Assalto à Justiça
O que interessa é o facto consumado numa lógica de conquista.
Opinião
Contudo, nos últimos anos, o seu papel tem sido desvalorizado e, em termos organizacionais, vítima de um lento e sibilino processo de estrangulamento funcional, facilitado por uma liderança acomodatícia, o que que fomenta anomias e gera instabilidade.
É evidente estarmos perante uma estratégia orquestrada que visa passar para a opinião pública uma falsa ideia de incapacidade de resposta, sugerindo, como caminho desejável para a resolução de todos os problemas, a reforma da atual organização policial, desmantelando a PJ, subtraindo-lhe serviços que historicamente e pelas razões mais óbvias sempre nela estiveram sediados como a INTERPOL e a EUROPOL e cuja relevância é decisiva no plano da cooperação e informação criminais, desviando-os para outras entidades, serviços e polícias mais facilmente controláveis politicamente.
À boleia das imagens terríficas dos atentados terroristas recentes e da amplificação do medo que instilam na opinião pública, assistimos a uma despudorada e frenética apologia de um eficientismo securitário que não conhece limites.
Ao invés de repensar o modelo policial vigente, no que ele tem de profundamente irracional, redundante e perdulário, aposta- -se no reforço do integralismo concentracionário, repristinando soluções que Portugal apenas conheceu nos conturbados tempos da ditadura sidonista.
Não se demonstram, nem se discutem as virtudes e os benefícios das mudanças pretendidas. Não se tem na devida conta a análise diacrónica e global da realidade e as lições da história. Nem tampouco se ouvem os argumentos de especialistas e responsáveis europeus que, refletindo sobre as suas experiências, consideram que especialização e complementaridade são palavras-chave no combate à criminalidade num Estado de Direito, elogiando o modelo português relativamente a estas matérias.
É assim, porque o que está em jogo é, apenas e só, concentração de competências e de poder e governamentalização da informação e da investigação, transferindo-as da Justiça para a Administração Interna, inscrevendo definitivamente na vulgata securitária as valências que lhe faltam. Nestas circunstâncias, não interessa perder tempo com um debate sério e uma reflexão profunda. O que importa é ganhar terreno, o que interessa é o facto consumado numa lógica de conquista.
Num Estado de Direito Democrático, que não seja refém da neurose securitária nem dos múltiplos interesses que nela se acoitam, uma PJ – inteira – constitui uma mais-valia essencial para o funcionamento pleno do Estado de Direito Democrático e o seu enfraquecimento e a governamentalização da investigação corresponderá, sempre, a um retrocesso e uma grave desvalorização do Poder Judicial, no sentido da sua crescente funcionalização e transformação numa mera entidade reguladora.
É isso que se pretende!... e isso aceita-se?
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt