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Primeira-ministra dinamarquesa pede perdão a vítimas de contraceção forçada na Gronelândia

"Em nome da Dinamarca, peço perdão", afirmou Mette Frederiksen.

24 de setembro de 2025 às 22:06

A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, apresentou esta quarta-feira um pedido de desculpas em Nuuk, perante várias dezenas de mulheres vítimas de contraceção forçada na Gronelândia, afirmando: “Em nome da Dinamarca, peço perdão”.

A campanha orquestrada pela Dinamarca na imensa ilha ártica durante mais de três décadas causou danos físicos a milhares de adolescentes e mulheres, tornando-as, em alguns casos, estéreis.

Muitas dessas vítimas, vestidas de preto, enxugaram as lágrimas durante a cerimónia esta quarta-feira realizada na casa da cultura de Nuuk, ouvindo em silêncio a chefe do Governo dinamarquês.

“Hoje, só há uma coisa a dizer-vos: peço desculpa pela injustiça que vos foi feita por serem gronelandesas. Peço desculpa pelo que vos foi tirado e pela dor que isso vos causou, em nome da Dinamarca. Peço desculpa”, disse Frederiksen.

A campanha, iniciada no final dos anos 1960, visava reduzir a taxa de natalidade na Gronelândia.

No final de 1970, pelo menos 4.070 mulheres – ou seja, uma em cada duas mulheres gronelandesas em idade fértil - tinham sido submetidas à colocação de um Dispositivo Intrauterino (DIU), na maioria sem consentimento ou sequer conhecimento prévio, mesmo quando se tratava de menores, revelou em setembro uma investigação histórica.

Citada pela agência noticiosa francesa AFP, uma das vítimas, Kirstine Berthelsen, de 66 anos, declarou que esta cerimónia lhe permitirá “seguir em frente com a vida, sem que o ódio, a raiva e a negatividade” a corroam por dentro.

Vinda da Dinamarca para a ocasião, Berthelsen disse estar presente por “razões egoístas: ver e ouvir os pedidos de desculpas por duas gravidezes extrauterinas, longas estadas no hospital, cirurgias e a remoção de uma trompa de Falópio”.

Intervindo antes da chefe do Governo dinamarquês, o primeiro-ministro da Gronelândia distanciou-se das palavras de Frederiksen.

“Este pedido de desculpas não significa que aceitemos o que aconteceu. Estamos aqui hoje, porque não aceitamos o que aconteceu”, sublinhou Jens Frederik Nielsen.

No final de agosto, a primeira-ministra dinamarquesa apresentou, num comunicado, as suas desculpas às vítimas, atendendo a um pedido há vários anos formulado por essas mulheres.

Na segunda-feira, ela anunciou a criação de um “fundo de reconciliação” para as indemnizar, bem como a outros gronelandeses discriminados devido à sua origem, no âmbito de outros casos.

“É uma notícia muito boa, porque para as minhas clientes não basta um simples pedido de desculpas”, afirmou Mads Pramming, advogado de cerca de 150 das vítimas que estão a processar o Estado dinamarquês por violação dos seus direitos humanos e pedem reparações.

“O momento é oportuno, ela não teria sido bem recebida se não tivesse proposto nada antecipadamente”, acrescentou.

Numerosos problemas separam Nuuk de Copenhaga, em particular, as adoções forçadas e o acolhimento forçado de crianças da Gronelândia na Dinamarca.

O Governo dinamarquês está a tentar acalmar as tensões, num momento em que a Gronelândia é cobiçada pelos Estados Unidos do Presidente republicano, Donald Trump.

“É a pressão externa, especialmente dos Estados Unidos, que está a obrigar a Dinamarca a intensificar os seus esforços”, afirmou a deputada Aaja Chemnitz, que representa a Gronelândia no parlamento dinamarquês.

“Sou deputada há dez anos e nunca antes tinha visto tantos esforços”, acrescentou.

Mette Frederiksen rompeu com a tradição dos seus antecessores, que sustentavam que a Dinamarca não tinha motivos para pedir desculpas.

“No passado, os primeiros-ministros dinamarqueses sempre foram extremamente relutantes em reconhecer as injustiças cometidas na Gronelândia”, recordou a historiadora Astrid Andersen, investigadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais.

No caso “anticonceção”, como é conhecido na Gronelândia, foi o testemunho de uma vítima e uma série de ‘podcasts’ em 2022 que revelaram ao grande público a existência desta campanha de contraceção forçada, esquecida pelas autoridades públicas e recalcada pelas vítimas.

Está em curso outra investigação sobre as suas implicações jurídicas, cujo relatório se pronunciará sobre se a Dinamarca cometeu ou não “um genocídio” e deverá ser divulgado na primavera de 2026.

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