Analistas consideram que a linha de fratura entre republicanos e democratas alargou-se para dentro dos próprios partidos, agora ainda mais divididos entre fações radicais e moderadas.
Um ano depois da reeleição de Donald Trump, a América está mais dividida do que nunca, refém da polarização política, da fragmentação social e de um ruído que tornou o diálogo democrático difícil.
Para vários analistas contactados pela Lusa, a linha de fratura entre republicanos e democratas alargou-se para dentro dos próprios partidos, agora ainda mais divididos entre fações radicais e moderadas que se acusam mutuamente de traição ou covardia.
Entre os republicanos, Trump consolidou o controlo interno, afastando dissidentes e recompensando lealdades, transformando o partido num prolongamento da sua liderança.
Entre os democratas, a ausência de uma figura capaz de rivalizar com o magnetismo populista do Presidente alimenta uma guerra interna entre pragmáticos e progressistas, sem estratégia comum para 2028.
"O sistema político nos Estados Unidos está adormecido. As instituições permanecem, mas perderam legitimidade, a confiança pública de que gozaram durante décadas está agora muito diminuída", disse à Lusa a politóloga Erica Frantz, da Michigan State University.
A polarização é alimentada por uma política de comunicação sem precedentes, em que o Presidente usa a sua plataforma Truth Social como um megafone do Governo e instrumento de combate.
Trump publica vídeos criados por inteligência artificial, transformando-se em super-herói ou líder militar, enquanto ataca adversários e jornalistas, num fluxo constante de mensagens dirigidas aos seus apoiantes, a quem nada parece incomodar.
"O Presidente descobriu que a mentira viral é mais eficaz do que o facto verificado", indicou o analista republicano Stuart Stevens, acrescentando que "Trump não comunica, mas antes consegue dominar o espaço comunicacional".
Entretanto, o discurso político transformou-se em entretenimento e o entretenimento em ideologia, numa eficaz estratégia política.
Recentemente, Maria Libecki, uma comerciante do Michigan subiu ao palco de um comício do Partido Republicano para fazer o elogio que se multiplica dentro dessa base de apoio.
"Ele faz o que prometeu e isso basta. Os democratas falam, ele age", sintetizou a vendedora, no meio de fortes aplausos.
Entre os republicanos, a lealdade ao Presidente parece assentar numa mistura de crença e ressentimento contra o legado de anteriores inquilinos da Casa Branca pela forma como se esqueceram de largas faixas de população.
"Trump representa a América esquecida. Ele é a voz de quem nunca teve voz", disse, num programa de 'podcast', o ativista Charlie Kirk, fundador do grupo conservador Turning Point USA e figura de referência dos conservadores, e vítima de um assassínio político setembro deste ano.
Contudo, o coro de vozes dos progressistas também se faz ouvir.
Em outubro, centenas de milhares de pessoas participaram nas manifestações No Kings, realizadas em mais de 2.500 localidades dos 50 estados, quando professores, veteranos, advogados e famílias marcharam sob o lema "Nenhum rei na América", denunciando o autoritarismo e a centralização de poder na Casa Branca.
"Quem se importa?", respondeu a porta-voz Abigail Jackson, quando questionada sobre as manifestações.
A radicalização não se limita às ruas e, na comunicação política, os temas centrais da agenda nacional --- inflação, imigração, segurança --- foram substituídos por guerras simbólicas e narrativas morais.
"A política americana tornou-se emocional. Os eleitores votam por identidade, não por ideias", argumenta o sociólogo Jonathan Haidt, da Universidade de Nova Iorque, reconhecendo que, neste mandato, Trump goza de uma 'entourage' que lhe confere ainda mais autoridade para exercer este poder emocional.
O especialista em política norte-americana Nuno Gouveia concorda com esta visão de um "novo Trump".
"Este é um Donald Trump muito diferente daquele que foi eleito em 2016. Desta vez, Trump estava preparado para governar e é acompanhado por um leque de políticos preparados para o servir. Aqui não há espaço para a dissidência, como sucedeu no primeiro mandato", disse em declarações à Lusa.
Contudo, este analista, tal como Haidt, alerta para os riscos desta estratégia e da escalada de tensão que pode vir a provocar.
As recentes manifestações No Kings já evidenciam que a tensão poderá vir aumentar: com o Governo federal encerrado, o fim dos subsídios aos seguros de saúde e a inflação que ameaça voltar a subir, os próximos meses poderão ser de grande contestação a Trump", previu Gouveia.
A democracia americana, construída sobre a arte do compromisso, parece hoje refém da teatralização do conflito, no momento em que, no Capitólio, republicanos e democratas trocam acusações diárias sobre o impasse orçamental que mantém o Estado em funcionamento provisório há três meses.
"O problema não é a falta de recursos, é a falta de vontade política", comentou o senador democrata Chris Murphy.
No entanto, horas depois destas declarações de uma iminente figura democrata e sentido a pressão, Trump respondeu que o bloqueio "prova que o sistema precisa de mais autoridade executiva".
A frase gerou nova onda de especulação sobre a intenção do Presidente em procurar um terceiro mandato, apesar da proibição constitucional, seguindo a argumentação do mentor do populismo Steve Bannon, que coloca a hipótese de rever a norma.
Nos comícios, bonés com a inscrição "Trump 2028" já circulam, entre aplausos e gargalhadas, mas, para os críticos, este é mais um passo no esvaziamento das normas democráticas.
Um ano depois da eleição, os Estados Unidos vivem entre este ambiente de dramatização e de normalização, numa sociedade que tem cada vez mais dificuldade de distinguir entre fé e política, informação e propaganda, palavra e poder.
A América continua a falar, mas deixou de se ouvir.
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