Três anos de prisão para mãe que permitiu mutilação genital da filha bebé. É primeira condenação em Portugal

Rugui Djaló, cidadã guineense residente em Portugal, terá ainda que pagar 10 mil euros à criança.

08 de janeiro de 2021 às 14:52
Mutilação genital continua a ameaçar milhões de raparigas Foto: Getty
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Foi condenada a três anos de prisão efetiva a mulher guineense residente em Portugal acusada de permitir a mutilação genital da própria filha bebé, no primeiro julgamento de um caso do género no nosso País. Rugui Djaló terá ainda que pagar 10 mil euros de indemnização à criança.

Rugui Djaló foi dada como culpada de ter submetido à prática Maimuna, a filha (agora com 3 anos), durante uma estadia de três meses na Guiné-Bissau, em 2019.

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Quando voltou da viagem à Guiné, em março de 2019, Rugui levou Maimuna a um centro de saúde, porque a filha estava vermelha na zona genital, apontando como causa a combinação entre as fraldas e o calor do país africano de língua portuguesa de onde haviam regressado recentemente.

As enfermeiras que a atenderam identificaram uma infeção urinária e suspeitaram que esta tivesse sido causada por uma excisão genital. Posteriormente, a perícia médica feita a Maimuna confirmou essa possibilidade.

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Na audiência de alegações finais, a 17 de dezembro do ano passado, a procuradora do Ministério Público pediu a aplicação de uma pena de prisão efetiva a Rugui Djaló, na convicção de que "teve conhecimento e consentiu o que foi feito" à sua filha.

A procuradora justificou o pedido de pena de prisão efetiva - não obstante a arguida, de 20 anos, não ter antecedentes criminais - com a "gravidade extrema" do crime, "violação de direitos humanos" para a qual se impõe "tolerância zero".

Por seu lado, o advogado de defesa, Jorge Gomes da Silva, assegurou que, dada a natureza da tradição do fanado (ritual de iniciação da Guiné que inclui a excisão feminina), a arguida não teria submetido a filha num dia e voltado para Portugal logo a seguir, nem teria levado a menina ao centro de saúde, sabendo de antemão que teria cometido um crime.

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Nas alegações finais, o advogado sensibilizou o tribunal para a juventude da arguida, que "não é uma delinquente" e "luta pela vida, pautando a sua conduta pelas regras" de Portugal.

"Dou a minha vida pela minha filha", garantiu, no final da sessão de alegações finais, Rugui Djaló, que pertence à etnia fula, uma das que tradicionalmente mantêm a prática de mutilação genital.

A Guiné-Bissau -- onde a mutilação genital feminina é punida por lei desde 2011 -- é o único país de língua portuguesa que figura nas listas internacionais sobre a prática, estimando-se que metade das suas mulheres tenham sido excisadas.

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Segundo dados oficiais, 39% das crianças guineenses com menos de 15 anos tinham sido excisadas em 2010 (antes da criminalização), percentagem que desceu para 30% em 2014.

Em Portugal, onde reside uma representativa comunidade guineense, os profissionais de saúde da região de Lisboa registaram 129 casos de mutilação genital feminina em 2019, o dobro em relação a 2018.

Este registo não decorre de mutilações genitais praticadas recentemente em território nacional -- o que nunca foi provado ter acontecido --, mas sim da sinalização de vítimas nele residentes submetidas à prática fora do país e, na maioria dos casos, num passado não recente.

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O Governo -- que coordena o projeto "Práticas Saudáveis -- Fim à Mutilação Genital Feminina -- sublinhou, em fevereiro do ano passado, aquando do último balanço, que o aumento do número de casos registados reflete a capacitação dos profissionais de saúde para o diagnóstico destas situações.

Estima-se que em Portugal vivam 6.500 mulheres excisadas, na maioria originárias da Guiné-Bissau.

A mutilação genital feminina -- que consiste na retirada total ou parcial de partes genitais, com consequências físicas, psicológicas e sexuais graves, podendo até causar a morte -- ainda é uma prática comum em três dezenas de países, sobretudo africanos, estimando-se que ponha em risco três milhões de meninas e jovens todos os anos e que cerca de 200 milhões de mulheres e meninas tenham já sido submetidas à prática.

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