Arquivamento do PGR pode ser revogado
O arquivamento do processo visando José Sócrates e a consequente anulação das escutas telefónicas envolvendo o primeiro-ministro não são definitivos. A tese é defendida por juristas que garantem ser possível a qualquer cidadão constituir-se assistente no processo para contestar a decisão de Pinto Monteiro.
Outros vão mais longe, e defendem que qualquer cidadão pode avançar com uma queixa contra Pinto Monteiro ou Noronha Nascimento por prevaricação ou denegação de justiça. Neste caso, o entendimento seria o de que aqueles dois altos magistrados agiram por regras contrárias ao Direito. As decisões que tomaram, na verdade, estão longe de ser pacíficas.
O catedrático da Universidade de Coimbra Costa Andrade já disse publicamente que as escutas são válidas, devendo os indícios apresentados pelo juiz de instrução de Aveiro ser validados. Esta opinião, analisada ao milímetro no Palácio de Belém, que indicou Costa Andrade para o Conselho Superior da Magistratura, abre a porta à hipótese de ser verificada a validade das decisões daqueles magistrados.
Ontem, Costa Andrade recusou-se a comentar ao CM a possibilidade de Pinto Monteiro ou Noronha Nascimento serem alvo de queixas, alegando não querer voltar a tomar posição pública sobre este processo.
Não está também afastada a hipótese de as escutas telefónicas ou de os resumos das mesmas virem a ser tornados públicas. O principal argumento a favor da divulgação está no facto de Pinto Monteiro ter decidido pelo arquivamento sem previamente ter aberto um inquérito-crime. Pinto Monteiro não esclareceu até ao momento em que sede tomou a decisão. Se o fez no âmbito de uma troca de expediente administrativo entre tribunais há a hipótese de qualquer cidadão requerer uma cópia dos despachos. Aí não se aplicam as regras do segredo de justiça, e as mesmas escutas, ou pelo menos os seus resumos, podem ser consultadas por quem manifestar interesse legítimo.
Se a decisão do procurador-geral foi tomada dentro de um inquérito--crime, o segredo de justiça cessa com o arquivamento do processo. De uma forma ou de outra, portanto, dificilmente o procurador-geral da República escapará à necessidade de voltar a prestar mais esclarecimentos.
AGENDA DA SEMANA
SEGUNDA-FEIRA
Paulo Pereira da Costa e o pai, Manuel Costa, fazem parte do núcleo-duro de Manuel Godinho. Já estiveram no tribunal, mas acabaram por não ser interrogados pelo juiz. Deverão ser indiciados por associação criminosa.
TERÇA-FEIRA
Não é conhecida a agenda de interrogatórios. Sabe-se no entanto que ainda há arguidos que não foram inquiridos, como é o caso de João Godinho, filho do empresário de Ovar. Poderá ser interrogado pelo magistrado no Tribunal de Aveiro na terça-feira.
QUARTA-FEIRA
José Penedos, ex-secretário de Estado, regressa ao Tribunal. Volta a ser ouvido e poderá conhecer a medida de coacção. Maribel Rodrigues, secretária de Manuel Godinho, vai também ser ouvida pelo juiz. Conhecia os negócios do patrão.
QUINTA-FEIRA
António Paulo Costa, gestor da Petrogal, é interrogado pela segunda vez. É acusado do crime de corrupção passiva, depois de ter recebido um Mercedes-Benz em troca de informação da empresa onde trabalhava. O carro foi apreendido pela Polícia Judiciária.
SEXTA-FEIRA
Armando Vara, o mais mediático arguido do processo ‘Face Oculta’, continua a ser interrogado. O ex-ministro e vice do BCP com funções suspensas deve também conhecer as medidas de coacção determinadas pelo juiz de instrução.
'DEIXOU-SE O PAÍS FICAR NA IGNORÂNCIA TOTAL'
O jurista Luís Menezes Leitão também questiona a decisão do PGR. 'Só se pode concluir se há ou não provas sobre a prática de crime após a conclusão do inquérito. Ora, neste caso, não houve inquérito', refere Menezes Leitão, pondo mesmo em causa a legalidade da decisão do PGR. No seu blogue Lei e Ordem, o professor de Direito já fez saber a sua posição sobre a decisão de Pinto Monteiro.
'Sabendo-se que o Procurador e o Juiz de Instrução da Comarca de Aveiro entenderam existir nas escutas indícios de atentado ao Estado de Direito, o Procurador-Geral da República limita-se a dizer que os indícios não se confirmam e ordena o arquivamento do processo. Não é dada qualquer explicação para a divergência entre os vários responsáveis pela investigação e deixa-se o País na ignorância total sobre o que efectivamente se passa', escreveu Luís Menezes Leitão.
'PROCURADOR TEM O DEVER DE REVELAR ESCUTAS'
'Pinto Monteiro tem o dever jurídico de mostrar ao País o teor das escutas entre Armando Vara e José Sócrates', disse ao CM Paulo Pinto de Albuquerque. O penalista entende que o PGR arquivou as certidões das escutas sem abrir sequer inquérito, e que por isso deve esclarecimentos ao País. Pinto de Albuquerque lembra que há três magistrados que entenderam que havia indícios de crime contra o Estado de Direito democrático do primeiro-ministro, em exercício de funções, e que por isso a suspeição continua.
O penalista diz também que, perante a lei, qualquer cidadão pode requer diligências de investigação para obrigar o PGR a abrir inquérito. 'O povo tem o direito de saber se a polémica das escutas com o primeiro-ministro revelam ou não matéria criminal'.
'TENTARAM DECAPITAR O PS'
'Houve uma tentativa de decapitar o Governo e o PS, feita de uma forma totalmente inaceitável, procurando politizar um processo judicial e fazer a judicialização da vida política.' Foi assim que o líder parlamentar do PS, Francisco Assis, reagiu ontem à decisão do procurador-geral da República de arquivar o processo que envolvia as escutas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara.
'Não foram meros juízos de natureza formal que estiveram na base da decisão do senhor procurador-geral da República', atirou Assis, deixando claro: 'Não há razão para que a mais pequena dúvida subsista.' Assis acusou mesmo alguns dirigentes políticos de promoverem um 'carnaval demagogo'. 'É inaceitável e indecoroso que os responsáveis políticos cedam à tentação de usar processos judiciais concretos para atingir pessoas', destacou.
Pelo contrário, Jerónimo de Sousa considera que 'seria muito grave' a destruição 'irreversível' das escutas. 'Não se trata de procurar saber os seus conteúdos, mas procurar manter essas provas para processos futuros.' Para José Manuel Pureza, líder parlamentar do BE, Sócrates 'deve rapidamente esclarecer tudo o que tem a esclarecer do ponto de vista político', enquanto Nuno Magalhães, deputado do CDS-PP, entende que 'a investigação deve ir até ao fim'.
STJ: NORONHA NÃO DECIDIU
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, não tomou decisõessobre as escutas que o procurador-geral, Pinto Monteiro, mandou arquivar
DIAP: ESCUTAS NA PGR EM JUNHO
As certidões com as escutas que o PGR mandou arquivar foram enviadas pelo DIAP de Aveiro em Junho. A decisão de Pinto Monteiro só foi conhecida no último sábado
JUIZ: AVEIRO CONTRA SUPREMO
O juiz de instrução do processo não reconhece competências ao presidente do STJ para dar ordens num processo que lhe é alheio. Costa Gomes mantém escutas em Aveiro
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