Organizador de 'meets' assume bissexualidade
Veja o vídeo onde Gonçalo Carter aconselha outros jovens.
Pergunta CM
Há razões para temer assumir a orientação sexual em Portugal?
Gonçalo Carter ficou conhecido por organizar alguns 'meets' – encontros em espaços públicos, como centros comerciais, que à hora marcada são invadidos por centenas de adolescentes convocados através de redes sociais. Em 2014, no nosso País, este fenómeno levou a desacatos e agressões. Patrocinado por marcas de roupa, Gonçalo, que na altura tinha 17 anos, era uma referência entre os jovens da sua idade. Ainda hoje, no Facebook, é seguido por uma legião de fãs atenta, que põe ‘likes’ em tudo o que publica. Esta semana partilhou um vídeo (que pode assistir abaixo) onde fala abertamente sobre a sua orientação sexual: assume a bissexualidade e aconselha outros jovens a fazerem o mesmo. O CM falou com ele e com a sexóloga Vânia Beliz.
Quatro perguntas a Gonçalo Carter, 18 anos
Correio da Manhã – Já tiveste reações negativas à publicação do vídeo?
Gonçalo Carter – Sim. Tal como em tudo há reações boas e más. A bissexualidade também não é uma coisa muito normal aos olhos das pessoas, não estão habituadas a essa realidade. Mas são mais as reações positivas. Hoje em dia as pessoas já começam a mentalizar-se que o importante é as pessoas estarem felizes e cada um tem a sua maneira de ser feliz.
– Temes alguma reação que possas vir a receber?Não. Sou uma pessoa que só liga às opiniões das pessoas que me conhecem, só essas é que são importantes para mim. Na escola já tive problemas. Desisti do curso [de Atendimento e Promoção de Eventos] e foi um bocadinho desagradável porque era um dos melhores alunos. Chegou a um ponto em que, no portão, à entrada da escola, tinha todos a mandarem bocas e a rirem. Diziam: "Olha-me este gay". Alguns funcionários afastaram-se, deixaram de me falar. – Não tens medo de aconselhar outros jovens sabendo que isso também poderá ter consequências negativas para eles?
Nunca digo às pessoas o que devem fazer, apenas lhes dou a minha opinião, digo o que faria se estivesse no lugar delas. Também pergunto sempre a idade porque se forem muito novos, com 13-14 anos, não têm maturidade para saber o que são e o que gostam. Digo para terem calma e não se precipitarem porque pode ser uma coisa da idade.
– As coisas mudaram nos 'meets' por teres assumido a tua orientação sexual?
Deixei de ir aos 'meets', mas não foi por medo do que as pessoas iam dizer – se fosse por isso, não saía à rua e já tinha apagado o Facebook. Simplesmente sei que devo evitar [os 'meets'] porque vão imensos jovens e podem surgir problemas ou gerar mau ambiente. Não gosto de estar em sítios onde isso possa acontecer. Antigamente ia aos 'meets' porque era um passatempo e aos fins de semana não tinha muito para fazer. Agora tenho 18 anos, trabalho e tenho um relacionamento com um rapaz.
Quatro perguntas à sexóloga Vânia Beliz
Correio da Manhã – Assumir a bissexualidade é uma tendência atual entre os jovens?
Vânia Beliz – É satisfatório que os jovens possam atualmente até falar de um assunto que há pouco tempo era tabu, levando muitos jovens a viver de forma infeliz quando não se sentem respeitados e compreendidos.
– É positivo que um jovem influente no seu meio assuma a orientação sexual?
A nossa orientação é algo nosso, que na minha opinião não precisa de ser anunciada ao mundo. O que acontece com algumas minorias é que esta divulgação é uma estratégia que visa apelar à aceitação e respeito. No entanto, esta não deve servir para convencer ou apelar a qualquer prática, pelo que a melhor vantagem será mesmo o respeito por orientações diferentes.
– Este jovem de 18 anos deve aconselhar jovens da sua idade, ou até mais novos, em questões de orientação sexual?
O aconselhamento em jovens poderá ser um território "perigoso" no sentido em que os jovens têm tendência a imitar o comportamento dos seus ídolos, numa altura em que estão ainda em processo de desenvolvimento. A orientação sexual não é algo que vem prontamente definido: às vezes, as crianças e jovens experimentam outros papéis num processo normal de descoberta.
– É importante que os jovens assumam a sua sexualidade?
É importante que os jovens tenham liberdade para a experimentação e para o questionamento, depois poderão definir a sua orientação. Mas o futuro aponta que, tendencialmente, as pessoas possam a vir a ter orientações mais globalizadoras dos afetos. Afinal, a construção da nossa orientação é um processo complexo e dinâmico, com forte influência biossocial.
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