Eduardo Dâmaso
JornalistaQuando passamos do superjuiz ao infrajuiz
16 de fevereiro de 2024 às 00:31O caso da Madeira desatou a fúria mediática e política contra o Ministério Público (MP), com o habitual coro de letrados em leis a pedir reformas. O MP e todo o sistema de Justiça devem estar sempre preparados para reformas. Por outro lado, o MP também não está isento de críticas e é sua obrigação procurar o rigor, o respeito pela legalidade e pelos direitos fundamentais.
Já o poder político não está menos obrigado a um dever de isenção, devendo abstrair-se de fazer reformas em causa própria. O consenso que por aí anda sobre as detenções para primeiro interrogatório tem alguma razão de ser. Mas não deixa de ser uma inquietação seletiva e de classe. Muitas questões se colocam com o regime de detenção e penitenciário, em geral, aplicados aos mais incógnitos e desprovidos de poder dos cidadãos, que não suscitam nenhuma preocupação ao grupo dos mais recentes indignados.
Tal como, de resto, todas as preocupações sobre os poderes e autonomia do MP têm sido classistas. De 1987 para cá, aqueles poderes foram, quase sempre, retocados em função dos processos mais mediáticos, como a Casa Pia. Umas vezes no sentido correto, outras nem por isso.
Deixemos, no entanto, esse debate das reformas e regressemos às perplexidades suscitadas pela decisão do juiz Jorge Melo. O busílis da questão está no senhor juiz, não no MP. Este juiz, que nunca teve qualquer contacto com o crime complexo, é o primeiro responsável pela detenção dos arguidos ao longo de 21 dias. Foi por esses dias, aliás, que outro juiz, no Porto, fez uma gestão rápida e impecável dos interrogatórios, mostrando inteligência prática e economia processual.
O juiz Jorge Melo, de resto, é protagonista de perplexidades maiores do que as que vêm do trabalho da investigação, que são nenhumas. O grau de convicção manifestado pelo juiz quanto à inexistência de indícios não é compatível, desde logo, com o facto de ter havido um pedido de ‘habeas corpus’ no final dos interrogatórios e da promoção do Ministério Público, na última sexta-feira. Pelos vistos, a convicção do juiz não estava formada nesse momento. Se estivesse, teria procedido à imediata libertação dos arguidos, como fez, afinal, o juiz Pedro Miguel Vieira quando concluiu que dois dos detidos tinham um escasso envolvimento nos factos ocorridos na assembleia geral do FC Porto. Não só isso não foi feito como, nesse mesmo dia, foi marcada a audiência dedicada à comunicação das medidas de coação para quarta-feira, depois do Carnaval. Sem qualquer sentimento de urgência, portanto, como seria imperativo em matéria de privação da liberdade. Finalmente, a não valorização dos indícios, em particular das incongruências financeiras de Pedro Calado. Isso significa, tão-só, que o juiz não sabe ou despreza a produção de prova indireta. E que, por este caminho, nunca haveria combate ao crime económico ou ao terrorismo. Passámos, portanto, do superjuiz ao infrajuiz. E se a ideia de superjuiz não é boa, a de infrajuiz é uma tragédia.
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