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“Ele vivia obcecado pela vida do Rui Pedro”

Hélder Silva assistiu ao momento em que o menor entrou no carro de Afonso.

09 de março de 2011 às 00:30

A enorme obsessão que Afonso Dias tinha por Rui Pedro, o menino que desapareceu de Lousada quando tinha 11 anos, saltava a olhos vistos. Os colegas de escola do menor sempre estranharam o facto de o homem, hoje com 34 anos, esperar pelo menino várias vezes à porta da escola e saber todos os passos que aquele dava.

"Era muito estranho. O Afonso sabia a vida toda do Rui Pedro, onde estava, com quem estava, o que ia fazer no dia seguinte. Nas duas semanas antes do desaparecimento ele criou uma obsessão total por ele, não o deixava em paz", contou ao CM Hélder Silva, que pertencia ao grupo de cinco crianças que viram Rui Pedro entrar no carro de Afonso a 4 de Março de 1998. Passaram 13 anos.

O dia do desaparecimento do menino está bem marcado na cabeça de Hélder. Na altura tinha 14 anos. "Tínhamos sempre aulas ao lado do Rui Pedro, por isso davamo-nos bem com ele. Combinámos jogar futebol naquela tarde, ele foi a casa buscar uma bola e tudo", recordou o jovem, hoje com 27 anos.

Hélder conta que Rui Pedro chegou ao campo de futebol, já com a bola, por volta das 15h00, altura em que também Afonso compareceu no local. "Vimos o Fiat Uno no qual o Afonso costumava andar, reconhecemos pela matrícula. O Rui falou com ele uns minutos e depois fez-nos sinal a dizer que já não vinha jogar. Ele pousou a bicicleta, entrou no carro e nunca mais os vimos", lembrou, emocionado, Hélder Silva.

Apenas no dia seguinte, durante uma aula, o grupo de cinco jovens soube que Rui Pedro estava desaparecido. "Soubemos na aula, e então falámos entre nós e decidimos que o melhor era contar aquilo que vimos. Falámos com a professora e depois com os pais do Rui Pedro e com a GNR", recordou Cyril Martins de Sousa, que também viu o menor a entrar no carro de Afonso.

Os dias que se seguiram foram de muito medo para os cinco amigos. Temiam que Afonso tentasse fazer algo contra eles e nunca tiveram protecção da polícia. "Éramos crianças, e só pensávamos que ele também nos podia fazer mal. Vivíamos com medo dele, ouvíamos histórias estranhas sobre o Afonso", recordou Hélder.

Os jovens lamentam também que a polícia nunca tenha acreditado neles. "Sentia que desconfiavam de nós, que não acreditavam no que dizíamos. Mas não ganhávamos nada em mentir, aliás, só perdemos", rematou Hélder.

PAIS DE AFONSO ACREDITAM QUE O FILHO É INOCENTE

"Já passaram tantos anos e ainda falam nisso. Porque é que não nos deixam em paz?" Estas foram as únicas palavras, depois de o CM bater à porta, que saíram do número 2, entrada I, do bairro Dr. Abílio Alves Moreira, em Lousada, a casa dos pais de Afonso Dias.

Lá dentro, a mãe, visivelmente incomodada, recusou-se a prestar qualquer declaração sobre um assunto que é tabu há 13 anos.

Só aos amigos mais próximos é que o pai e a mãe do acusado de rapto de Rui Pedro vão tecendo alguns comentários. "A mãe continua a acreditar que ele é inocente. Já acreditava na altura em que o menino desapareceu", revela uma moradora do bairro onde Afonso também viveu até pouco tempo depois do fatídico dia 4 de Março de 1998.

Também por isso, poucos são os que aceitam falar sobre o tema, e ninguém quer ser identificado, sobretudo para evitar problemas com uma família, descrita como "gente boa".

O pai, que tal como a mãe já entrou na casa dos 50 anos, vai todos os dias para o Porto, cidade onde trabalha há dezenas de anos, e regressa a Lousada, de autocarro, ao final do dia.

A mãe é empregada numa empresa têxtil do concelho, tarefa que partilhou, durante muito tempo, com a criação de oito filhos.

Hoje, a maior parte, incluindo Afonso, já saiu de casa, permanecendo apenas dois filhos em casa do casal, um dos quais ainda menor de idade.

GRUPO FALOU COM FILOMENA

Após revelarem à professora o que tinham visto, o grupo foi a casa de Filomena contar o que tinha acontecido na tarde de 4 de Março de 1998. Os relatos do menor deixaram a mãe em choque e ainda mais convicta de que realmente Afonso tinha raptado Rui Pedro. Horas antes, já João André, primo do menino, tinha revelado à tia que Rui tinha combinado ir com Afonso às prostitutas. Os menores foram depois encaminhados para a GNR, onde contaram novamente aos militares tudo o que tinham presenciado.

VIAGEM PARA O ESTRANGEIRO

Dias após ser notificado de que o Ministério Público tinha deduzido acusação, Afonso Dias, que tem um filho de oito anos, viajou novamente para o estrangeiro, onde se encontra a trabalhar como camionista. O homem ainda não regressou a Portugal, e na casa onde residia, em Freamunde, a esposa recusa-se também a falar do caso. Os vizinhos dizem no entanto que a acusação deixou Afonso bastante surpreendido.

PODE EVITAR JULGAMENTO

Afonso, acusado de rapto qualificado, tem 23 dias para requerer a abertura da instrução do processo e tentar assim evitar o julgamento. O arguido pode ainda requerer a especial complexidade do processo, fazendo com que o prazo passe para 43 dias. Na instrução deverão ser ouvidas as testemunhas principais no processo. Cabe depois ao juiz de instrução, com base nas provas, decidir se Afonso deve ser julgado.

"SÓ QUERIAM SABER DO FILHO"

A expressão de medo e preocupação que os pais de Rui Pedro tinham nos dias após o desaparecimento do filho ficou para sempre marcada na cabeça de Hélder.

"Não me esqueço das caras deles, estavam desesperados. A mãe chorava muito e o pai não sabia para onde se virar. Só queriam saber do filho, onde ele estava", recorda Hélder, testemunha no caso.

Desde o dia em que foram ouvidos na GNR, o grupo nunca mais falou com os pais de Rui Pedro. "Não soubemos mais nada deles, nunca mais nos procuraram", rematou o jovem.

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