Fadista é recordada por artististas como Cuca Roseta, Marco Paulo e Mísia.
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Há 20 anos Portugal chorava a morte de Amália Rodrigues, a fadista que conquistou o mundo com a sua voz inconfundível. No aniversário da sua morte, a cantora foi recordada por várias figuras de áreas diferente da música sobre memórias e legado.
Mísia
"Ela gerou o fado que hoje se canta"
"Não consigo localizar no tempo a primeira vez que ouvi Amália, certamente num vinil, na infância, na minha casa do Porto, onde morávamos a minha mãe, a minha avó de Barcelona e eu. Elas que eram artistas, foram as que me mostraram Amália, não a minha família portuguesa que não gostava de fado. O seu maior legado é a liberdade e independência do seu critério artístico, o que permitiu a construção de uma nova tradição, que gerou o fado que hoje se canta. Na minha opinião ela tinha uma inteligência, uma intuição e um conhecimento pessoal da mágoa, que por sua vez alimentavam uma voz superlativa. Ela tinha tudo e por isso tinha também uma dicção inteligente. Por essa razão, os nossos maiores poetas lhe confiaram as suas palavras.
Eu tinha uma enorme timidez em relação a conhecer a grande Amália, não queria dirigir-me a ela, no meio da corte que naturalmente a rodeava. Procurava a melhor situação. Mas um dia, inesperadamente, um amigo comum apresentou-nos, o mesmo que me contou que quando eu aparecia na televisão ela dizia: ao menos esta não imita ninguém. Então nessa apresentação eu balbuciei: "Amália desculpe, eu até hoje nunca a fui cumprimentar a sua casa por timidez". E ela respondeu: por timidez ou por altivez? (dizia-se tanta coisa de mim naquele tempo!). Depois, mudando de conversa, ela queixou-se do calor e como eu tinha um leque disse-lhe enquanto o usava: "Ó Amália (já sem nenhuma timidez) mas então se eu fosse altiva estava para aqui a abaná-la?" E ela riu-se. Ficou tudo esclarecido. Soube depois que ela sussurrou ao meu amigo: Afinal ela é muito simpática!
É difícil escolher um fado obrigatório para ficar a conhecer a Amália, mas talvez escolha o 'Com que Voz', de Camões e Alain Oulmain. Quem pode fazer melhor?"
Fernando Ribeiro (Moonspell)
"Os seus versos de mulher esmagam-nos"
"Vi a Amália ao vivo uma só vez na Aula Magna. Já metaleiro. Nunca a conheci pessoalmente mas a minha avó lavava o chão da casa a trautear a 'Formiga Bossa Nova'. Foi a primeira vez que ouvi a Amália. Depois calhou-me a mim cantá-la no projeto Hoje. Curioso. O seu maior legado para mim é a minha família pois conheci a minha mulher numa homenagem à Amália. A Dona Amália é a madrinha espiritual do meu filho e do meu casamento. Para quem não sabe, a Amália era poeta publicada. Os seus versos de mulher esmagam-nos. Cantados por si são obrigatórios. 'O Medo', 'o Grito', aí se vê uma alma única e Portuguesa, para o bem e para o mal, haja o que houver."
António Manuel Ribeiro (UHF)
"A sua voz/corpo/alma é algo que não se explica"
Cresci numa casa onde se ouvia o fado, Amália, Hermínia, Tony de Matos, e também o Mário Lanza, do que me recordo. O meu pai adorava cantar, era tenor, e integrava o Orfeão da Academia Almadense. Por vezes, ia com ele a saraus. Mas também cantava na igreja e eu aprendi com ele a colocar a voz. Em casa tínhamos um pequeno giradiscos e havia muitos EPs, vinis com quatro canções, duas de cada lado. Comecei a ouvir a Amália no rádio e nesses pequenos discos que rodavam e enchiam a casa de música.
Tenho uma história muito engraçada com a Amália. Estávamos a gravar nos estúdios da editora Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, com o técnico Hugo Ribeiro, o único com quem a Amália gravava. E havia uma regra para a sessão da tarde. Ela andava a gravar coisas novas, chegava normalmente ao cair da noite, e para tanto nós tínhamos que libertar o estúdio aí pelas 18 horas. Sem problema. Mas houve um dia que a nossa diva chegou mais cedo, eu estava no meio do enorme estúdio a gravar, era impossível perceber à distância o que acontecia por detrás do aquário, nome que dávamos ao vidro que nos separava da régie. Ela entrou, o Hugo ficou aflito, os outros músicos dos UHF congelados e eu a pedir instruções à cabine. A sessão durou mais uns minutos, gravei a voz da canção e quando entrei na sala deparei com um séquito à volta da Amália. Contaram-me depois que ela impediu que interrompessem a minha gravação desabafando para o Hugo Ribeiro qualquer coisa como isto: Não é a minha música, mas este rapaz tem qualquer coisa que nos toca cá dentro. Guardarei para sempre esse momento.
O maior legado da Amália é a sua voz/corpo/alma, algo que não se explica, que se ouve e arrepia. Há umas semanas, a Antena 1 convidou 20 intérpretes para fazer ao seu jeito versões de 20 fados dela, agora que passamos o vigésimo aniversário do seu desaparecimento físico. Escolhi 'Povo Que lavas no Rio' e quando fui rever a sua interpretação assustei-me com o impacto do desempenho, voz, poema e melodia.
Além fronteiras, como por exemplo no Japão, onde tinha um mercado discográfico forte e seguro, pouco importava ninguém perceber patavina de português: a sua voz tocava quem a ouvia e até canções popularuchas ganhavam outro estatuto na sua interpretação. O meu fado obrigatório é 'Povo Que Lavas no Rio', só depois é que percebi no sarilho em que me meti. Foi a pensar nela, e no meu pai, que o gravei.
Marco Paulo
"Havia nela qualquer coisa de intocável"
A primeira vez que ouvi Amália, era muito miúdo. Coincidiu com a altura em que apareceu a televisão. Recordo-me que vê-la foi qualquer coisa de mágico e emocionante. A maneira como ela se apresentava e a voz brilhante com que cantava, fazia-me acreditar que ela não era uma pessoa igual a nós. Havia nela qualquer coisa de intocável. Quando eu sabia que a Amália ia cantar à televisão, ficava petrificado em frente ao ecrã, agarrado às expressões dela, à voz e aos fados. Nessa altura ainda não me passava pela cabeça que um dia viesse a ser amigo da Amália ou a cantar os seus fados.
Conhecia-a no solar do Vinho do Porto, no Bairro Alto, no lançamento de um disco dela para o qual eu fui convidado. Estava eu no começo da minha carreira, mas nasceu ali uma amizade de respeito e admiração. Pelos aniversários, enviava-lhe sempre um ramo de flores. A Amália, foi e continuará a ser o meu grande ídolo, a minha grande referência. Ela irá sempre prepetuar-se.
Aliás, para mim Amália não morreu porque ela continua a ser única no mundo. Portugal foi privilegiado por ter tido uma das vozes mais grandiosas do mundo. Ao longo da vida, gravei três fados dela, o 'Amália', 'O Grito' e mais recentemente o 'Com que Voz'. Para mim são os seus fados mais representativos.
Cuca Roseta
"Herança imensa à nova geração de fadistas"
O fado tornou-se património imaterial da humanidade, sem duvida porque ela deu lá fora o primeiro passo. Não era só a voz e a pessoa, era um conjunto de muitas coisas difíceis de se ter que de repente encaixam na perfeição como um Puzzle desenhado pelo divino.Por exemplo, a inteligência, a sensibilidade, a coragem, o bom gosto, a escolha dos músicos, a escolha do repertório, a escolha dos poemas e dos poetas, dos compositores, a coragem, a personalidade forte, a poeta. São muitas peças e ela tinha todas!"
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