Amigdalite termina em morte de criança
Os pais de uma menina de dez anos que morreu terça-feira no Hospital da Figueira da Foz acusam de conduta negligente o médico que a observou na urgência, duas vezes, nas 48 horas anteriores à morte, diagnosticando-lhe amigdalite.
Carlos Simões, serralheiro de 52 anos, vai formalizar queixa no Ministério Público e na Ordem dos Médicos, contra o médico, por entender que a filha, Carla Alexandra, não teve a atenção que necessitava.
“Houve negligência”, lamentou ao CM. “Deixaram-na morrer e entregaram-na como se entrega um cão, sem uma palavra”, contou, acusando o Hospital de não justificar a morte. “Não deram explicação, só depois da autópsia podiam falar”. Do Hospital, nenhum responsável esteve disponível para esclarecimentos.
O caso remonta a 27 de Janeiro, uma sexta-feira, quando Carla regressou da escola queixando-se de “moleza” e “dor de cabeça”. Os pais deram-lhe um xarope. No entanto, domingo, a menina acorda com um sintoma adicional – dores de garganta – e os pais decidem ir à urgência.
No atendimento, o médico diagnostica amigdalite, receita um antibiótico e manda a família para casa, na Gala. À noite, o quadro agrava-se e a criança perde o andar. “Paralisou”, recorda o pai. “Tínhamos de lhe levantar as pernas para deitá-la.” Assustados, falam com uma médica amiga, que lhes diz que pode ser da amigdalite. E esperam até de manhã.
Às 06h00 de segunda-feira, Carla, de cadeira de rodas, dá entrada na urgência pediátrica pela segunda vez em 24 horas.
“TU NÃO QUERES IR À ESCOLA”
Carla é atendida pelo mesmo médico, que desvaloriza o cenário. “Tu não queres é ir à escola”, afirma, segundo a família. Diz que o antibiótico ainda não fez efeito e manda-os outra vez para casa.
Carlos e a mulher, Maria José, tentam a médica de família, mas ela recusa atendê-los por falta de marcação. Entretanto, a filha tem mais queixas – dores de barriga e urina escura. Terça, às 03h00, regressam à urgência. A criança é internada e morre às 11h00.
'PAPÁ, EU VOU MORRER AQUI'
Carla Alexandra Afonso Simões, de dez anos, era a mais nova de três irmãs – as outras são adultas – e celebraria o próximo aniversário a 25 deste mês. “Era uma criança espectacular”, recorda o pai, Carlos Simões. “Nunca perdeu um ano e era das melhores alunas da turma.” Depois de ser internada no Hospital da Figueira da Foz, disse algo que ele, com certeza, não vai esquecer: “Papá, eu vou morrer aqui”. Doía-lhe o peito e a barriga, as pernas não reagiam, mas Carlos Simões nunca esperou o pior. “Ela parece que adivinhava, mas nunca pensei nisso.” As últimas horas no Hospital, antes dos médicos pedirem ao pai para abandonar o quarto, foram de ternura. “Mandou-me beijinhos com a mãozita”. “Alegre” e “carinhosa”, Carla costumava deixar pela casa bilhetes, onde escrevia quanto gostava dos pais. Pregava-lhes partidas, escondendo-se na rua quando ia para a escola. O funeral decorreu quinta-feira, em Santo Amaro da Boiça.
'AVALIAÇÃO FOI INCORRETA'
“Não houve uma avaliação correcta da situação clínica.” A afirmação é categórica. De acordo com um médico consultado pelo CM, nada pode justificar que a criança se tivesse deslocado três vezes seguidas à urgência do hospital e o diagnóstico correcto não tivesse sido feito. “Uma coisa é quando a pessoa vai uma vez e depois muita coisa pode acontecer. Mas o mínimo que se pode dizer neste caso é que houve uma sucessão de análises incorrectas e a responsabilidade de uma avaliação certa é de quem vê o doente.”
De acordo com o especialista, “as amígdalas são uma porta de entrada” e podem ser o primeiro sintoma antes do desenvolvimento de um quadro clínico que pode corresponder a um conjunto vasto de problemas. “Há situações que são fulminantes, mas é preciso realizar exames auxiliares de diagnóstico para confirmar o que se trata.” Agora, resta esperar pela autópsia para saber o que matou a menina.
LESÕES NO PARTO
Chamava-se Leonel e nasceu no Hospital de Vila Franca de Xira em Janeiro do ano passado. Morreu um ano depois, vítima de lesões graves ocorridas durante o parto. A família acusa a equipa médica. Isto porque, apesar de se fazer acompanhar de uma recomendação clínica que aconselhava a cesariana, a mãe do menino acabou por ficar horas em trabalho de parto, o que privou o bebé de oxigénio, provocando-lhe uma paralisia cerebral profunda.
NADA A FAZER POR CÁ
Salomé Estrelinha tinha nove anos quando uma dor no pescoço a levou ao hospital. Detectada a presença de um tumor, foi operada por uma equipa de neurocirurgiões do Hospital Pedro Hispano, mas as coisas não correram como o esperado. O seu estado agravou-se e foi em França que acabou por ser salva de uma morte anunciada. Quanto ao trabalho feito pelos colegas portugueses, os médicos franceses classificaram-no de negligente.
OPERAÇÃO FATAL
Ana Raquel foi internada, aos dez anos, no Hospital Amadora-Sintra para o que prometia ser uma simples operação às amígdalas. Acabou por morrer pouco depois da operação, o que mereceu uma investigação da Inspecção-Geral de Saúde. O inquérito chegou a conclusões comprometedoras para o hospital e para o pessoal que esteve envolvido tanto na cirurgia como nos cuidados do pós-operatório. O caso avançou para o Ministério Público e a família aguarda para que seja feita Justiça.
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