Manuel Queiroz

BPP, o pequeno que serviu de bode expiatório

13 de maio de 2025 às 20:18
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O Banco Privado Português (BPP), denominado a certa altura como “Banco dos Ricos”, foi alvo de ódio e punições severas após a crise financeira que atingiu o mundo e, consequentemente, Portugal. A que se deve o tratamento que parece diferenciado sofrido pelo BPP? Tão diferenciado que ainda esta semana se soube que o caso do Banco Português de Negócios (BPN) acabou prescrito e que as duas pessoas responsáveis ainda vivas estarão assim livres. E o BPN custou 5,9 mil milhões aos contribuintes, além de danos reputacionais com a sua ligação a outros casos de fraude fiscal e não só. Mesmo assim, Oliveira e Costa, que foi o seu histórico presidente e já faleceu, foi condenado em cúmulo jurídico a 15 anos de prisão e que só cumpriu basicamente em Domiciliária. Mas o BPN foi condenado por casos que foram seus e muito menos devido a uma crise económica mundial. Bem ao contrário do BPP.

A verdade é que os administradores do BPP não tiveram a mesma sorte.  Porque é que foram tão massacrados, resultando até numa morte e em prisões com penas que podem ser vistas como desproporcionadas? Vamos tentar entender o contexto e a história para responder a essas perguntas.

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Em 15 de setembro de 2008, a queda do  banco Lehman Brothers foi a ignição para uma das maiores crises financeiras mundiais da história, a que a zona do euro, e consequentemente Portugal, não ficaram imunes.

A liberalização que se deu nos anos 80 e 90 abriu as portas a uma forte crise financeira que se iniciou no outono de 2008, a denominada crise do “Subprime”. Com ela, os resgates financeiros verificados na zona do euro ascenderam a muitos biliões de euros.

A Espanha, com 74,3 mil milhões de euros, a Irlanda, com 49,7 mil milhões de euros e a Alemanha, com 30,6 mil milhões de euros de resgates no setor financeiro, estiveram, em termos absolutos, bem piores do que Portugal (fonte Eurostat abril/2023).

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No caso português, o total de resgates no setor financeiro ascendeu a 23 mil milhões de euros. (fonte Eurostat abril/2023).

Uma parte significativa dos impactos desta crise em Portugal, teve a ver com fatores endógenos, centrados no esquecimento de regras de compliance e/ou de fidúcia, aliados a uma supervisão deficiente do regulador.

Em Portugal, os resgates dos bancos tiveram o seu máximo impacto financeiro nos casos do BPN e do BES em que, por estratégia familiar, gestão fraudulenta ou esquecimento das regras de compliance e fidúcia, houve perdas financeiras diretas: no BPN ascenderam, repito, a 5,9 mil milhões de euros (fonte Expresso 10/01/2025) e, como vimos, desses já não há regresso, e no BES a 8,3 mil milhões de euros, não considerando as perdas dos seus clientes. (fonte Jornal de Negócios)

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Entretanto, tivemos o colapso do BANIF, um banco com dinheiro do Estado, em que mais uma vez, com a provável intervenção da política e a inação do regulador, as perdas atingiram cerca de 3 mil milhões de euros, sem que a justiça tivesse feito qualquer acusação.

No caso do BCP e CGD, com a nomeação das novas equipas de administração, houve uma forte limpeza dos balanços, com a consequente recuperação da imagem e da credibilidade dessas instituições.

Ainda no meio deste panorama tivemos as grandes dificuldades do Montepio.

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O BPN, BES e BANIF são três exemplos com direito de triplo AAA, sendo que quase todas as administrações passaram, até ao momento, ilesas a condenações judiciais, por razões que só se podem presumir.

Por fim, o Banco Privado Português pagou por todos. Chamaram-lhe “Banco dos Ricos” e o ex-primeiro-ministro José Sócrates, em período pré-eleitoral, pouco se interessou por encontrar soluções.

O Banco Privado Português teve, assim, um tratamento diferente, apesar de ter sido paga ao Estado a totalidade dos 450 milhões de euros de apoio financeiro que tinha recebido e de os seus clientes de perfil conservador terem recuperado entre 82% e 95% dos seus investimentos. O BPP tornou-se o bode expiatório da crise financeira portuguesa e o seu presidente e administradores condenados a um destino diria cruel, tanto com a perda da vida de um como com as penas de prisão muitíssimo elevadas, pelo menos comparando com outras.

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Assim, enquanto Oliveira Costa, presidente do BPN, em 24 de maio de 2017 era condenado a 14 anos de prisão, as penas totais de João Rendeiro ultrapassaram os 25 anos de prisão. E com a morte por doença crónica de Oliveira Costa, o processo do BPN saiu dos holofotes da justiça e da comunicação social. Até prescrever depois de tempos largos no Tribunal Constitucional.

No final de setembro de 2021, João Rendeiro anunciou, em Londres, que não voltaria a Portugal. Em dezembro daquele ano, foi detido em Durban, na África do Sul. O ex-banqueiro tinha fugido para um país em que não havia extradição, mas em que havia um acordo de cooperação direta que facilitava a extradição e encontrava-se agora numa prisão extremamente violenta.

Paralelo a isso, em 5 de outubro de 2021, Paulo Guichard, ex-administrador do BPP, anunciou, em entrevista à SIC no Rio de Janeiro, o seu regresso de livre vontade a Portugal. Guichard vivia há doze anos no Brasil, com autorização das autoridades portuguesas. Contudo, mal chegou a Portugal, foi detido ilegalmente ao desembarcar no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, no dia 07/10/2021. O Supremo Tribunal de Justiça considerou essa prisão ilegal e Guichard foi solto oito dias depois.

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No entanto, a 27 de abril de 2022, fez agora três anos, Paulo Guichard voltou a entregar-se voluntariamente no Estabelecimento Prisional Vale do Sousa, para cumprir pena, após o

Tribunal Constitucional ter recusado o seu recurso numa votação renhida no plenário de cinco membros, condenando o economista portuense a entrar no sistema prisional. A pena pode chegar potencialmente a 13 anos e meio.

Enquanto isso na África do Sul, no decorrer do processo de extradição, em 13 de maio de 2022, João Rendeiro, dando continuidade a esta tragédia grega, é encontrado enforcado dentro de uma cela de transferência, antes de ser apresentado ao Tribunal, a nove dias de completar 70 anos.Já em 2023, Fernando Lima, ex- administrador do BPP, dá entrada no Estabelecimento Prisional de Setúbal. Em 14 de novembro do corrente ano, Salvador Fezas Vital, ex-CFO do BPP , deu entrada na cadeia de Carregueira (Sintra) para cumprir uma pena de dois anos e seis meses.

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Até ao momento, em mais nenhum banco português houve condenações severas transitadas em julgado. Em alguns casos, não foram sequer abertos processos, e noutros foram criados mega processos que, com a lentidão a que estão sujeitos possivelmente levarão a mais prescrições. Ao contrário, o BPP, embora mais pequeno, foi fatiado em quatro processos, o que agilizou muito os julgamentos, permitindo também aumentar as penas dos indiciados. Por outro lado, cerca de oitenta altos quadros e administradores do Grupo Espírito Santo, beneficiários do famoso saco azul do BES, com milhões de euros em pagamentos, enquadrados em crime fiscal e branqueamento de capitais, ainda não foram sequer acusados.

Mais uma vez, outros não tiveram tanta sorte.

O BPP e os seus administradores continuam a ser praticamente os únicos bodes expiatórios numa crise em que foram pequenos protagonistas, conforme os números que este artigo demonstrou, face à dimensão do que se passou no setor financeiro em Portugal.

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Diante disso, responda-me quem souber: há uma justiça para os administradores do BPP e outra, mais benigna, para os outros? É justo que uns paguem por todos para gáudio do povo e tranquilidade dos responsáveis e do país, quando de facto os grandes responsáveis pela crise financeira ficaram impunes, ao contrário do que até se passou em Espanha?

Jornalista e colega de liceu do Paulo Guichard

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