Suspeitos de homícidio de empresário em Braga vão a julgamento
Tribunal pronúncia dois advogados, um economista e o bruxo da Areosa.
O Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto decidiu hoje mandar para julgamento seis dos suspeitos de matar um empresário de Braga e de dissolver o cadáver em 500 litros de ácido sulfúrico, em março de 2016.
Um sétimo arguido, igualmente acusado deste homicídio, não requereu a abertura de instrução.
"Os crimes imputados aos arguidos são, além de extremamente graves, complexos e de difícil investigação, sendo sabido que os seus agentes procuraram dificultar e perturbar a ação policial, escondendo, destruindo e complicando as provas necessárias à descoberta da verdade, o que aconteceu de forma flagrante, em que os arguidos fizeram desaparecer o corpo da vítima", lê-se na decisão do TIC.
A decisão instrutória salienta que após terem sido "filtrados" os factos apurados em sede de inquérito, não restam dúvidas "pelo menos a nível indiciário" de que os arguidos cometeram os crimes que lhes são imputados na acusação.
"Muito dificilmente poderá cair, em fase de instrução, uma acusação desta dimensão e com a profundidade inerente, pois mesmo que existam depoimentos contraditórios (...) essas contradições não impedem a remessa dos autos para julgamento", sustenta.
Os sete homens, entre os quais dois advogados, são suspeitos de sequestrar um empresário de Braga a 11 de março de 2016, de o matar e dissolver o cadáver em 500 litros de ácido sulfúrico.
Em prisão preventiva (medida de coação mais gravosa), os arguidos estão acusados dos crimes de associação criminosa, furto qualificado, falsificação ou contrafação de documentos, sequestro, homicídio qualificado, profanação de cadáver e incêndio.
De acordo com a acusação do Ministério Público (MP), aqueles sete arguidos "organizaram-se entre si, criando uma estrutura humana e logística, com o propósito de sequestrar um empresário de Braga, de o matar e de fazer desaparecer o seu cadáver".
Com isso, pretendiam "impedir de reverter um estratagema" mediante o qual o património dos pais da vítima fora passado para uma sociedade controlada por dois dos arguidos.
À saída do tribunal, o advogado de Pedro Grancho Bourbon, arguido também ele causídico de profissão, afirmou aos jornalistas que a decisão proferida pelo TIC é "tecnicamente muito fraca e mal fundamentada".
"É uma decisão que me entristece enquanto advogado, enquanto jurista, porque efetivamente devíamos estar muito melhores servidos em termos de qualidade nos tribunais de instrução criminal por juízes que, efetivamente, tivessem coragem de decidir em função das provas e dos argumentos apresentados por ambas as partes", referiu António Barreto Archer.
O advogado confessou estar "frustrado", pois estava na esperança que houvesse uma mudança no processo.
"É uma acusação que reproduz acriticamente a acusação e, mais uma vez, se demonstra que esta fase de instrução em Portugal não tem um verdadeiro sentido jurisdicional e que os juízes de instrução aderem acriticamente à versão da acusação e, portanto, não consideram devidamente os argumentos da defesa", acrescentou.
O processo tem mais dois arguidos, um dos quais é acusado dos crimes de falsificação ou contrafação de documento e de incêndio, e o outro de furto qualificado.
Advogado suspeito pede 25 anos para bruxo
Pedro Bourbon falou durante quase duas horas diante da juíza do Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Culpou Emanuel Paulino, bruxo da Areosa, e os dois irmãos, Manuel e Adolfo, pela morte de João Paulo Fernandes, há quase um ano, em Braga. No interrogatório prestado a 20 de fevereiro, o advogado foi mais longe e pediu pena máxima para o bruxo.
"Repudio o ato que praticaram, seja ele qual for, repudio o ato veementemente. E, no mínimo, quem o praticou deve apanhar 25 anos de cadeia. Repudio", ouve-se o advogado dizer no interrogatório ao qual o CM teve acesso.
A juíza pergunta claramente a Pedro Bourbon quem deve apanhar a pena máxima: se são os seus irmãos ou o bruxo. O advogado afirma logo que é este último, pois era ele quem tinha "ascendente sobre os outros". O advogado, que nega ter estado envolvido no homicídio, afirma ainda que sabia de tudo. Que dias após o rapto do empresário, de 41 anos, o bruxo lhe contou o que fez. "Ele disse ‘desapareceu e tão cedo não volta a aparecer’. Eu perguntei porquê, e ele respondeu que ‘o homem lá de cima disse que tinha que ser assim’", refere o arguido.
Pedro Bourbon, que está na cadeia, em preventiva, diz que também os dois irmãos confessaram que participaram no crime e garante que tentou afastar-se a certa altura do bruxo por não concordar com o que tinha sido feito. "Ninguém tem o direito de fazer o que ele fez, nem ele, que é iluminado por Deus." O advogado diz ainda que o bruxo é "manipulador" e que foi "um mero "peão" nas suas mãos.
Todos contra todos na Máfia de Braga
Pedro Bourbon acusou o ex-amigo Emanuel Paulino, bruxo da Areosa, de ter planeado a morte de João Paulo Fernandes, a 11 de março do ano passado, em Braga. Disse que não sabia como é que ele cometeu o homicídio, apenas que devia ser condenado a 25 anos de cadeia. Falou depois de Deus que ‘quis levar o empresário’ consigo. Mas tudo com a ajuda do bruxo que para Pedro Bourbon tem mesmo poderes paranormais.
O debate de instrutório de ontem deixou claro que a guerra está instalada. O advogado de Emanuel Paulino foi claro. Rui Silva Leal disse que havia efetivamente indícios e que então agora se verá quem apanha os tais 25 anos de cadeia. Quem irá efetivamente colaborar com a Justiça.
A possibilidade de Emanuel Paulino falar - e disparar contra todos os arguidos - deixou os advogados em choque. O silêncio era até há poucas semanas a arma mais forte. O próprio bruxo tinha-o dito durante a investigação, nas conversas que lhe foram escutadas: "Se ninguém se chibar eles não têm prova".
A realidade mudou. Diz Rui Silva Leal que este é um processo de ‘chibos’. E, por isso, também Emanuel Paulino vai prestar declarações. Mas só em fase de julgamento, já que nesta altura o advogado considera desnecessário. "Os indícios são suficientes para levar os arguidos a julgamento".
Posição diferente tem o advogado de Pedro Bourbon. Que durante as alegações falou de manipulação e cabala do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Deixou depois no ar que se devia acreditar nos poderes de Emanuel Paulino - que segundo dizia bastava rezar para que alguém morresse. "Eu não acredito em bruxas. Mas que as há, há", afirmou, garantindo que até o seu tio, que é médico, lhe disse que havia ‘coisas’ que a ciência não explica.
Os procuradores do Ministério Público, que repartiram as alegações durante o debate instrutório, pediram a pronúncia dos arguidos, nos exatos termos da acusação. Realçaram que todos eles participaram no sequestro, seguido de homicídio. Que o objetivo era apoderarem-se dos dois milhões dos pais de João Paulo Fernandes.
PJ vê 'Máfia de Braga' incendiar prova de rapto
As dezenas de imagens juntas ao processo mostram o Mercedes, em que João Paulo Fernandes foi raptado, a arder em plena Via Norte, na Maia. As fotografias foram captadas em tempo real pelos inspetores da PJ do Porto que seguiam os suspeitos e constituem uma das provas fundamentais da investigação. O grupo foi apanhado em flagrante a eliminar as provas do crime.
As imagens reveladas agora em exclusivo pelo Correio da Manhã demonstram o porquê da operação ter sido denominada de "bola de fogo". O Mercedes usado para raptar o empresário de Braga foi consumido pelas chamas e provocou várias explosões, em plena via rápida. O carro foi queimado a 14 de abril do ano passado, mais de um mês depois do desaparecimento da vítima. Após ter sido incendiado, um dos arguidos, Rafael Silva, enviou uma mensagem ao Bruxo da Areosa. "Os peixes já estão na água", lia-se.
A acusação descreve que devido ao incêndio do Mercedes o carro dos inspetores da PJ que fazia a vigilância chegou a ser atingido pelo fogo.
O processo está agora no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, onde na segunda-feira irá ocorrer o debate instrutório. No total são nove arguidos, mas apenas sete respondem pelo homicídio. Entre eles está o bruxo da Areosa e os irmãos Pedro, Manuel e Adolfo Bourbon. Os dois primeiros são advogados e o outro economista.(Em Atualização)
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