Tragédia em pedreira deixa Bencatel de luto: "Nunca vi tragédia assim"

Dois homens morreram e três estão desaparecidos. Primeiro corpo foi recuperado 24 horas depois da estrada ter desabado.

21 de novembro de 2018 às 01:30
Maria Joana Cardoso e Luzia Foto: Rui Minderico
Luzia Ruxa, vizinha de Carlos Lourenço e prima de José Rocha, os cunhados que estão desaparecidos em Bencatel Foto: Rui Minderico
Ambulância que levou o corpo de Gualdino Pita Foto: Lusa
Pedreira de Borba Foto: Lusa
Pedreira de Borba Foto: Lusa
Pedreira de Borba Foto: Lusa
Pedreira de Borba Foto: Lusa
Pedreira de Borba Foto: Lusa

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"Tratava da mãe, acarinhava-a, deitava-a. Era um rapaz muito querido e educado. A mãe tem Alzheimer e nem se apercebe do que está a acontecer." O rapaz tem 37 anos e é uma das pessoas residentes em Bencatel que está desaparecida. Poderá ser uma das vítimas do desabamento da estrada que liga Borba a Vila Viçosa. E a vizinha preocupada é Luzia Ruxa.

Conhece Carlos Lourenço desde pequeno e é prima de José Rocha, de 53 anos, que também está desaparecido. Carlos Lourenço, empregado num hipermercado, e José Rocha, empresário na área dos mármores, são cunhados.

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Almoçaram juntos na segunda-feira na casa do mais velho, em Azinhaga da Quinta, na freguesia de Bencatel. José Rocha precisava de entregar uns documentos ao contabilista, em Borba, e meteram-se os dois à estrada. Seguiram numa carrinha de caixa aberta, de cor cinzenta. Segundo familiares terão passado na EN255. A família ficou em alerta quando se apercebeu do aluimento, tentou contactá-los, sem sucesso, e comunicou o desaparecimento à GNR.

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"Eles estão de rastos, é um momento muito triste, de revolta", diz Luzia Ruxa. Idêntico sentimento tem a vizinha Maria Joana Cardoso: "Tenho 81 anos e nunca vi uma tragédia assim. A freguesia está de luto."

Mas a pequena freguesia de Bencatel, no concelho de Vila Viçosa, perdeu mais uma pessoa nesta tragédia. Gualdino Pita, de 49 anos, funcionário da empresa ALA. de Almeida, trabalhava na pedreira com o colega João Xavier, de 58 anos.

Estavam numa máquina giratória que foi atingida por toneladas de terra e rocha. Os corpos dos dois homens ficaram numa zona seca, de pedras. O primeiro corpo, o de Gualdino, foi retirado numa operação delicada, quase 24 horas depois da tragédia.

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O segundo, o de João Xavier – que ontem faria 59 anos – estava a ser resgatado à hora de fecho desta edição. Na pedreira ainda estão submersas duas viaturas, onde deverão estar três pessoas – os cunhados Carlos Lourenço e José Rocha, e outro homem, de 85 anos, do Alandroal.

A pedreira que ruiu provocando o aluimento da estrada e o desaparecimento de cinco pessoas (estão confirmadas duas mortes) chegou a receber visitas turísticas guiadas, que cessaram com o encerramento.

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A descida até ao fundo da pedreira era feita em elevador. A Plácido Simões fazia parte da chamada Rota do Mármore, em redor de Estremoz. Há vários passeios, que além das pedreiras passam ainda por vários monumentos de Borba e Vila Viçosa.

Chuva e mais derrocadas dificultam

O comandante distrital de Operações de Socorro de Évora, José Ribeiro, adiantou ontem à noite que ainda estava por repor a eletricidade na zona da pedreira, o que obrigou à utilização de geradores ao longo do dia para tentar chegar aos corpos.

A instalação de moto-bombas está quase concluída e a drenagem deverá começar hoje de manhã. José Ribeiro reforçou que os trabalhos são complicados: "O perímetro é muito instável, com elevado risco de deslizamento de massas, agravado pela chuva."

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Exportar a rocha vale 386 milhões

O ano passado terá sido dos melhores anos do setor da pedra natural com as exportações a atingirem os 386 milhões de euros, dos quais 205 milhões de euros em mármore.

Segundo a Associação Portuguesa da Indústria de Mármores, Granitos e Ramos Afins (ASSIMAGRA), este valor demonstra "a crescente capacidade de exportação do setor, ainda que num contexto de crescente pressão por parte de países como a Turquia, Índia e os mais tradicionais como Itália, Espanha e a própria China".

Portugal é um dos principais produtores de rochas ornamentais do Mundo - com destaque para o mármore e para o granito - apesar da redução no número de pedreiras dos últimos anos, ao passar-se de 338 (2012) para 134 (2017).

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SAIBA MAIS 

134

Número de pedreiras na região de Borba, Estremoz, Vila Viçosa, Alandroal e Sousel. A maioria é de dimensão menor àquela onde ocorreu o acidente. Ficam nas bermas da antiga EN255.

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30 por 10 quilómetros

O Anticlinal dos Mármores, mais conhecido entre geólogos por Anticlinal de Estremoz, é um dos principais centros mundiais de extração de mármores. É dos maiores empregadores da região. Tem 30 km de extensão por 10 km de largura.

Romanos começaram

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A formação dos mármores na região começou há 500 ou 700 milhões de anos e foi explorado pelos romanos há dois mil anos. Um anticlinal é um adjetivo usado na Geologia para uma dobra no terreno (como um telhado)

Mármores brancos

Três das vítimas são de Bencatel, terra muito conhecida pelos mármores brancos extraídos das suas pedreiras. É uma freguesia de Vila Viçosa com 1600 habitantes. O mármore é uma rocha de origem calcária.

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Templo de Diana

O mármore de Estremoz (nome pelo qual é conhecida toda a pedra da região) está nos capitéis e as bases das colunas do Templo de Diana, em Évora. A famosa estátua ‘Vénus de Milo’ é de mármore de Paros (Grécia).

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