depois mudaram-nos para a primeira célula em que ficamos. Um tipo começou a ler o corão e Ángel [um dos jornalistas] pedia-lhe: 'Diz algo. Diz-lhe quem somos, que temos boas intenções'", conta Pampliega no livro "En la Oscuridad" que escreveu depois de ser libertado.

Inicialmente, os jornalistas pensaram que se tratavam de soldados do Daesh. No entanto, não fazia sentido porque a provincia síria onde se encontravam era território controlado pela al-Qaeda. Tinham acabado de ser levados por uma rede, desconheciam a origem, e o pânico e terror estava instalado nos três homens que sairam de Espanha para terminar uma reportagem que acabou por mudar de rumo.

Fizeram contas. Sabiam que o Daesh pagava 20 a 30 mil dólares (cerca de 17 a 25 mil euros) por cada pessoa resgatada. A al-Qaeda não. Antonio refere que o guia preferiu dinheiro à amizade. Durante meses, os espanhóis fizeram uma campanha para recolher material escolar que seria depois enviado para Usama que trabalhava em colégios de Alepo. "Como esperas isto de uma pessoa que ajudas, que se preocupa com as crianças e que sempre foi simpático contigo?", interroga o jornalista.

Jogavam xadrez e falavam de futebol

Iam mudando de casa muitas vezes e ainda hoje não sabem os locais exatos onde se encontravam. Suspeitavam apenas que estavam nos arredores de Alepo.

Estiveram em pelo menos seis habitações diferentes e, em todas elas, a porta ficava aberta. No entanto, nenhum tentou escapar pois sabiam que o fim ia ser a morte. Os rumores em Espanha era de que tinham sido assassinados, mas nunca houve confirmações.

Uma fonte confirmou à agência de notícias Europa Press que o CNI – Centro Nacional de Inteligência, a 'secreta' espanhola – localizou os jornalistas em vários momentos. Todavia, era uma tarefa difícil porque os sequestradores mudavam de lugar regularmente.

"No dia 95 do sequestro. Separaram-me dos meus companheiros"

As mesmas fontes asseguram também que os três homens tiveram a possibilidade de ver jogos de futebol e trocar cartas com a família. Antonio conta que lhes perguntavam muitas vezes se precisavam de algo e que lhe diziam como estava o Real Madrid, de quem era adepto.

Partilharam alguns dias do sequestro com um jornalista japonês, também raptado da mesma forma, e com uma mulher alemã que estava grávida.

A certa altura, os serviços secretos espanhóis pediram aos jihadistas que dessem garantias de que os três homens estavam vivos, mais propriamente, uma prova de vida. Algumas vezes, os familiares faziam perguntas aos repórteres que cuja resposta só estes sabiam.

Também chegou ao CNI um vídeo onde os jornalistas diziam o nome e a data. Nestas imagens apareciam, normalmente, com bom aspeto, limpos e saudáveis. Foram gravados dois vídeos de propaganda da 'Frente Al-Nursia' onde apareciam os jornalistas.

A carta que fez Pampliega viver cerca 204 dias na solitária

A vida de Pampliega mudou quando uma carta chegou às mãos dos jihadistas. O remetente era um ex-militar espanhol e era dirigida a Antonio. "Olá António, chamo-me ..., sou o teu melhor amigo", dizia no cabeçalho da carta, segundo o jornalista.

"Aí começou o verdadeiro sequestro, com maus tratos e humilhações"

"Eu acredito que tenha sido de boa vontade, com a ideia de nos ajudar", explica Antonio que relata os seguintes 204 dias de angústia.

Na carta, o ex-militar falou de uma enfermeira amiga de Antonio. Escreveu em inglês: nurse. Esta foi a palavra que deixou os sequestradores a pensar que o jornalista era um espia, e que "nurse" era um sinal. Associaram a palavra ao grupo terrorista a que pertenciam, al-Nusra. E pensaram que era uma associação, para que Antonio soubesse que Espanha sabia com que filial de al-Qaeda este se encontrava.

Seguiram-se 204 dias sozinho num quarto. "Aí começou o verdadeiro sequestro, com maus tratos e humilhações", conta.

"Todos os dias eram iguais. Nunca sabia o que me iam fazer", relata. Antonio confessa que pensou em por termo à vida. "Escrevia, olhava para o teto, dava voltas ao quarto, que tinha 33 passos, e cantava", descreve emocionado.

Medo é a palavra que Antonio mais refere durante a entrevista ao programa espanhol. Conta ainda um episódio que o marcou pela angústia e desespero quando pensou que tinha chegado o dia em que ia ser morto.

Conta Antonio.

Os sequestradores obrigaram Pampliega a ajoelhar-se. Um dos homens tinha na mão uma faca de serra e enconstou-a ao pescoço do jornalista. Levantaram-lhe a cabeça e obrigaram-no a olhar para uma câmara de vídeo. Quando parecia que tudo ia acabar, os terroristas começaram a rir. Disseram-lhe que era o que lhe aconteceria caso tentasse escapar. O objetivo destes homens, segundo Antonio, era apenas assustá-lo.

O dia da libertação, 299 dias depois

Antonio voltou a ver os companheiros Ángel Sastre e José Manuel López no momento da libertação. No dia em que o levaram daquela que tinha sido a sua casa durante 204 dias ameaçaram-no com o símbolo do Daesh. Taparam-lhe a cara, amarram-lhe as mãos e levaram-no para junto dos colegas. "Eu pensei que nos iam vender, matar-nos ou libertar-nos", confessa Antonio.

"O momento mais duro do sequestro foi a libertação", conta o jornalista. Quando lhe disseram para ligar para casa sentiu medo. Achou que, por algum motivo, a mãe pudesse ter morrido.

Em maio de 2016, depois de 299 dias de angústia, tortura e sofrimento, os três jornalistas abraçaram pela primeira vez a família. Mas, ainda hoje, Antonio Pampliega, pede desculpa e sente-se culpado pelo sofrimento que causou aos amigos e familiares.

Afinal, uma reportagem sobre os Capacetes Brancos na Síria, acabou num sequestro de 299 dias e muito, muito medo.

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