Violador associa “rigidez, autoritarismo e desafecto” da progenitora para justificar crimes.
Henrique Sotero, que está à espera de ser julgado por 74 crimes, entre eles catorze violações, não olha a meios para justificar os crimes que cometeu ao longo de dois anos. Na entrevista a que foi sujeito para a realização do relatório social, o violador de Telheiras não poupou a mãe, chegando a associar a "rigidez, autoritarismo e desafecto" da progenitora quando era criança com os crimes sexuais. "Não me recordo de um gesto de carinho da sua parte", referiu, como pode ler-se no relatório a que o CM teve acesso.
Mais novo do que os dois irmãos, Sotero viu o pai sair de casa quando tinha apenas doze anos. "Foi tão necessária a minha presença como pai que me esqueci de ser mãe", assumiu a progenitora na entrevista para o relatório social. O violador descreveu ainda a relação dos pais como negativa, referindo a "ausência de relação afectiva e física" entre o casal.
Na escola, o violador teve um percurso normal. Conseguiu fazer o 12º ano sem reprovar e em 1998 entrou na faculdade, onde ao fim de seis anos licenciou-se em Engenharia Química. Sotero trabalhou como paquete, figurante em programas de televisão, fiel de armazém e ainda como recepcionista num consultório médico, pode ler-se no relatório social. Aos técnicos, confessou ainda só ter perdido a virgindade aos 21 anos e só ter tido três namoradas.
Consciente da gravidade dos crimes e de que estava a ser procurado pelos investigadores da Polícia Judiciária, Sotero confessou à actual namorada, em Novembro de 2009, que era o violador de Telheiras. Os dois só conseguiram iludir as autoridades durante quatro meses. Em Março do ano passado foi detido na ZON, onde trabalhava, como técnico de análise e de monitorias. A companheira recebeu os inspectores a chorar e até hoje não o abandonou, continuando com visitas frequentes ao Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL).
Apesar de tentar atribuir os abusos sexuais às carências afectivas, o perito que elaborou o relatório social é peremptório: "Daquilo que foi possível percepcionar aparenta ser uma pessoa autocentrada, com dificuldades em se colocar na posição de terceiros e com alguma superficialidade afectiva".
Ainda preso, Henrique Sotero continua a ter consultas regulares com o psiquiatra particular António José Albuquerque, mantendo igualmente a medicação que começou a tomar ainda antes de ser preso. Em breve começa a ser julgado no Campus de Justiça, em Lisboa, perante um colectivo de juízes. Vai responder por catorze casos de abuso sexual, doze consumados. Para início de julgamento faltam apenas os resultados das perícias feitas pelo Instituto de Medicina Legal (IML).
VIOLADOR QUER CASAR QUANDO SAIR DA CADEIA
Henrique Sotero namora há mais de nove anos com Ana Sobral, actualmente com pouco mais de 30 anos. A socióloga, que desempenha funções de técnica de Recursos Humanos numa empresa, tem sido o seu maior apoio. Aos peritos, o violador diz que quando sair da prisão quer casar com Ana Sobral.
CARINHO DE MÃE
O médico psiquiatra António José Albuquerque, que acompanha Henrique Sotero, juntou ao processo um curto relatório sobre o que arguido pensa da mãe e da namorada e sobre o que a mãe pensa do filho.
Mãe sobre o filho: "Foi tão necessária a minha presença como pai, que me esqueci de ser mãe". (Os pais separaram-se quando ele tinha 12 anos. Henrique ficou a viver com a mãe).
Henrique sobre a mãe: "Não me recordo de um gesto de carinho da sua parte".
Henrique sobre a companheira, Ana Filipa Sobral: "É a mulher da minha vida".
JULGAMENTO ADIADO 'SINE DIE'
O julgamento de Sotero esteve marcado para 14 de Janeiro, mas acabou adiado a pedido da Defesa porque os relatórios psiquiátricos e psicológicos feitos pelo Instituto de Medicina Legal ainda não estavam prontos. Segundo o CM apurou, ainda não há data marcada para o início e a juíza só o vai fazer quando chegarem os resultados.
RELATÓRIO SOCIAL
Documento elaborado por um técnico da Direcção-Geral de Reinserção Social foi realizado com base em entrevistas e será fulcral para a determinação da pena
"(...) É o mais novo de dois irmãos, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido até aos 12 anos de idade, altura em que os pais se separaram, num agregado familiar de condição socio-económica modesta, mas estável. Pai operário e mãe reformada após ter exercido a actividade de telefonista.
"(...) A mãe evidenciava atitudes de acentuada rigidez, autoritarismo e desafecto e o pai uma postura ausente mas mais condescendente (...) O arguido revela um sentimento de ter sido preterido pelos pais, e essencialmente pela mãe, em relação ao irmão, sentindo que [os pais] sempre tiveram uma atitude de maior exigência, rigidez e de responsabilização para com ele e uma atitude mais desculpabilizante e de preocupação para com o irmão.
"(...) O relacionamento entre os pais é descrito pelo arguido de uma forma negativa, salientando a existência de um conflito permanente [entre os pais] com ausência de relação afectiva e física, que considerou não própria de uma ligação matrimonial equilibrada. Na altura, percepcionou este contexto familiar como normal, mas actualmente considera que o terá marcado negativamente ao nível pessoal, essencialmente ao nível dos afectos. Após a separação dos pais, o arguido manteve-se a viver com a mãe, em Massamá, onde sempre viveu, mantendo um relacionamento regular com o pai.
"O percurso escolar do arguido decorreu normalmente até ao 12.º ano (...) tendo encontrado dificuldades e desmotivação durante a frequência do ensino superior (...) Segundo o próprio, não conseguiu ter um aproveitamento académico regular devido à falta de método de estudo (...) Concluiu a licenciatura em engenharia química, em 2004, após frequentar o ensino superior durante seis anos.
"[Ainda estudante de engenharia], e como forma de obter alguma autonomia financeira, desenvolveu pequenas actividades, designadamente distribuição de publicidade, paquete, figurinista em programas de televisão, recepcionista num consultório médico, operador no ‘call center’. Em 2005, com 25 anos, integrou a empresa ZON, onde conseguiu vinculação laboral efectiva.
"Ao nível afectivo, antes de iniciar namoro com a actual companheira, aos 21 anos, manteve duas relações de namoro, a primeira com 17 anos, que durou alguns meses, e a segunda com 18 anos, que se manteve por cerca de 3 anos. Referiu não ter tido relações sexuais durante os dois primeiros namoros (...) Referiu ter tido a primeira relação sexual durante uma relação esporádica, antes de iniciar a ligação amorosa com a actual companheira, após a qual se manteve sexualmente activo.
"No período que antecedeu a prisão, Henrique Sotero mantinha relação marital com a companheira, desde 2006, residindo na habitação adquirida por ambos com recurso a crédito bancário, actualmente somente propriedade de ambos (...) Henrique Sotero reconhece que assumiu ocultamente comportamentos disfuncionais de carácter sexual para os quais não consegue encontrar motivos racionais.
"Afirma não ter tido a clarividência para procurar apoio psicológico, por vergonha da natureza dos seus actos e por receio da companheira se aperceber. Após ter conhecimento da existência de uma investigação criminal (...) decidiu contar à companheira que o apoiou e aconselhou a procurar aconselhamento psicológico. Foi avaliado e acompanhado por três profissionais de saúde mental a partir de Novembro de 2009 (...) refere que na altura da ocorrência destas situações o seu comportamento era motivado por impulsos não controlados (...) [Diz que] não tinha a consciência de que estava a causar dano, elaborando aquilo que considera ser uma fantasia de que a vítima estaria a ter prazer, que associava também a um sentimento de impunidade e que apesar de num momento posterior sentir culpa e reconhecer o dano não tinha capacidade em alterar a conduta, tentando repeti-la (...)".
PROTEGIDO EM ALA DE SEGURANÇA
Preso desde Março do ano passado, Henrique Sotero, que confessou aos investigadores e a um juiz, em primeiro interrogatório judicial, a violação de quarenta mulheres, tem vivido os últimos tempos com grande ansiedade, em parte pela mediatização do caso, mas sobretudo pela animosidade por parte dos restantes reclusos do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL). Aliás, poucos dias depois de estar preso foi logo vítima de agressão física por um dos reclusos. Sotero levou um murro na cara, mas só apresentou queixa quando foi chamado pelos responsáveis da prisão.
Desde então tem-se mantido numa ala de segurança, para sua própria protecção.
Segundo o relatório social tem "revelado um comportamento institucional adequado às normas instituídas e partilhado as actividades que são propostas, evidenciado capacidade em arranjar estratégias de defesa perante situações mais adversas".
DISCURSO DIRECTO
"A PESSOA INCAPAZ NÃO ASSOCIA", Carlos Amaral Dias, Psicanalista
Correio da Manhã – É legítimo relacionar um passado penoso com a prática de crimes?
Carlos Amaral Dias – Não. Em particular neste caso de divórcio, não há correlação directa. Pode haver influência, mas isto não conta para efeitos de atenuação.
– Os factos constantes no relatório social em que há uma responsabilização da mãe não ajudam a conferir a inimputabilidade?
– Não. Neste caso e analisando as suas [de Sotero] declarações, nota-se que consegue encontrar um factor para aquilo que fez. Uma pessoa incapaz não consegue fazer associações.
– Apesar de tudo, a mãe é a própria a admitir que teve uma postura ausente no seio familiar. Isso muda alguma coisa?
– Não muda nada. Isso só mostra o carácter compreensivo da mãe em relação ao próprio filho, apesar dos crimes que cometeu. Em termos legais estas declarações não têm quaisquer implicações no processo.
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