Militares da Base Aérea de Monte Real, em Leiria, acusados do crime de autoridade por ofensas à integridade física.
“Andava de gatas com corrente ao pescoço por baixo da mesa”, diz soldado vítima de praxe na Força Aérea
Prossegue na manhã desta terça-feira a terceira sessão do julgamento dos 10 militares da Base Aérea de Monte Real, em Leiria, acusados do crime de autoridade por ofensas à integridade física. Nesta sessão continua ser ouvida uma das vítimas, que é assistente no processo. O outro lesado, que sofreu praxes violentas, não compareceu à sessão por estar a acompanhar a avó no hospital. Aos juízes do tribunal de São João Novo, no Porto, o ofendido descreveu todo o momento em que um dos colegas soldado lhe apontou uma arma à cabeça. “O André disse que íamos ter uma aula de armas. De abrir e fechar. Eu achei que era uma brincadeira. Ele disse-me: ‘Dá-me a tua arma’. E eu dei. Ele desmontou a arma e ao montar a arma, carregou-a com uma munição e perguntou-me: ‘E se eu agora te matasse? Confias em mim?’ E apontou-me essa arma à cabeça. Depois ele deve ter percebido que estava a fazer algo de mal e deu-me a arma e o serviço continuou”, descreveu, em esclarecimentos a um dos advogados.
As praxes ocorriam sempre durante a noite “para evitar serem vistos”. A juíza Isabel Teixeira ficou intrigada durante a sessão. “Há uma coisa que me intriga. As coisas aconteciam e depois voltava tudo ao normal? No quarto faziam-lhe alguma coisa?”, questionou a presidente do coletivo.
A vítima respondeu: “Coisas que me magoassem, não. Coisas de arma à cabeça, não. A cama é que estava sempre desfeita”, contou. A juíza rematou: “O quarto era o sítio mais reservado para lhe fazerem cosias. Esse é melhor sítio para lhe fazerem maldades”.
Uma das situações descritas na acusação diz respeito ao momento em que a vítima foi forçada a simular que era um cão e foi-lhe colocada uma corrente ao pescoço, na Porta de Armas da base Aérea Nº 5. Um sargento viu a situação e nada fez.
“Passou um carro e eu estava com uma corrente ao pescoço. Era o sargento Cartaxo que foi falar com o arguido e disse: ‘Tenham cuidado com esse género de brincadeiras, pois pode passar aqui outra pessoa’. A mim não me disse nada. Eu tinha de fingir ser o cão dele. Era uma corrente grossa de um portão, que ele me colocou. Ela ficou-me justa ao pescoço. Fiquei de gatas, de quatro, dentro da porta de armas. Ele puxava a corrente e eu andava por baixo das mesas”, explicou ao tribunal.
Este soldado diz ter estado na Força Aérea cerca de 9 meses e chegou a tentar o suicídio devido às praxes que sofria. Na sessão, o soldado indicou que um dos arguidos acusado, Cristiano, nunca lhe fez nada.
“Então o que ele está aqui a fazer? Em algum momento teve de falar nele para ele estar aqui”, atirou a juíza. “Não quero estar aqui a dizer mentira nenhuma e há coisas que já não me recordo”, frisou o ofendido.
A este jovem soldado chegaram a pedir para subir ao hangar dos F16 e aproximar-se do depósito de hidrazina. “Eu não pensava nada. Eu nem pensava em risco, nem em perigo. Eles deviam querer meter-me medo. Eu andava no modo exausto. Só já ouvia os gritos”, disse.
“Disseram suba e o senhor subiu? O senhor não nasceu ontem, não é? Eu não percebo o risco de subir lá acima, ele subiu também. O senhor é que pensou que eles pudessem fazer algo, mas não fizeram. Foi só subir e descer”, respondeu-lhe a juíza.
O assistente recordou também as praxes no meio do mato. “Numa ronda pararam a carrinha e pediram para me atirar para as silvas. Disseram para me mandar em posição de ataque”, descreveu, recordando ainda que foi fechado duas vezes nas jaulas dos cães. “Na primeira vez abriram a mala do carro e estavam lá as gaiolas e eu subi para a gaiola como um cão. Eles diziam: ‘Agora vais fazer uma ronda como se fosses o meu binómio’. Eles abriam a gaiola e nós tínhamos de saltar”.
Com esta resposta a juíza questionou: “E se o senhor desse o grito do Ipiranga e recusasse?” A resposta veio logo. “Eles ficariam raivosos. Eu já estava tão cansado que não fazia nada bem. Eu nunca me negava a fazer um exercício. Tinha medo que me fizessem coisas piores. Não podia mostrar fraqueza. Achei que isto era só um X de tempo e que depois parasse. Se recusasse era um ‘bicho’. Que é uma situação que eles chamam à pessoa que eles não falam e nunca ajudam. É esse o nome que eles dão. Era um medo constante”, contou.
Em algumas situações o soldado mostrou fraqueza. “Levava logo um estalo. Cheguei a levar vários. Algumas vezes até chorava. Levei um quando subi à torre da hidrazina”.
Apesar de dizer “viver com medo”, o ofendido diz que ia sempre onde o convidassem. Até ao jantar de despedida de um dos arguidos, Luís, que saiu da Força Área para a GNR, onde atualmente exerce funções. “Ele saiu mas os outros continuaram lá. E eu tinha que me dar bem com eles. Se eu não fosse ao jantar eles iam prolongar as praxes. Pensei que se fosse ia ficar melhor com eles. Eu não queria ser ‘bicho’”, revelou. Assumiu ainda que chegou a enviar uma mensagem a esse arguido após a saída dele da base aérea.
Uma vez a vítima chegou atrasada à porta de armas para o serviço e um dos arguidos, Bruno, apertou-lhe o pescoço. “Atrasei-me por causa de ter estado numa praxe exaustiva. Adormeci. Não me lembro do que ele me disse concretamente. Mas quando me batem eu não me esqueço. Ele disse-me palavrões e algo do género: ‘Sabe o erro que fez?’ E apertou-me o pescoço”. Tanto os arguidos como as duas vítimas tinham a categoria de praças.
O assistente voltou a emocionar-se em audiência - tal como tinha acontecido na segunda sessão. Desta vez aconteceu quando um dos advogados o acusou de “simular” o suicídio.
O jovem vítima de praxe foi ainda confrontado com vários vídeos onde aparece em festas e a ingerir bebidas alcoólicas, apesar de indicar que nunca bebe.
“O senhor passou uma imagem de pessoa frágil, que não bebe, só se fosse obrigado, que foi um período em que esteve demasiado oprimido, mas afinal, se lhe oferecessem uma bebidazita até bebia”, frisou a juíza no final da audiência.
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