Ninguém explicou os motivos por que a Caixa precisa da engorda pantagruélica de quase cinco mil milhões de euros: nem o governo, nem a Comissão Europeia, nem o Banco de Portugal – nem a Caixa. O mandato destas instituições públicas deveria obrigatoriamente passar pela informação clara aos cidadãos.
A opacidade desprezativa subsiste como falha da democracia. Deram-se enormes passos nas últimas décadas. Há 30 anos, o Orçamento de Estado, importante documento da vida colectiva, era quase um fait-divers da política e do jornalismo. Hoje é escrutinado pelo parlamento, técnicos e media. Mas sobram áreas de escuridão. Foi-se inculcando a ideia de que a Caixa precisava de muito dinheiro, até se decidir meter lá muito dinheiro, cumprindo a profecia inicial – e já está. Sem explicação.
E é assim porque o buraco da CGD resulta do conluio de todo o sistema político: PS, PSD e CDS fizeram dela o que quiseram; e o PCP e o BE juntaram-se à opacidade por razões ideológicas ("se o banco é do Estado, é sagrado").
Esta deficiência da democracia, a falta de informação, é generalizada. Muitos media não escrutinam certas opacidades porque, tal como para a maioria da população, elas são o estado normal do funcionamento do Estado e não só, também das instituições desportivas, financeiras, etc. Quando um media procura escrutinar, encontra o silêncio. O CM tem procurado amiúde explicações da TV do Estado, a respeito da sua gestão concreta, e esbarra quase sempre com o silêncio. A opacidade favorece o sistema. No caso, a RTP presta as "informações" em relatórios de tipo oficial um ano depois de feitas as coisas, quase sempre com atraso, falhando prazos oficiais. E, como o escrutínio cabe ao mesmo Estado que gere a RTP – governo, ERC, parlamento –, nem é feito como deve ser nem serve para nada. O sistema existe para que os responsáveis da RTP vão fazendo o que entendem sem escrutínio. Nem governo nem RTP explicam quanto custará disponibilizar mais dois dos seus canais aos 13% de portugueses que só têm TDT.
E, assim, podem cobrir de demagogia açucarada a sua acção, protegidos entretanto pela ideologia dominante de que tudo o que é do Estado é sagrado, incluindo ‘O Preço Certo’. Compram mais futebol por um valor mais alto que o rejeitado pelos privados e dizem estrear umas séries para não terem telenovelas, precisamente quando a RTP 1 está a transmitir três horas de novelas em até quatro episódios diários. Os defensores da RTP 1 (o que é do Estado é sagrado), como não a vêem, não falam disso, mas, mesmo que soubessem, nada diriam. A opacidade é um bem essencial à sobrevivência do sistema.
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A ver vamos: Série na RTP 2 - O comboio como janela para o mundo
Não há melhor meio de transporte para conhecer o mundo de perto do que o comboio. Adquiriu uma merecida aura romântica. A magnífica série francesa ‘Inesquecíveis Viagens de Comboio’ (RTP 2) consegue o feito de mostrar as viagens e os sítios, paisagens e povos de todo o mundo, de forma culta, divertida e bem construída. Culta porque informada, curiosa e sem superioridade. Divertida porque o apresentador faz do seu ligeiro toque de chauvinismo francês o motivo cómico e autodepreciativo, como o fez Michael Palin, de fama ‘Monty Python’, nas suas várias séries correndo as sete partidas do mundo. Bem construída porque a série encontrou uma fórmula mágica para a montagem dos diálogos: ouvimos as perguntas do apresentador em francês e, coladinhas, as respostas na língua escolhida por cada um. Os comentários em off superlativam sítios e povos visitados, em linguagem lírica que equilibra com o humor. E é assim que a televisão pode ensinar.
Já agora - Sismo: erros evitáveis mesmo sob stress
O terramoto em Itália foi mortífero e destruidor, mas nada justifica erros da informação na TV, mesmo apressada. "Cidades totalmente destruídas"? Muito destruídas, sim, mas vilas e aldeias. Amatrice tinha 2700 habitantes. Na Internet, em 30 segundos, verificava-se a população. E a cultura geral diria que "città" ou "town" podem ser vilas.
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